cinema “Esse obscuro objeto do desejo”, 1977, Luis Buñuel Vários são os significados para a palavra desejo: aspiração humana de preencher um sentimento de falta ou incompletude, ambição incontrolada ou excessiva, instinto físico que impulsiona o ser humano ao prazer sexual ou ainda, segundo Sigmund Freud, moção psíquica que procura restabelecer a situação da primeira satisfação. Entre todos eles, talvez o que mais se aproxime de uma possível explicação para o desejo que move este filme de Buñuel seja uma combinação dos dois últimos significados. Um instinto físico com interferência de uma moção psíquica que impulsiona o homem a um prazer sexual associado à satisfação. A Europa está salpicada por atentados terroristas que atemorizam integrantes da “burguesia”. Estes interagem com personagens marginalizados: mordomos, criadas, dançarinas e assaltantes. É do encantamento burguês diante da liberdade e vitalidade do artista/desfavorecido que nasce a instável e intrigante relação principal deste filme. Além disso, a virgindade, obscuro objeto, deflagra um desejo servil. Nada é no universo surrealista dos filmes de Buñuel. Tudo pode ser. O filme suscita possibilidades e interpretações ao invés de oferecer uma explicação. As relações entre as personagens são inconstantes e ambíguas. Não se conhece bem nem mesmo o mordomo de anos, logo o que se dirá da menina/mulher misteriosa. O tempo decorrido no filme segue uma viagem de trem. Um senhor já passado dos 50 anos embarca neste trem e antes de partir despeja a água de um balde na cabeça de uma mulher pronta para embarcar. Como não posso matá-la despejei a água em sua cabeça, explica ele mais tarde dentro da cabine para outros passageiros muito curiosos. Entre os passageiros que ouvirão toda a história do senhor com a respectiva mulher encharcada está um psicanalista anão interessadíssimo no “caso”. Tem início um flashback-desabafo do maduro Mathieu (Fernando Rey) narrando sua ligação com Conchita (Carole Bouquet), a dançarina de flamenco. A menina/mulher aqui não tem nada de Lolita. Seus encantos vão além de seu belo corpo de 18 anos. A espanhola é complexa, pode ser apreciada de diversos ângulos, pontos de vista. A lascividade da garota vai do sensual ao travesso. Assim ela começa a envolver o velho Mathieu numa teia de mistério e sedução. Surrealismo porque aqui prevalece o instinto e o desejo. O velho burguês já emaranhado pela dançarina tenta dia após dia consumar seu amor, mas encontra resistência, quando não um ‘cinto’ de castidade. Conchita não se oferece para “Mateo” porque se assim o fizer ele não mais a amará. Nem mesmo assim o desejo pelo secreto sexo da mulher há de cessar e a ligação persiste confusa, mutante. Nunca saberemos o que Conchita realmente sentia pelo velho francês, se era virgem de verdade ou usava o homem para realizar seus próprios desejos.
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