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“O filho” – Uma câmera em busca do perdão

Olivier é marceneiro profissional. Ele trabalha em um centro de reabilitação juvenil. Ensinar uma profissão para adolescentes infratores é um trabalho edificante, mas no filme “O filho” tudo tem uma outra dimensão, mais ambígua, mais humana.

Há algo de errado na vida deste homem maduro. Recados na secretária eletrônica, pessoas que nem sequer saberemos quem são. Um exercício físico mal feito, uma casa vazia e uma visita de uma mulher. Ela vem anunciar que está grávida, mas quem é ela? Uma filha? Uma amiga?

A própria rotina do marceneiro faz o filme caminhar, ou não. A sensação é que não estamos saindo do lugar. A câmera é sentida a todo o momento e independente da ação ficcional ela desliza por todo o filme nas mãos do operador. Primeiro o desconforto pelo registro tremido e documental, depois a angústia de não partilhar dos pensamentos confusos do protagonista.

Geralmente uma câmera na mão, primeiros planos e planos-sequências nos aproximam do personagem. Em “O filho” esta idéia é subvertida. Talvez pela interpretação tão realista dirigida pelos irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne a dimensão humana dos personagens tenha impregnado roteiro, fotografia e montagem. Ao espectador não é revelado exatamente como os personagens pensam e enfrentam o drama imposto.

O perdão. Eis aí o grande mote do filme. Quem deve perdoar quem? Olivier teve um filho pequeno morto e a mulher do começo é sua ex-esposa. Ele parece não perdoá-la pela separação, ela não perdoa o destino, ou o próprio Olivier pela morte do filho. Surge um terceiro personagem: Francis, um jovem de dezesseis anos, recém-saído da prisão onde cumpriu cinco anos de pena por roubo e assassinato. Começa aí uma relação confusa e obscura.

O marceneiro aceita Francis como aprendiz o que causa um grande transtorno na ex-mulher. Há um estranhamento em tudo: na forma como Olivier trata seus alunos, em algumas ações estranhas e sem explicação lógica dos personagens e sobretudo no real objetivo do protagonista. Com todos os dados oferecidos o espectador começa a especular as possíveis atitudes que poderão dar um desfecho na história.

Olivier se aproxima cada vez mais do jovem Francis até que em um dia o convida para viajar e conhecer vários tipos de madeira. Há um plano? Uma segunda intenção? Não sabemos. A angústia e o suspense são muito bem trabalhados pelos irmãos diretores e roteiristas. Os dois homens caminham para um fim revelando-se um ao outro. Eles querem ser perdoados. O desejo de vingança não é visível em Olivier, somos nós, espectadores e humanos, que o emprestamos ao filme. E o marceneiro está ali, frente a frente com o assassino de seu filho, como um gato olhando para um ratinho indefeso. O que fazer? Eles arrumam as vigas de madeira no carrinho.

O ator Olivier Gourmet foi premiado no festival de Cannes por sua interpretação neste filme. Nada mais merecido já que o ator atingiu um nível surpreendente de realidade e uma independência bem dosada da câmera. A luz do filme pode parecer natural, bem próxima ao Dogma 95, porém, ela existe e foi trabalhada para soar natural. Um grande filme, do qual se aproxima o recente “Elefante”, por não apresentar possíveis explicações para o ser humano e seus atos e conflitos. Sobram o estranhamento do dia-a-dia e a obscuridade da verdade de cada um.

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