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O PIANISTA

Quando sobreviver pode ser mais doloroso do que morrer

  Wladyslaw Szpilman foi um grande pianista polonês, mas também era judeu. Ele contrariou todas as probabilidades e sobreviveu à Segunda Guerra Mundial. Contou com ajuda de pessoas que ajudavam sem pedir nada em troca, com sorte e às vezes com a intervenção divina, quem sabe? Sua família foi parar direto em uma câmara de gás após viverem juntos por um tempo em um gueto de Varsóvia. Esta história real nos foi contada pela primeira vez na autobiografia publicada em 1946. Agora é a vez do diretor Roman Polanski, através de imagens e sons, nos mostrar a sua versão dessa história.

“O Pianista” (2002) é uma co-produção entre França, Polônia, Alemanha e Inglaterra. O filme concorreu a sete estatuetas do Oscar na festa deste ano: melhor filme, direção, ator, roteiro adaptado, montagem, fotografia e figurino. Para alguns, “O Pianista” é quase uma autobiografia do próprio Roman Polanski, igualmente polonês, judeu e sobrevivente. “Quando li o livro de Szpilman, sabia que seria meu próximo filme.”

É impossível não lembrar de outros filmes que também deram vida à morte de milhares de pessoas pelas mãos dos nazistas e fascistas entre 1939 e 1945. A grande diferença entre “O Pianista” e “A lista de Schindler”, por exemplo, é que o primeiro é mais íntimo, mais pessoal, já o filme de Spielberg tem uma linguagem mais documental e, além disso, vemos o holocausto pelos olhos de um alemão.

Roman Polanski constrói aos poucos, cena a cena, a guerra pessoal e individual. O filme nos mostra a guerra e o ódio em seu nível menor, entre duas pessoas, representando todas as outras. Acompanhamos, ao lado dos judeus e principalmente de Wladyslaw e sua família, a construção do horror nazista.

A câmera é investigativa e ao mesmo tempo cúmplice de todos os momentos. Dos momentos de vida e paixão traduzidos pela música extraída do piano tocado por Szpilman aos momentos de humilhação e dor causados pelas mãos dos alemães. A obrigação de usar a estrela-de-davi como identificação, a reclusão nos guetos, o trabalho forçado e o encontro quase sempre inevitável com a morte.

O diretor polonês reviveu a dor de seu passado várias vezes com a realidade conquistada no set de filmagem. Ele construiu cenas espetaculares, marcantes e ao mesmo tempo duras de se ver para nos remeter a todas as dores vividas pelos judeus. “Não há grandeza sem paixão”, lema de Polanski que provavelmente o guiou neste trabalho.

  A fotografia do filme é tão aprimorada que sentimos o frio do inverno polonês dentro da sala de cinema. A imagem é fria. A luz é escassa, assim como a comida, a vida e a esperança. A montagem encontra no já conhecido “fade in/fade out” um recurso para nos transmitir o cansaço, a fraqueza e a fome do pianista. É como se ele piscasse lentamente, querendo abrir os olhos e ver uma outra realidade. Wladyslaw Szpilman está preso fora do gueto e é neste momento em que viver parece um castigo.

  Uma das cenas mais belas do filme é pouco explorada. Szpilman é levado a um apartamento para se esconder e por isso não pode fazer barulho. Para a angústia do pianista há um piano dentro do lugar, um piano que não pode ser tocado. Ele se senta ao piano, toca as teclas e sem vermos suas mãos, começamos a ouvir uma música. É a imaginação do pianista. A música, a vontade de tocar e ouvir, o mantêm vivo.

  Em outra cena, já quase no final da guerra, o músico é encontrado por um alemão do alto escalão nazista. Este o leva ao piano para tocar e provar que era um pianista. A música, tocada por dedos fracos e quase congelados, é um pedido de ajuda, de misericórdia. Uma luz, que parece vinda do céu, incide sobre as mãos do pianista. O alemão é tocado por aquela cena: um sobrevivente, assim como ele.

  “O Pianista” ganhou três estatuetas na cerimônia do cinema americano: melhor direção, melhor ator e melhor roteiro adaptado. Mérito de Roman Polanski, indicado pela quarta vez ao Oscar mesmo sem poder ir aos EUA. Ele faz cinema com paixão e transforma sua expressão em arte.

  Mérito de Adrien Brody, ator americano que interpretou magnificamente bem o pianista. Mérito de toda a equipe de produção que construiu cenários, figurino e maquiagem. Mérito dos sobreviventes à Segunda Guerra que transformaram a dor e o sofrimento de suas lembranças em arte.

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