literatura Presente de gregoJuliana
completou 24 anos na última semana, mas a família e os amigos já sabiam
há mais tempo qual era o desejado presente de aniversário. O pai tentou
dissuadi-la da idéia. Ofereceu uma viagem à Europa, um carro novo e até
um cartão de crédito adicional, sem limites. Porém Juliana já estava
decidida. Pedro, o namorado, repetiu inúmeras vezes que estava muito
satisfeito com as curvas da namorada. Nada. Marcaram
assim a lipoaspiração e a pequena correção estética do nariz. Sim,
este era o objeto de desejo da jovem. A mãe nada podia falar, afinal no
ano passado foi ela quem se submeteu a uma cirurgia plástica: um lifting
nos seios. A filha se encantou com o resultado e o pai, bem, digamos que
se agradou bastante. Juliana
era estudante, freqüentava as aulas na faculdade, a praia e o clube da
cidade. E vocês bem sabem o que é ser estudante e ir à praia sem ter o
corpo das apresentadoras de tv, para não mencionar as modelos. Ela nem
era propriamente gorda, nada que um treinamento intensivo na academia caríssima
do clube não resolvesse. Argumentos já não mais adiantavam. Estava tudo
acertado. O
período de férias era perfeito para realizar o sonho da menina. Após os
exames pré-cirúrgicos, conselhos e preparativos, Juliana se despediu do
namorado, das amigas - elas não
poderiam deixar de acompanhar este momento - da empregada da casa e
pronto. Rumou para a clínica de estética na zona sul, acompanhada pelos
pais. A mãe já conhecia bem o funcionamento do lugar e esteve ao lado da
filha até ela entrar para a sala de cirurgia. O pai foi trabalhar, afinal
de contas alguém teria que pagar a cirurgia e seria ele mesmo. Juliana
foi levada para a sala em uma maca e já estava meio adormecida por causa
do comprimido oferecido pela enfermeira. Aliás, uma bela enfermeira. Será
que todas ali já tinham passado pelas mãos do doutor? Os seios da
recepcionista, por exemplo, estavam como os de sua mãe. O nariz da
assistente do doutor... Que perfeição! Ninguém tinha rugas por ali, era
como se fosse o paraíso. Juliana se viu rodeada por todas aquelas pessoas
lindas e perfeitas. Elas sorriam e a admiravam. A
operação foi um sucesso. Estava em meio a anjos. Anjos? Será que tinha
morrido? Juliana! Juliana! A mãe conseguiu despertá-la. A cirurgia não
durou mais do que duas horas. O nariz da filha já estava protegido e
alguns enfermeiros entraram na sala de operação para transferir a
paciente para uma cadeira de rodas. A menina ainda estava sonolenta. O médico
entrou e comunicou à mãe o sucesso de seu trabalho. Juliana já estava
fora da sala empurrada agora pela enfermeira do nariz perfeito e foi nesse
instante em que começou a lhe faltar o ar. Abriu bem a boca. Puxava o ar,
mas era como se um filtro evitasse a entrada deste combustível da vida.
Repetiu o gesto, um pouco nervosa. Nada. Acometida por um desespero
repentino a mãe começa a chamar pelo doutor. A enfermeira pede calma, em
vão. Doutor! Doutor! O coro engrossado pela enfermeira enchia o corredor
muito limpo da clínica. Juliana? Estava também desesperada, mas não
tinha voz para gritar. Ela lutava contra um inimigo invisível. Puxava o
ar com toda a força que lhe restava. A vista turva não deixava mais
distinguir a mãe do nariz da enfermeira ou dos seios da recepcionista que
corria com as mãos para cima. A
jovem operada desistiu de tentar respirar e foi oprimida por um pensamento
terrível. Morreria sem ver o novo nariz. E a barriga? Que barriga? Fechou
os olhos. Estava na praia rodeada pelas amigas. Todas admiravam o novo
corpo de Juliana. Estavam com inveja. Claro! Nada mais normal. O namorado
sorria de uma orelha à outra. Era um contentamento sem fim. Depois de ser levada às pressas para um hospital próximo aquela nova mulher inconsciente passou quatro dias na UTI. Morreu há dois dias. O hospital não divulgou boletim médico e nem as causas da morte da jovem de 24 anos: pedido da família. Não houve denúncia formal para apurar o caso.
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