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FREI MANUEL DOS QUERUBINS |
Frei Manuel dos Querubins, filho de Paulo Fernandes Lourenço de Lima, nasceu na Casa dos Vasconcelos (Submosteiro), em Vila do Conde a 5.9.1709. Professou na Ordem dos Religiosos Menores Observantes (franciscanos). Foi Ministro Provincial da província de S. Francisco de Portugal (que abrangia todo o País ao norte do Tejo). |
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FREI MANUEL DOS QUERUBINS UM VILACONDENSE NOTÁVEL NO PORTUGAL DE
D.MARIA I Por Francisco de Vasconcelos*
Frei Manuel dos Querubins (1) foi o restaurador dos estatutos da sua Ordem após as ingerências regalistas de Pombal e era provincial – com jurisdição também sobre as clarissas - quando em 1778 teve início a construção do "novo" e majestoso Mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde. Distinguiu-se
pela publicação de um elevado número de cartas pastorais - mais do
dobro das qur fizeram outros provinciais da sua época - quase inteiramente
dedicadas ao aperfeiçoamento espiritual da "Família
Franciscana” (2), tendo também deixado rasto na melhoria das próprias
instalações monásticas. É
do seu tempo -- como se vê pela data da inscrição que ostenta na
porta principal, - -a construção do Hospital da Ordem Terceira, no
Chiado, em Lisboa, um dos edificios sobreviventes do complexo do antigo Convento de
S. Francisco da Cidade, que era a sede do governo da Provincia de
Portugal da ordem franciscana no seu tempo e que esteve durante muitos
anos em obras de reconstrução depois dos estragos provocados pelo
Terramoto. A
sua terra natal era então um dos maiores centros franciscanos em
Portugal já que, numa área restrita, reunia o Mosteiro de Santa
Clara, que teve durante séculos o senhorio e padroado da terra, o
Convento de N. Sª da Encarnação, e ainda em Azurara o convento dos
capuchos, uma ordem que apesar de não integrada na mesma "província"
monástica, seguia também a regra de S.Francisco. A
rainha D.Maria I logo que subiu ao trono (13 de Maio de 1777)
manifestou o desejo de que as diversas comunidades religiosas voltassem
a eleger os seus provinciais como constava dos respectivos estatutos
que o Marquês de Pombal nos ultimos anos tinha derrogado para promover
a respectiva nomeação. O
Núncio, que em Agosto de 1775 por pressões de Pombal tinha nomeado
"provincial reformador" dos franciscanos o padre doutor Frei
Luís de Santa Clara Póvoa, um dos sete deputados da Real Mesa Censória
criada pelo célebre ministro (e que era presidida por outro
franciscano, Frei Manuel do Cenáculo) apressou-se a seguir a nova
orientação e assim, apenas um mês depois da aclamação da rainha,
por um breve de 14 de Junho de 1777 era nomeado provincial Frei Manuel
dos Querubins, pregador jubilado, então com 67 anos e morador no
Convento de V ila do Conde (3). Como
porém, tendo em conta "as circunstâncias" em que na
altura se achavam
as coisas da província conjeturava "ser coisa
perigosa mandar proceder logo á celebração de capítulo para a eleição
do novo ministro provincial", e considerando que entre os frades da
província de Portugal alguns se distinguiam pela "ciência das
letras, o amor da regularidade e a experiência das coisas", o
referido breve do Núncio procedia à nomeação do seu novo provincial,
custódio e definidores. Como
frisou o historiador fnmciscano Frei Femando Felix Lopes (4) ,
Querubins foi
"nomeado" pelo Ministro Geral da Ordem "para remediar a
situação anormal da Provincia promovida pelo Marquês de Pombal"
e no fim do triénio do seu mandato já se pôde realizar o capítulo
para a eleição do seu sucessor. A
retoma das leis e costumes dos franciscanos derrogados no consulado pombalino
foi de resto uma das marcas do início do seu triénio, época em que
foram revogados os novos estatutos e a proibição de nomeação de novos
"leitores" de Filosofia e Moral, decretados
respectivamente em 1763 e 1772. Frei
Manuel dos Querubins nasceu em Setembro de 1709, em Vila do Conde, na
casa que seus pais tinham então na praça do Terreiro, sendo filho de
Paulo Fernandes Lourenço de Lima, homem de negócio e
procurador do concelho, e de sua mulher Luisa
Francisca. Logo
no início do seu mandato como provincial, em Outubro de 1777, foi
publicada uma ordem para que o Mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde
deixasse de receber mulheres seculares como "recolhidas",
considerando que a presença destas contribuia "para a relaxação
da disciplina regular e observância do seu Instituto” (8). A
observância da regra no que toca à obrigação de os religiosos e
religiosas cumprirem as normas da clausura, viverem nos conventos e de
nestes não serem admitidas pessoas estranhas são preocupações
presentes em várias das dez cartas pastorais que publicou para serem
lidas nos plenários das comunidades e registadas nos conventos da sua província,
uma das quais aliás correu impressa em forma de cartaz. Deve
ter acompanhado com o maior interesse, não só como provincial mas
também como vilacondense, o lançamento da primeira pedra do novo Mosteiro de Santa
Clara de Vila do Conde, cuja cerimónia teve lugar a 29 de Junho de 1778
e contou com a
participação da câmara municipal, juiz de fora, frades do convento
de N. Sª da Encarnação, tambores, bandeiras e gente do clero,
nobreza e povo da vila, e entre toda esta gente seguramente os seus
irmãos António e Paulo, respectivamente prior da vila e proprietário
do cargo de escrivão da câmara (e cavaleiro da Ordem de Cristo). Sabemos que
Querubins escolheu essa época para efectuar a sua visita aos
conventos do Minho, que no dia seguinte, 30 de Junho, estava no de S.
Paio do Monte, em Vila Nova de Cerveira e que em 5 e 19 de Setembro
estava no do Porto, pois deles são datadas três das suas cartas
pastorais. Em
Vila do Conde, desde há muito que o velho edificio do século XIV do
mosteiro das clarissas precisava de grandes obras. No triénio da
abadessa D. Inês Evangelista (1685-1688) caiu o tecto da igreja pelo
que esta foi então reformada abrindo-se-Ihe novas frestas. (9) Poucos
anos depois a abadessa D.Mariana de S. Paulo de Vasconcelos (1694-
1697), aparentada com a sua familia, tentou sem êxito junto da
Coroa, da hierarquia eclesiástica e das famílias das freiras, reunir
os fundos necessários à reconstrução do mosteiro. A obra acabaria
afinal por ser iniciada quase 80 anos depois, no triénio da abadessa
D. Luísa de Azevedo (1777-1780), cujo mandato coincidiu com o de
Querubins como provincial. Aos
54 conventos sob a sua jurisdição - 27 de frades franciscanos e
outros tantos de clarissas, envolvendo seguramente (com empregados e
pessoas recolhidas) um total de vários
milhares de pessoas - enviou logo no início do seu governo uma carta
pastoral com diversas recomendações tendentes a promover a fidelidade
dos religiosos aos seus compromissos solenes de pobreza, castidade e obediência,
assim como aos deveres específicos dos sacerdotes (10). Lembra
aos padres "a altíssima dignidade a que se acham elevados pelo carácter
do sacerdócio, carácter que os há estabelecido mediadores entre Deus
e os homens" através da
celebração do
oficio divino, a pregação do Evangelho, a administração dos
sacramentos e o governo da Igreja. Relativamente
á celebração da Missa, chama-lhes a atenção para a "gravidade
e modéstia" com que devem praticar as cerimónias determinadas
pela Igreja, da "demasiada pressa" que devem evitar em uma acção
tão seria e tão edificante, e das "fervorosas acçôes de graças
que devem render ao Senhor depois de o haverem recebido." Destaca
igualmente o "silêncio, a gravidade e modéstia com que devem
estar no coro", do qual só os enfermos e os legitimamente
impedidos ou dispensados pelas leis deveriam estar isentos, a atenção e
fervor com que devem meditar o que recitam, a veneração, o
respeito, a alegria espiritual que devem experimentar "não fazendo aparecer nos seus semblantes a
preguiça, a sonolência, o enfado, a conversação, a vagueação dos
olhos e outras desatenções e irreverências semelhantes", Procura
ainda fomentar entre os padres a dedicação aos seus deveres de
pregadores e confessores ,
considerando que no pulpito devem suas palavras ser "sólidas, puras
e santas" dirigidas todas a conduzir as almas todas para Deus,
"não profanando o sagrado do mesmo lugar com piques, lizonjas ou
louvores profanos". Para
desempenharem os seus deveres é "necessária uma diligente e
continua aplicação ao estudo da Teologia Moral e Mística", ao
que de resto estão em consciência obrigados os sacerdotes" sob
pena de se fazerem indignos da sua vocação" e serem responsáveis
diante de Deus de todos os males causados pela sua ignorância. "A
ignorância dos sacerdotes é o maior mal que pode haver na Igreja, por
ser uma das maiores causas de depravação dos povos e perda para as
a]mas", acentua. Além
disso, apela a que se observe "o silêncio, o recolhimento, o retiro
determinado pelas leis da Ordem", recorda as exigências do voto
de Obediência, e quanto ao da Pobreza, adverte os frades para que
"evitem com o maior cuidado e cautela o abominável crime de
proprietários", confiando a administração do conventos aos síndicos
(procuradores seculares) e o seu sustento ás esmolas dos fieis. Depois
de salientar que a Pobreza é a marca distintiva da Regra de S.
Francisco, lamenta que houvesse a este respeito tantas infracções a
ponto de haver frades que se envergonhavam "de ser pobres" e faziam ostentação de ter, receber e gastar dinheiro, com
"escândalo gravíssimo não só dos seus irmãos religiosos mas
até dos seculares". Quanto
ao voto de Castidade, considera que, sendo a ociosidade a mãe de todos
os vícios "ela o é principalmente das impurezas" pois
"abre a porta a pensamentos maus, a desejos impuros, que crescendo
uns sobre os outros em um espirito inimigo do trabalho o fazem cair em
horríveis precipícios e lhe fazem cometer uma infinidade de crimes,
de abominações e desordens", acrescenta. Quanto
aos enfermos, pede aos superiores dos conventos que não sejam tratados
como tais os que na realidade estão sãos, pelo que deveriam
"'inquirir as causas e licença com que alguns usam de camisas,
trazem meias e sapatos fechados e fazem as suas jornadas de
cavalo" (sic), admoestando, repreendendo e corrigindo
fraternalmente para que se não se tomem co-responsáveis pela relaxação
na Disciplina e Observância Regular. Portugal
estava então empenhado na missionação de Angola, na sequência do
desenvolvimento da presença portuguesa que ali rea1izara pouco antes o
governador Sousa Coutinho (1764-1772). Esta preocupação provocou três
das suas cartas pastorais, nas quais procurou incentivar por todas as
formas a apresentação voluntária de missionários franciscanos para
aquele território. Das
pastorais que enviou aos conventos da Província (11) as quatro
que escreveu desde Setembro de 1777 até final do ano seguinte foram
datadas dos conventos de Santa Cita, na Asseiceira (16 de Novembro de
77). S. Paio do Monte, em Vª Nª de Cerveira (30 de Junho de 78) e S.
Francisco do Porto (5 e 19 de Setembro de 78) em que se encontrava
quando, como mandava a regra da sua Ordem, andava em visita pastoral
pela sua Provincia - a qual abrangia basicamente as regiões a norte do
Tejo. Depois
de promover a realização de um capítulo intermédio (antes do fim do
seu mandato) que teve lugar em 6 de março de 1779, em 16 de Maio do
ano seguinte convocou os responsáveis da província para a sua cela no
convento de S. Francisco da Cidade, em Lisboa, a fim de prepararem os
inventários e exames das contas para o capítulo provincial que se
realizou no mesmo convento quatro dias depois e no qual foi eleito o
seu sucessor -- Fr. Manuel de S. Carlos, Pregador Geral e Comissário
Geral da Terra Santa. No
triénio seguinte, Querubins ainda se manteve em Lisboa no desempenho
das funções de membro do governo da provincia na sua qualidade de
ex-provincial, vindo a morrer em 5 de Abril de 1790 quando se
encontrava em Vila do Conde, no Terreiro, na Casa dos
Vasconcelos, construída 20 anos antes pela sua família (12) no sítio
da habitação em que nascera. Curiosamente, a presença franciscana tem sido até hoje uma constante na sua família. De facto, começou por viver na Rua de Sto. António antes de, nos primeiros anos do século XVIII, se instalar no Terreiro nas suas casas foreiras a Sta. Clara; para além de Querubins, "deu" um síndico e um sacristão ao Convento da Encarnação, cinco freiras "franciscanas" (quatro clarissas e uma da Ordem das Franciscanas Missionárias de Maria), dois priores e um beneficiado da matriz (que eram nomeados pelo mosteiro de Sta. Clara); Francisco é o nome mais frequente na família e o seu próprio jazigo está no cemitério da Ordem Terceira de S.Francisco.
*
Mestre em História Social Contemporânea ---------------------------------------------- 1 Nasceu em Vila do Conde, na Rua do Submosteiro, em 5.9.1709 e foi baptisado a 11 do mesmo mês. 2 Que incluía as ordens regjdas por regras inspiradas na de S.Francisco: Franciscanos. Clarissas e Terceiros de S. Francisco, e ainda, embora integrados noutra Província, os conventos da Ordem dos Capuchos. 3
Arquivo do Seminário da Luz (OFM), Lisboa, Livro que mandou fazer o
MRPe. Frei Domingos de S. Germano sendo
Guardião deste Convento de S. Francisco de Guimarães, para nelle se
trasladarem as patentes da Província
MS iniciado em 1776, pp. 21-29. 4
Em carta que me enviou em 25 de Abril de 1987. 5
Arquivo Distrital do Porto (ADP), registos paroquiais de Vila do Conde,
baptismos. Setembro de 1109. 6
Eugénio
de Andrea da Cunha e Freitas. "O Convento de N.S. da Encarnação
em Vila do Conde", Vila do Conde, nova serie, n° 9, Junho
de 1992, p. 31. 7
ADP, secção notarial de Vila do Conde, 1° cartório, 8ª serie,
livro 14, fls. 40 v. A 43 (dote de sua sobrinha Catarina para
ser freira clarissa). . 8
Biblioteca Nacional, Lisboa, Reservados, Códice 5980, Livro do
Assento da Provúrcia de Portugal e Lembranças do Definitório,
p. 158. 9
Tomás Lino de Assunção, Últimas Freiras, e Joaquim Pacheco
Neves, O Mosteiro de Santa Clara de
Vila do Conde.. 10
Livro que mandou fazer o MRP.e Domingos de S. Germano(...) pp.
30-40. 11
A Provincia de Portugal da Ordem Franciscana abrangia então quase
todos os conventos a norte do Tejo. 12
Os Vasconcelos chamados de Vila do Conde, nobilitados em 1761,
cavaleiros-fidaJgos da Casa Real (1794). |