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Regina Casé

Atriz - Setembro 2001

Mulher arretada

Regina Casé volta às novelas depois de 15 anos como Rosalva, uma nordestina cheia de atitude e exercita seu lado dramático na tevê

[Fonte - TV Press]

Regina Casé já estava com saudade de fazer novelas. Só que ela mesma não sabia. Há cerca de um ano, se alguém perguntasse a ela quando voltaria a atuar na tevê, a resposta seria uma sonora gargalhada. Hoje, a atriz não esconde o entusiasmo ao falar de Rosalva, de ‘As Filhas da Mãe’, que marca sua volta aos folhetins depois de 15 anos – a última foi a espalhafatosa Tina Pepper em ‘Cambalacho’. Regina trocou os personagens da ficção por gente de carne e osso, quando viajou por rincões do Brasil com ‘Programa Legal’ e ‘Brasil Legal’. "Cheguei a acreditar que nunca mais faria novelas. Sentia falta, mas estava sempre viajando. Ainda hoje, prefiro estar descabelada no meio do povão a ficar toda arrumadinha no estúdio", confessa.

A última experiência de Regina como apresentadora, porém, não foi das melhores. Depois de sucessivas derrotas no Ibope, ‘Muvuca’ foi retirado do ar. Neste meio tempo, ela foi convidada para protagonizar ‘Eu, Tu, Eles’, de Andrucha Waddington. Sua atuação no filme arrancou elogios, entre outros, de Fernanda Montenegro e de Sílvio de Abreu. O autor da Globo chegou a compará-la a Anna Magnani, diva do neo-realismo italiano. "O fim do ‘Muvuca’ não tem nada a ver com minha volta às novelas. Quando fiz o filme, também insinuaram isso. O que me conquistou mesmo foi a personagem. O Sílvio me pegou de jeito", brinca.

Em ‘As Filhas da Mãe’, Regina Casé interpreta uma nordestina arretada que tem de se virar para sustentar sozinha os quatro filhos depois de ficar viúva do marido, vivido por Edson Celulari. A princípio, Sílvio queria que Rosalva fosse uma italiana, mas Regina sugeriu que ela fosse uma nordestina mesmo, igual a tantas outras que ela conheceu Brasil afora. Quando descobre que era traída pelo marido, Rosalva abre o decote da blusa e promete vingança ao finado. "A Rosalva é do tipo barraqueira, daquelas que quebra tudo o que encontra pela frente. O papel de mocinha não combina mesmo comigo", admite, bem-humorada.

P - O que a levou de volta às novelas depois de 15 anos?

R - Havia uma certa pressão, tanto da parte da Globo quanto dos fãs em geral. Principalmente depois do ‘Eu, Tu, Eles’. Alguns amigos diziam que eu era louca de parar de atuar. A Fernandona, por exemplo, depois de assistir ao filme, me telefonou e disse: "Regina, você é atriz, tem de voltar a atuar. Pelo menos um pouquinho...". Ela se queixava muito do meu sumiço das novelas. Confesso que também sentia falta, mas não a ponto de interromper a minha carreira de apresentadora.

P - Parece que o Sílvio de Abreu também elogiou sua atuação no filme...

R - É verdade. O Sílvio me mandou um fax profético, porque era igualzinho à crítica que sairia meses depois no jornal "The New York Times". Ele dizia: "Acabei de ver o filme e você está igualzinha a Anna Magnani. Quero ver você fazendo rir e chorar na minha próxima novela. Você topa?". Fiquei toda prosa. Não pensava em fazer novelas tão cedo, mas tive uma experiência muito bacana em Cambalacho, novela que o Sílvio escreveu e o Jorginho dirigiu. Não pude recusar, mas fiquei bastante nervosa.

P - Por quê?

R - Porque eu tinha outros projetos em vista naquele momento e não conseguiria fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Já trabalho com a mesma equipe há 10 anos. É quase uma família. Não sabia o que fazer com ela. Não sabia se continuava o Muvuca ou se investia em outros projetos. Fiquei muito insegura. Será que a novela vai dar certo?Será que não vai dar? Foi uma mudança radical.

P - Você disse que a personagem também exerceu forte influência em sua volta às novelas. O que a Rosalva tem de tão interessante?

R - Logo no primeiro capítulo, o marido da Rosalva morre e ela descobre que o sujeito tinha um monte de amante. Daí em diante, ela poderia virar qualquer coisa: a chata, a coitadinha, a sofredora... Ou, então, fazer o que ela fez. No cemitério mesmo, abriu o decote da blusa e resolveu ir à luta. Eu também sou assim. Gosto de fazer o que ainda não fiz e ir onde nunca fui. Gosto de correr riscos. Às vezes, a vida dá uns sacodes quando a gente menos espera. Ou a gente tira proveito deles para mudar de vida ou se ferra de vez. Acho triste quando alguém escolhe o papel de vítima. Infelizmente, isso ainda acontece com muitas mulheres...

P - Você acha que a Rosalva pode repetir o sucesso da Tina Pepper, de ‘Cambalacho?

R - Tomara que sim. Mas as duas são bastante diferentes entre si. De parecidas, apenas o fato de serem um pouco bravas, esquentadas, elas não dão mole para qualquer um. Mas essa bravura é decorrência dos muitos desafios que a mulher enfrenta todos os dias. Nós temos de fazer um milagre por dia. Não é nada fácil criar quatro filhos, botar comida em casa e, à noitinha, ainda ficar gostosa para o marido. Ou seja: a Rosalva tem essa bravura que, às vezes, parece agressividade. Mas a vida é assim mesmo. De vez em quando, a Rosalva fica meio arisca, parece um bichinho. A Tina Pepper também era assim. Outra qualidade que as duas têm em comum é o senso de humor. As duas, não. Nós três.

P - Mas você conseguiu manter o bom humor ao saber do fim do ‘Muvuca’?

R - Não. Fiquei muito triste. Hoje em dia, a coisa que mais me entristece é a segmentação da tevê. Quando alguém me diz que este ou aquele programa é popular, fico toda arrepiada. As pessoas tendem a associar programa popular a algo pejorativo. A maior riqueza que o Brasil tem é o seu povo. É o povo que produz a cultura de um país. Quando alguém fala que elite só assiste à tevê a cabo e o povão só assiste à tevê aberta, fico preocupada. Sempre tentei ser uma artista transversal. Sempre quis fazer programas que pudessem ser assistidos tanto pela elite quanto pelo povão. Se eu tiver de escolher entre uma coisa ou outra, não vou escolher nenhuma das duas. Por essas e outras, novela ainda é o único produto democrático da tevê brasileira, porque é assistida tanto pela patroa quanto pela empregada.

P - Você pensa em comandar outros programas ou desistiu da idéia de ser apresentadora?

R - Sou ruim de desistir, hein?Admito que fiquei desanimada, mas não a ponto de não querer fazer mais. Quero ajudar a desatar este nó. Mas sei que não posso fazer isso sozinha. No ano passado, me reuni com um monte de gente, como o diretor Guel Arraes, o antropólogo Hermano Vianna, o cineasta João Moreira Salles, o escritor Jorge Furtado e assim por diante. A gente se reunia todo dia para discutir vários assuntos. Adoraria fazer um fórum de debates para discutir a televisão brasileira. Quando vou às livrarias, tomo um susto ao constatar que existem poucos livros sobre o tema. E você já parou para pensar no espaço que a tevê ocupa na vida do brasileiro? Pois é. E quase ninguém fala sobre isso.

P - Mas por que você relutou tanto em fazer televisão no início de carreira?

R - Na época do Asdrúbal, dei uma entrevista para a "Veja" em que dizia: "Jamais trabalharei na Globo". Era muito menina e demorei a entender o que a televisão representava para o povo brasileiro. Na época, vivíamos o auge da ditadura e teatro era sinônimo de arte engajada. Até hoje, muita gente da minha geração tem um pé atrás com a tevê. Eles só aceitam fazer novela para ficar conhecidos ou ganhar dinheiro. Logo que me firmei na carreira, mudei de idéia. Durante anos, morei entre a Rocinha e a Globo. Vou fingir, então, que a Rocinha e a Globo não existem? Impossível. Só se eu fosse maluca...

P - Você descarta a possibilidade de retomar o ‘Muvuca’?

R - Não tenho a menor vontade de repetir o mesmo programa. Já entrevistei anônimos por 10 anos. Quero fazer algo diferente. Tenho um monte de projetos com o Guel. Outros tantos com o Hermano. É natural que, depois da novela, eu venha a dar prioridade a outros projetos. Agora, não faço a menor idéia do que vai ser. E nem quero pensar sobre isso no momento. Quero me dedicar integralmente à novela. Não estou encarando ‘As Filhas da Mãe’ como um "tapa-buraco". Quero deixar claro que estou fazendo a novela porque eu quero. Entre tantas outras coisas que poderia estar fazendo, escolhi fazer a novela. Tanto o Sílvio de Abreu quanto o público merecem esta consideração da minha parte.

P - Mas você pretende continuar trabalhando com não-famosos?

R - Com certeza. Durante muito tempo, interpretei personagens do povo, como a Tina, a Darlene, a Rosalva... Sou boa para fazer papel de pobre, né? Depois de interpretar essas pessoas simples, passei a entrevistá-las e a mostrar um pouco da vida delas na televisão. Agora, quero contracenar com elas. Exercitar meu lado de atriz com estas pessoas simples. Durante anos, me perguntei: "De onde essas pessoas tiram tanta alegria?" É uma barra tão pesada viver no Brasil que não sei como elas sobrevivem. Se puder realizar esse sonho, vou fechar um ciclo na minha carreira.


A grande chance

Regina Casé esperou 20 anos até estrear como protagonista de um longa-metragem. Em 1998, ela aceitou o convite do diretor Andrucha Waddington para fazer o papel de Darlene no filme ‘Eu, Tu, Eles’. O diretor de ‘Gêmeas’ pensou logo no nome da atriz depois de assistir no programa ‘Jô Soares Onze e Meia’, do SBT, à entrevista de uma sertaneja que, há sete anos, divide o mesmo teto com três homens no interior do Ceará. Durante as filmagens, a extrovertida Regina Casé sofreu nas mãos do diretor até acertar o tom contido da personagem. "Fiquei com ódio do Andrucha. Ele vivia falando: 'Menos, Regina, menos'. Achei que não fosse sair nada", confessa.

Mas saiu. E o resultado surpreendeu à própria Regina. Até hoje, ela não esquece a ovação de dez minutos no prestigiado Festival de Cannes, na França. Ou do prêmio de melhor atriz no modesto Festival de Kárlovy-Vary, na República Tcheca. "O troféu é enorme, todo de vidro. Muito bonito", descreve. Mas até chegar onde chegou, Regina fez muita ponta em filmes, como ‘Eu Te Amo’, de Arnaldo Jabor, e ‘O Segredo da Múmia’, de Ivan Cardoso. Para ela, a suposta fama de ser uma pessoa difícil deve ter desencorajado alguns cineastas. "Todas as pessoas que trabalharam comigo se acostumaram com meu jeito. Hoje, algumas são até grandes amigas", jura.

Este foi o caso da produtora Sandra Kogut. As duas trabalharam juntas no extinto ‘Brasil Legal’, da Globo, e estenderam a parceria para o cinema. Em 95, Sandra convidou Regina para atuar no longa ‘Lá e Cá’. O diretor do extinto ‘Muvuca’, Estevão Ciavatta, também não tem do que reclamar. Os dois também se conheceram durante as gravações do ‘Programa Legal’ e já estão casados há 10 anos. Atualmente, dividem o programa ‘Um Pé de Quê?’, no canal Futura, por UHF, que fala sobre várias espécies botânicas. "Já aconteceu de eu estar quieta no aeroporto e alguém me cutucar. Se não dou papo, o sujeito logo diz que não sou aquilo que ele imaginava", resigna-se.


Vocação para o riso

Escrachada talvez seja o melhor adjetivo para Regina Casé. Ela faz caras e bocas praticamente desde que nasceu, no dia 25 de fevereiro de 1954, no Rio de Janeiro. A própria mãe da atriz, Dona Heleida, foi assistir à primeira peça da filha e comentou que não via graça nenhuma. Afinal, a Regina que estava no palco era a mesma que ela tinha em casa. A estréia de Regina Casé na tevê aconteceu num dos episódios de ‘O Sítio do Pica-Pau Amarelo’, dirigido por seu pai, Geraldo Casé. "Nunca tive a pretensão de ser atriz dramática. O que gosto mesmo é de fazer coisas engraçadas", confessa.

A inclinação de Regina Casé para o humor se intensificou em 74, quando ela ajudou a criar o grupo teatral "Asdrúbal Trouxe o Trombone". Nele, Regina trabalhou ao lado de Luiz Fernando Guimarães, Perfeito Fortuna, Hamilton Vaz Pereira, Evandro Mesquita e Patrícia Travassos. Em sete anos de grupo, Regina participou de diversos espetáculos, como ‘Aquela Coisa Toda’, ‘O Inspetor Geral’ e ‘Trate-me Leão’, que rendeu um Molière à atriz. "Até os 30 anos, não conseguia fazer teatro porque a censura não deixava. O que eu podia fazer? Me diverti à beça com o Asdrúbal", avalia.

Em 81, Regina deixou o Asdrúbal e enveredou pela tevê. Ao longo dos anos, destacou-se pelo humor histriônico. Dos humorísticos de que participou, guarda saudades dos tradicionais ‘Os Trapalhões’ e ‘Chico Anysio Show’ e dos irreverentes ‘Brasil Legal’ e ‘TV Pirata’. Depois de anos dedicados ao humor, Regina investiu numa faceta mais jornalística. Em 91, conciliou humor e jornalismo no elogiado ‘Programa Legal’. "Conheci muita gente nestas minhas andanças pelo Brasil afora. Sempre quis entender como certas pessoas conseguem ser felizes mesmo levando uma vida tão dura", justifica.