Legião Urbana

Eu sei

Sexo verbal não faz meu estilo
Palavras são erros e os erros são seus
Não quero lembrar que eu erro também
Um dia pretendo tentar descobrir
Porque é mais forte quem sabe mentir
Não quero lembrar que eu minto também
Eu sei
Feche a porta do seu quarto
Porque se toca o telefone pode ser alguém
Com quem você quer falar
Por horas e horas e horas
A noite acabou, talvez tenhamos que fugir sem você
Mas não, não vá agora, quero honras e promessas
Lembranças e estórias
Somos pássaro novo longe do ninho
Eu sei

Faroeste caboclo

Não tinha medo o tal João de Santo Cristo
Era o que todos diziam quando ele se perdeu
Deixou prá trás todo o marasmo da fazenda
Só prá sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu
Quando criança só pensava em ser bandido
Ainda mais quando com tiro de soldado o pai morreu
Era o terror da cercania onde morava
E na escola até o professor com ele aprendeu
Ia prá igreja só prá roubar o dinheiro
Que as velhinhas colocavam na caixinha do altar
Sentia mesmo que era mesmo diferente
Sentia que aquilo ali não era o seu lugar
Ele queria sair para ver o mar
E as coisas que ele via na televisão
Juntou dinheiro para poder viajar
E de escolha própria escolheu a solidão
Comia todas as menininhas da cidade
De tanto brincar de médico aos doze era professor
Aos quinze foi mandado pro reformatório
Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror
Não entendia como a vida funcionava
Descriminação por causa da sua classe e sua cor
Ficou cansado de tentar achar resposta
E comprou uma passagem foi direto a Salvador
E lá chegando foi tomar um cafezinho
E encontrou um boiadeiro com quem foi falar
E o boiadeiro tinha uma passagem
Ia perder a viagem mas João foi lhe salvar:
Dizia ele "- Estou indo prá Brasília
Nesse país lugar melhor não há
Tô precisando visitar a minha filha
Eu fico aqui e você vai no meu lugar"
E João aceitou sua proposta
E num ônibus entrou no Planalto Central
Ele ficou bestificado com a cidade
Saindo da rodoviária viu as luzes de natal
"- Meu Deus mas que cidade linda!
No Ano Novo eu começo a trabalhar"
Cortar madeira aprendiz de carpinteiro
Ganhava cem mil pro mês em Taguatinga
Na sexta feira foi prá zona da cidade
Gastar todo o seu dinheiro de rapaz trabalhador
E conhecia muita gente interessante
Até um neto bastardo do seu bisavô
Um peruano que vivia na Bolívia
E muitas coisas trazia de l
Seu nome era Pablo e ele dizia
Que um negócio ele ia começar
E Santo Cristo até a morte trabalhava
Mas o dinheiro não dava prá ele se alimentar
E ouvia às sete horas o noticiário
Que dizia sempre que seu ministro ia ajudar
Mas ele não queria mais conversa
E decidiu que como Pablo ele ia se virar
Elaborou mais uma vez seu plano santo
E sem ser crucificado a plantação foi começar
Logo, logo os maluco da cidade
Souberam da novidade
"- Tem bagulho bom ai!"
E João de Santo Cristo ficou rico
E acabou com todos os traficantes dali
Fez amigos, freqüentava a Asa Norte
Ia prá festa de Rock prá se libertar
Mas de repente
Sob um má influência dos boyzinhos da cidade
Começou a roubar
JÁ no primeiro roubo ele dançou
E pro inferno ele foi pela primeira vez
Violência e estupro do seu corpo
"- Vocês vão ver, eu vou pegar vocês!"
Agora Santo Cristo era bandido
Destemido e temido no Distrito Federal
Não tinha nenhum medo de polícia
Capitão ou traficante, Playboy ou general
Foi quando conheceu uma menina
E de todos os seus pecados ele se arrependeu
Maria Lúcia era uma menina linda
E o coração dele prá ela o Santo Cristo prometeu
Ele dizia que queria se casar
E carpinteiro ele voltou a ser
"- Maria Lúcia eu prá sempre vou te amar
E um filho com você eu quero ter"
O tempo passa
E um dia vem na porta um senhor de alta classe com dinheiro na mão
E ele faz uma proposta indecorosa
E diz que espera uma resposta, uma resposta de João
"- Não boto bomba em banca de jornal
E nem em colégio de criança
Isso eu não faço não
E não protejo general de dez estrelas
Que fica atrás da mesa com o cú na mão
E é melhor o senhor sair da minha casa
Nunca brinque com um peixe de ascendente escorpião"
Mas antes de sair, com ódio no olhar
O velho disse:
"- Você perdeu a sua vida, meu irmão!"
"- Você perdeu a sua vida, meu irmão"
"- Você perdeu a sua vida, meu irmão"
Essas palavras vão entrar no coração
"- Eu vou sofrer as conseqüências como um cão."
Não é que o Santo Cristo estava certo
Seu futuro era incerto
E ele não foi trabalhar
Se embebedou e no meio da bebedeira
Descobriu que tinha outro trabalhando em seu lugar
Falou com Pablo que queria um parceiro
Que também tinha dinheiro e queria se armar
Pablo trazia o contrabando da Bolívia
E Santo Cristo revendia em Planaltina
Mas acontece que um tal de Jeremias
Traficante de renome apareceu por l
Ficou sabendo dos planos de Santo Cristo
E decidiu que com João ele ia acabar.
Mas Pablo trouxe uma Winchester 22
E Santo Cristo já sabia atirar
E decidiu usar a arma só depois
Que Jeremias começasse a brigar
Jeremias maconheiro sem vergonha
Organizou a Roconha e fez todo mundo dançar
Desvirginava mocinhas inocentes
E dizia que era crente mas não sabia rezar
E Santo Cristo há muito não ia prá casa
E a saudade começou a apertar
"- Eu vou me embora, eu vou ver Maria Lúcia
Já está em tempo de a gente se casar"
Chegando em casa então ele chorou
E pro inferno ele foi pela segunda vez
Com Maria Lúcia Jeremias se casou
E um filho nela ele fez
Santo Cristo era só ódio pro dentro
E então o Jeremias prá um duelo ele chamou
"- Amanhã, as duas horas na Ceilândia
Em frente ao lote catorze é prá lá que eu vou
E você pode escolher as suas armas
Que eu acabo com você, seu porco traidor
E mato também Maria Lúcia
Aquela menina falsa prá que jurei o meu amor"
E Santo Cristo não sabia o que fazer
Quando viu o repórter da televisão
Que a notícia do duelo na TV
Dizendo a hora o local e a razão
No sábado, então as duas horas
Todo o povo sem demora
Foi lá só prá assistir
Um homem que atirava pelas costas
E acertou o Santo Cristo
E começou a sorrir
Sentindo o sangue na garganta
João olhou as bandeirinhas
E o povo a aplaudir
E olhou pro sorveteiro
E prás câmeras e a gente da TV que filmava tudo ali
E se lembrou de quando era uma criança
E de tudo o que viveu até aqui
E decidiu entrar de vez naquela dança
"- Se a via-crucis virou circo, estou aqui."
E nisso o sol cegou seus olhos
E então Maria Lúcia ele reconheceu
Ela trazia a Winchester 22
A arma que seu primo Pablo lhe deu
"- Jeremias, eu sou homem. Coisa que você não é
Eu não atiro pelas costas, não.
Olha prá cá filha da puta sem vergonha
D uma olhada no meu sangue
E vem sentir o teu perdão"
E Santo Cristo com a Winchester 22
Deu cinco tiros no bandido traidor
Maria Lúcia se arrependeu depois
E morreu junto com João, seu protetor
O povo declarava que João de Santo Cristo
Era santo porque sabia morrer
E a alta burgesia da cidade não acreditava na história
Que ele viram da TV
E João não conseguiu o que queria
Quando veio prá Brasília com o diabo ter
Ele queria era falar com o presidente
Prá ajudar toda essa gente que só faz
Sofrer

Há tempos

Parece cocaína mas é só tristeza, talvez tua cidade.
Muitos temores nascem do cansaço e da solidão.
E o descompasso e o desperdício herdeiros são.
Agora da virtude que perdemos.
H tempos tive um sonho.
Não me lembro não me lembro.
Tua tristeza é tão exata.
E hoje o dia é tão bonito.
JÁ estamos acostumados.
A não termos mais nem isso.
Sonhos vem, sonhos vão. O resto é imperfeito.
Disseste que se tua voz tivesse força igual
A imensa dor que sentes.
Teu grito acordaria não só a tua casa.
Mas a vizinhança inteira.
E há tempos nem os santos
Tem ao certo a medida da maldade.
E há tempos são os jovens que adoecem.
H tempos o encanto está ausente.
H ferrugem nos sorrisos.
E só o acaso estende os braços.
A quem procura abrigo e proteção.
Meu amor,
Disciplina é liberdade.
Compaixão é fortaleza.
Ter bondade é ter coragem.
E ela disse: - lá em casa tem um poço mas a água é muito limpa.

Hoje a noite não tem luar

Ela passou do meu lado
Oi amor! Eu lhe falei
Você esta tão sozinha
ela então sorriu pra mim
foi assim que a conheci
naquele dia junto ao mar
as ondas vinham beijar a praia
o sol brilhava de tanta emoção
um rosto lindo como o verão
e um beijo aconteceu

nos encontramos a noite
passeamos por ai
e num lugar escondido
outro beijo lhe pedi
luar de prata no céu
no brilho das estrelas no chão
tenho certeza que não sonhava
a noite linda continuava
e a voz tão doce que me falava
o mundo pertence a nós

que hoje a noite não tem luar
e eu estou sem ela
já não sei onde procurar
não sei onde ela esta

hoje a noite não tem luar
e eu estou sem ela
já não sei onde procurar
onde esta meu amor

Índios

Quem me dera, ao menos uma vez
Ter de volta todo o ouro que entreguei
A quem conseguiu me convencer
Que era prova de amizade
Se alguém levasse embora até o que eu não tinha.
Quem me dera, ao menos uma vez,
Esquecer que acreditei que era por brincadeira
Que se cortava sempre um pano-de-chão
De linho nobre e pura seda.
Quem me dera, ao menos uma vez,
Explicar o que ninguém consegue entender:
Que o que aconteceu ainda está por vir
E o futuro não é mais como era antigamente.
Quem me dera, ao menos uma vez,
Provar que quem tem mais do que precisa ter
Quase sempre se convence que não tem o bastante
E fala demais, por não ter nada a dizer
Quem me dera, ao menos uma vez,
Que o mais simples fosse visto como o mais importante,
Mas nos deram espelhos
E vimos uma mundo doente.
Quem me dera, ao menos uma vez,
Entender como isso Deus ao mesmo tempo é três
E esse mesmo Deus foi morto por vocês
É isso maldade então, deixar um Deus tão triste.
Eu quis o perigo e até sangrei sozinho.
Entenda - assim pude trazer você de volta para mim,
Quando descobri que é sempre isso você
Que me entende do início ao fim
E é isso você que tem a cura do meu vício
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi.
Quem me dera, ao menos uma vez,
Acreditar por um instante em tudo que existe
E acreditar que o mundo é perfeito
E que todas as pessoas são felizes.
Quem me dera, ao menos uma vez,
Fazer com que o mundo saiba que seu nome
Esta em tudo e mesmo assim
Ninguém lhe diz ao menos obrigado.
Quem me dera, ao menos uma vez,
Como a mais bela tribo, dos mais belos índios,
Não ser atacado por ser inocente.
Eu quis o perigo e até sangrei sozinho,
Entenda - assim pude trazer você de volta para mim
Quando descobri que é sempre isso você
Que me entende do início ao fim
E é isso você que tem a cura do meu vício
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi.
Nos deram espelhos e vimos um mundo doente -
Tentei chorar e não consegui

Mais do mesmo

Hei menino branco o que é que você faz aqui
Subindo o morro prá tentar se divertir
Mas já disse que não tem
E você ainda quer mais
Por que você não me deixa em paz ?
Desses vinte anos nenhum foi feito prá mim
E agora você quer que eu fique igual a você
É mesmo. Como vou crescer se nada cresce por aqui?
Quem vai tomar conta dos doentes?
E quando tem chacina de adolescentes
Como é que você se sente?
Em vez de luz tem tiroteio no fim do túnel.
Sempre mais do mesmo
Não era isso que você queria ouvir?
Ah. bondade sua me explicar com tanta determinação
Exatamente o que eu sinto, como penso como sou
Eu realmente não sabia que eu pensava assim
E agora você quer um retrato do país
Mas queimaram o filme
E enquanto isto na enfermaria
Todos os doentes estão cantando sucessos populares
(e todos os índios foram mortos).

Pais e filhos

Estatuas e cofres. E paredes pintadas. Ninguém sabe o que aconteceu.
Ela se jogou da janela do quinto andar. Nada é fácil de entender.
Dorme agora. é isso o vento lá fora.
Quero colo. Vou fugir de casa. Posso dormir aqui com vocês?
Estou com medo. Tive um pesadelo isso vou voltar depois das três.
Meu filho vai ter nome de santo. Quero o nome mais bonito.
É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã.
Porque se você parar para pensar, na verdade não há.
Me diz porque o céu é azul. Me explica a grande fúria do mundo.
São meus filhos que tomam conta de mim.
Eu moro com a minha mãe mas meu pai vem me visitar.
Eu moro na rua, não tenho ninguém. Eu moro em qualquer lugar.
Já morei em tanta casa que nem me lembro mais. Eu moro com os meus pais.
É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã.
Porque se você parar para pensar, na verdade não há.
Sou uma gota d'água
Sou um grão de areia.
Você me diz que seus pais não entendem.
Mas você não entende seus pais.
Você culpa seus pais por tudo. E isso é absurdo.
São crianças como você.
O que você vai ser, quando você crescer?

Quando o sol bater na janela do teu quarto

Quando o Sol bater na janela do teu quarto.
Lembra e vê que o caminho é um só.
Porque esperar se podemos começar tudo de novo.
Agora mesmo. A humanidade é desumana. Mas ainda temos chance.
O Sol nasce prá todos. Só não sabe quem não quer.
Quando o Sol bater na janela do teu quarto.
Lembra e vê que o caminho é um só.
Até bem pouco tempo atrás.
Poderíamos mudar o mundo.
Quem roubou nossa coragem?
Tudo é dor.
E toda dor vem do desejo.
De não sentirmos dor.
Quando o Sol bater na janela do teu quarto.
Lembra e vê que o caminho é um só.

Que país é este?

Nas favelas, no senado
Sujeira prá todo lado
Ninguém respeita a constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
Que pais é este?
No Amazonas, no Araguaia, na Baixada fluminense
No Mato grosso, nas Gerais e no Nordeste tudo em paz
Na morte eu descanso mas o sangue anda solto
Manchando os papéis, documentos fiéis
Ao descanso do patrão
Que país é este ?
Terceiro Mundo se for
Piada no exterior
Mas o Brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
Quando vendermos todas as almas
Dos nossos índios num leilão.
Que país é este?

Será

Tire suas mãos de mim
Eu não pertenço a você
Não é me dominado assim
Que você vai me entender
Eu posso estar sozinho
Mas eu sei muito bem aonde estou
Você pode até duvidar
Acho que isso não é amor.
[refrão]
Será isso imaginação?
Será que nada vai acontecer?
Será que é tudo isso em vão?
Será que vamos conseguir vencer?
Nos perderemos entre monstros
Da nossa própria criação
Serão noites inteiras
Talvez por medo da escuridão
Ficaremos acordados
Imaginando alguma solução
Prá que esse nosso egoísmo
Não destrua nosso coração.
[refrão]
Brigar prá quê
Se é sem querer
Quem é que vai
Nos proteger?
Ser que vamos ter
Que responder
Pelos erros a mais
Eu e você?