Alquimia.
Os Quatro Elementos.
Vera
L. Paes de Almeida
A
alquimia tem suas raízes na Antigüidade e durou até o século
XVII, quando com o advento do Racionalismo foi abandonada por
não se adequar mais ao espírito da época, o qual privilegiava
o conhecimento objetivo que é a base da ciência tal como a
conhecemos hoje em dia. Assim, todo subjetivismo foi relegado à
um segundo plano, considerado até nocivo para a busca do saber
científico. No final do sec. XIX ocorre um resgate do saber
subjetivo com Pinel, Freud e Jung. Também nas artes o aspecto
subjetivo e o inconsciente aparecem no movimento Simbolista e
Surrealista, voltando-se a valorizar o mundo interior como fonte
de conhecimento. No entanto, ainda vivemos uma cisão entre o
mundo do saber externo, objetivo e concreto e o conhecimento do
mundo interno, subjetivo. Apenas mais recentemente com os
avanços dos estudos ligados à Física Quântica é que se
inicia uma visão mais abrangente, onde se percebe que não é
mais possível separar o interno do externo, que o objeto
estudado está intimamente relacionado com aquele que o estuda,
que as expectativas do pesquisador influenciam o resultado da
pesquisa. Enfim, em outras palavras, estamos chegando aos mesmos
resultados observados pelos antigos alquimistas:
“Aquilo que está em baixo é igual ao que está em cima, e
aquilo que está em cima é igual ao que está em baixo, para
realizar os milagres de uma só coisa”. (Hermes Trimegisto,
na Tábua de Esmeralda).
Assim, para o alquimista o superior e o inferior, assim como o
interior e o exterior estão profundamente interligados. Dessa
forma ao pesquisar os segredos da matéria em seu laboratório
ele também buscava o conhecimento de si mesmo. Jung descobriu o
valor simbolico dos tratados alquímicos e traduziu sua linguagem
complexa para a compreensão psicológica de nossos dias. Aqui
vamos falar brevemente sobre os quatro elementos que correspondem
às quatro funções psíquicas e quatro operações alquímicas:

Para os alquimistas, a
partir das operações que se efetuavam com os quatro elementos
conseguia-se destilar o quinto elemento, a Quinta-essência, ou
seja, o objetivo da Obra, a Pedra Filosofal. Esta teria a
propriedade de transmutar os metais comuns no metal nobre, o
Ouro. Fazendo um paralelo com o trabalho de individuação de
Jung podemos dizer que através do processo de desenvolvimento da
personalidade, vamos refinando o uso de nossas funções
psíquicas com o objetivo de atingir a integração com a
totalidade, representada pelo Self, a nossa Pedra Filosofal, o
Ouro interior. Assim, há uma transformação do homem comum no
Anthropos, o arquétipo do homem superior, que é o
desenvolvimento máximo de nossas potencialidades, representando
o homem centrado, completo e em conexão com o Todo.
Coagulatio-Terra-Sensação:
Aqui temos o elemento Terra, a função psíquica sensação e a
operação alquímica Coagulatio.
A Coagulatio é o terreno da Ação, da Praxis, do concreto e
objetivo. Coagular é concretizar, tornar matéria. Falamos aqui
da estrutura firme e sólida que dá fundamento à personalidade,
aquilo que possibilita a construção do ego. O ego saudável tem
raízes firmes na sua vida instintiva, não nega suas
necessidades básicas de fome, sexo, ação (agressividade
adequada), tem uma conexão viva com seu desejo e busca sua
realização efetiva no mundo.
A função sensação diz respeito ao mundo dos sentidos e à
possibilidade de desfrutá-los (sensualidade): sentir todos os
odores, cores, texturas, paladares e com isso aprofundar a
vivência do mundo interno e externo. Isso quer dizer, estar na
vida com os pés no chão, sem evitar a realidade com todas as
suas alegrias e tristezas, aceitar o desafio de estar no mundo e
agir em conseqüência. A possibilidade de expressar a si mesmo
através das ações concretas no mundo é muito importante para
o desenvolvimento do ego. Esse aprendizado se dá também
através da aceitação dos limites que toda concretização
proporciona. Para transmutar e transcender a condição material
transitória devemos primeiro conhecê-la e realizá-la
completamente. Assim, a Coagulatio se liga também ao princípio
feminino, a Terra, que como útero acolhedor propicia a
encarnação e concretização de nossas energias vitais e dos
valores e ideais abstratos. A Sabedoria, a Verdade, a Justiça, o
Belo, a Compaixão, etc., são arquétipos que precisam ser
encarnados na nossa vida cotidiana.
É importante notar que cada elemento precisa do complemento e
compensação dos outros elementos para se expressar
adequadamente. Assim, se temos um excesso de coagulatio perdemos
o equilíbrio e podemos ter um excesso de pragmatismo e
concretude que torna a pessoa seca, árida, sem sonhos, sem
imaginação ou ideais que corresponderiam à função oposta, a
Sublimatio do elemento Ar. Ou ainda, podemos encontrar um excesso
de sensualidade, onde a pessoa cede totalmente ao apelo
instintivo tornando-se incapaz de dar um limite aos prazeres da
gula, da bebida ou do sexo por exemplo. Nesses casos a Terra
perde suas qualidades de firmeza, base e apoio para o crescimento
e fertilidade e se torna árida, monótona, seca ou pantanosa e
estagnada.
O elemento Terra e a Coagulatio nos levam à reflexão sobre o
que estamos concretizando nas nossas vidas e qual o peso das
nossas atitudes. Qual a marca de nossa ação no mundo?
Solutio-Água-Sentimento:
Aqui o elemento é a Água, a função psíquica é o sentimento
e a operação alquímica a Solutio. O sentimento é a função
psíquica que determina a qualidade, o valor das coisas: se eu
gosto ou não de algo ou alguém, se me aproximo ou me afasto, se
me envolvo ou não. A terra precisa da água para ser amaciada,
fertilizada e frutificar, ou seja, as ações devem levar em
conta os sentimentos. Uma ação não deve ser apenas eficaz, mas
deve possuir também uma qualidade ética que determina seu
valor. Essa avaliação é feita pelo sentimento que propicia a
qualidade afetiva das ações.
Assim, o princípio dominante aqui é Eros, aquele que promove o
relacionamento, a união, a ligação afetiva que gera o novo.
Algo ou alguém só passa a ter significado quando está
conectado afetivamente. Quando Eros não está presente a vida é
mecânica e vazia, pois só nos relacionamos verdadeiramente com
aquilo que nos envolve através do sentimento.
A troca afetiva implica em entrega ao movimento do dar e receber.
A pessoa com um ego imaturo é egocêntrica e só quer receber.
Por outro lado, a pessoa que não sabe receber também não sabe
dar, e o fluxo de Eros é interrompido. A água com seu movimento
fluído contorna os obstáculos sem se deter perante eles. Sua
persistência e sua maleabilidade são sua força. A Solutio nos
fala da sabedoria da água que não luta contra as dificuldades,
apenas acompanha o terreno e se adequa às circunstâncias.
O sentimento desenvolvido proporciona a dissolução das tensões
através do afeto. Por exemplo, um gesto de carinho e
compreensão é mais efetivo que mil palavras. Além disso, a
percepção da qualidade da ação necessária, como ser firme ou
suave, alegre ou séria, etc., é outra característica
importante dessa função psíquica.
Como em todas as funções aqui também temos a possibilidade de
desequilíbrio. A pessoa com excesso de Solutio pode se afogar
nos próprios sentimentos, tornando-se excessivamente sensível e
impossível de se relacionar, mantendo as outras pessoas
afastadas com seus “melindres”. Pode acontecer ainda um
“afogamento no outro”, típico de relacionamentos
simbióticos, onde a individualidade perde seus contornos que
foram dissolvidos na fusão e inter-dependência. Em ambos os
casos o sentimento perde sua função criativa e passa a atuar
defensivamente, impedindo a relação afetiva ao invés de
favorecê-la. Saber “ouvir o coração” e expressá-lo
nas nossas vidas exige um trabalho de grande refinamento
interior, de contato permanente com Eros, com as águas
revitalizantes do sentimento.
Calcinatio-Fogo-Pensamento:
Aqui o elemento é o fogo cujas características básicas são:
luz (pensamento) e calor (emoções). A Calcinatio é a
operação alquímica que vai nos ensinar a lidar com esses dois
aspectos.
O princípio regente é o Logos que determina a apreensão clara,
lúcida e abrangente, que engloba o conhecimento racional mas
também inclui a avaliação afetiva, sensorial e intuitiva.
Logos é a expressão da inspiração que vem do Self, o
“insight” esclarecedor. Não devemos confundir essa
expressão de Logos com o pensamento caótico, desordenado, com
os julgamentos superficiais, dúvidas e racionalizações que nos
tomam constantemente.
Para que Logos e seu poder de iluminação ocorra como em
Pentecostes, p. ex. , é preciso que o lado emocional do fogo
seja trabalhado e depurado. É necessário uma desidentificação
do chamado fogo das paixões. Quando as emoções estão
equilibradas, conscientizadas, não somos possuídos por elas e
seu calor se transforma em força vital. A pessoa se sente cheia
de vida, alegre, entusiasmada, pronta a compartilhar e não a
dominar. Para isso devemos suportar o calor da frustração dos
desejos imaturos, dos impulsos egocêntricos, e nesse calor ir
temperando nossa fibra, criando um caráter forte e apto a
receber o fogo da inspiração divina.
Quando estamos em desequilíbrio com essa operação alquímica
somos dominados pelo calor das paixões, nos tornamos
inflamáveis, explosivos, incapazes de dar continente a nossa
força vital, tornando-a dispersa e improdutiva. Ou então, nos
identificamos com o aspecto mental, luminoso do fogo, e nos
tornamos extremamente racionais, críticos, usando o pensamento
como um raio que fulmina tudo à sua volta, perdendo a
possibilidade do acesso à verdadeira reflexão que nos leva a
Sabedoria.
Sublimatio-Ar-Intuição:
Aqui o elemento é o Ar, a função psíquica a Intuição e a
operação alquímica a Sublimatio.
Na Sublimatio a matéria se volatiliza, a terra se transforma em
ar, algo inferior se eleva, o corpo se torna espírito.
Sublimatio vem do latim “sublimis” que quer dizer
“elevado”. É um processo ascendente de
transformação. A intuição é a função psíquica que lida
com as ligações sutis e não palpáveis entre os eventos
internos e externos. O princípio que rege essas ligações não
é o da causalidade (Newton), mas sim o da sincronicidade
(Einstein), o que permite vivências temporais e espaciais fora
dos padrões usuais.
O Ar com seu movimento ascencional e a intuição com sua
atuação sutil, nos leva ao simbolismo que evoca um outro mundo
além da realidade concreta. Aqui abrem-se as portas do universo
das idéias platônicas, dos grandes ideais, daquilo que é
transcendente, o mundo dos grandes valores, dos sonhos e do
sagrado. A compreensão mais abrangente da vida vem do
distanciamento que obtemos ao nos elevarmos acima de nossos
problemas, e com isso ganharmos perspectiva.
O desequilíbrio nessa operação aparece como um excesso de
idealismo, uma fuga na fantasia, um medo de enfrentar as
dificuldades da vida, de “encarnar”, como aqueles que
sonham muito e não realizam nada. Ou então, a dificuldade se
expressa como um moralismo rígido, devido ao afastamento do
mundo terreno dos instintos. Nesse caso tudo que é ligado à
matéria é visto como “errado” ou
“pecaminoso” e só o mundo do espírito é considerado
como positivo. Na verdade, essa é uma cisão comum na nossa
civilização ocidental, a qual coloca corpo e mente ou matéria
e espírito como opostos antagônicos. Os alquimistas ao
trabalhar com a matéria já estavam tentando fazer a
integração dessas polaridades. Este, aliás, é o assunto do
próximo tópico.
Conjunctio:
Conjunctio quer dizer conjunção, união, ligação de dois
elementos para a formação de um terceiro com propriedades
distintas do par original. É a integração dos opostos, a
dissolução dos conflitos, a harmonização das polaridades num
casamento sagrado (hierosgamos) que gera a “Criança
Divina”, o “Filho do Filósofo”, o “Filho do
Rei” ou a “Pedra Filosofal”, ou seja, o objetivo
final da Obra.
A divisão entre Terra e Ar, entre Fogo e Água desaparece pela
elaboração e integração dos opostos e não pela força de
vontade. Com isso, surge a vivência de totalidade que supera a
unilateralidade. A Conjunctio não exclui os aspectos negativos,
ao quais ao serem integrados produzem uma nova organização
psíquica mais ampla, mais rica e diferenciada.
O conflito entre polaridades aparece, geralmente quando temos
duas opções e não podemos decidir por nenhuma delas. P. ex.,
quando minha razão diz uma coisa e meu sentimento outra; ou
quando meus desejos apontam uma direção e meus ideais outra.
Reprimir ou negar um dos pólos não resolve o impasse, o qual
retornará sob outra forma. É preciso aguentar o
“cozimento” dentro do conflito, passando por todas as
operações alquímicas, até surgir um novo significado
simbólico, que produzirá uma nova integração da
personalidade. Isso não se realiza pela vontade do ego, mas sim
pela atuação do Self através do ego. Desse modo há uma
ampliação das potencialidades psíquicas, possibilitando a
convivência com os paradoxos no mundo e em si mesmo.
Como diziam os alquimistas, esse é um trabalho de
labor+oratório (laboratório), ou seja, uma somatória de
trabalho (labor) mais fé na atuação de um princípio
transcendente, que em linguagem psicológica chamamos Self, o
arquétipo central que organiza o processo de individuação e
que representa o centro e o todo da personalidade. Só assim
podemos chegar à Pedra Filosofal que transforma tudo em Ouro, e
que é desenvolver a capacidade de ver a Luz Dourada brilhar em
tudo, desde as menores coisas do nosso cotidiano, até as mais
altas experiências da alma humana. Como disse Hermes Trimegisto
em sua Tábua de Esmeralda:
“Tudo procede do Um e volta ao Um, pelo Um e para o
Um”.
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