A VIDA COMO ELA É
( Ou pelo menos como a do Nelson Rodrigues foi )

 

 

Dorinha teve uma infância modesta. Foi com água do poço que a negra parteira Diná lavou-a dos restos placentários da mãe, que agonizava no curtume.
_Será Dora.- Disse a vó acudindo-a com nojo.
_Maria Clara! Maria Clara! – Suplicava .
_Cala-te menina, que ainda acabo dando aos ratos a tarefa de limpar esta sangria. - Com uns trapos a velha tentava estancar, mas não tinha fim. Duas ratazanas, de fato, lambiam o sangue escorrido no assoalho. A menina gritava, de dor e súplica:
_Maria Clara! Eu fiz promessa!
_Não teime menina. É Dora e acabou.
Dona Virginia falava com sarcasmo, sentia prazer ao contrariar a filha que morria. A negra, piedosa, levou a menina para perto da mãe.
_Veja tua fia menina.
Com a cabeça tombada pro lado, abriu os olhos com dificuldade e topou com a ratazana. Não teve tempo de virar o pescoço, morreu ali mesmo, olhando o animal que lhe escancarava os dentes:
_Maria Clara!...
Ficou Dora. E Dora cresceu. Nos braços da avó ou largada, mas cresceu. E ficou linda. Tão linda que, mesmo com as raízes mundanas, noivou com moço classudo.
Amanhã casava, tudo já estava arranjado. Exceto seu último e penoso desafio: Conhecer a família de Norberto. Família tradicional e requintada que por certo iria pô-la à prova de fogo. Quando chegou à mansão dos Caldeira estava apreensiva. Tinha que fazer o possível para causar boa impressão.
_Qual é sua idade moça? – O pai do noivo, numa poltrona espaçosa, baforando um charuto, encabeçava a família que a circundava curiosa.
_Tenho dezoito. – Respondeu exagerando na doçura.
Norberto, temeroso pelo desempenho da noiva, moldava entre os dedos uma pequena esfera de dejetos do próprio nariz. De quando em vez abastecia a maçaroca com um pouco mais de matéria prima.
_Norberto nos contou que é orfã ...
_Oh sim, mamãe morreu quando nasci. Fui criada por minha vó, uma pessoa deveras devotada...
Olhou para chuva caindo lá fora. Os respingos na janela fizeram-na lembrar da avó pútrida, com quem dividia uma cama beliche. Lembrou-se de quando acordava à noite com o mijo da velha que dormia em cima, lhe batendo no rosto.
_Imagino. – Disse a futura sogra cordialmente.
_Joga gamão? – Perguntou o avô do moço procurando descontraí-la.
O velho cheirava merda.

_Gamão? O sim claro...
_Ora papai, não sabes que os jovens de hoje não se interessam por tais coisas?...Tomaria um vinho conosco?
_Oh, sim, obrigado.
Nem hesitou. Foi o que pensou Dona Lindaura. Esta vadia por certo é cachaceira.
_Julio! Sirva-nos um vinho por obséquio.
O mordomo, um negro enorme e elegante, entra com uma bandeja para servi-los.
Quando foi servi-la, Dora notou entre os copos, o respeitável volume da mala do crioulo. Por um instante teve ímpetos de servir-se da cobra em lugar do vinho tinto. Refutou de imediato tal loucura.
_Já conhecia o padre Melão? Ele é quem celebrará vosso casamento amanhã.
O padre cortês acena-lhe do sofá em frente.
_Oh, não me diga.
A moça levanta-se e dirige-se ao padre para tomar-lhe à benção.
O reverendo Melão aprecia os melões de Dorinha que lhe pendem.
_Deus te abençoe minha filha.

A sogra prosseguiu:
_Sabe minha filha, há uma tradição em nossa família, que o reverendo deve ter uma conversa particular com nossos futuros enteados, antes do matrimônio.
_Oh, claro. Me sentirei lisonjeada em conceder tal entrevista ao reverendo. Espero que padre Melão julgue-me digna de ingressar nesta nobre dinastia.
O reverendo pensa consigo que, se soubesse que a noiva era tão gostosa, teria lavado o badalo para a entrevista.
_Pois nós é que nos sentiremos lisonjeados em tê-la conosco. – Conclui Sr Caldeira ao exalar a fumaça do charuto.
O charuto calibroso fez Dorinha lembrar-se do charuto do mordomo. Adoraria que o negro chama-se sua rosca de cinzeiro. O cheiro insuportável do velho toma conta da sala. Todos fingem não perceber. A nhóca de Norberto já está do tamanho de uma bola de ping-pong.
_Eu soube que trabalha na agência de correios, é fato? – Pergunta Sr Caldeira ao sinalizar alguma coisa para Julio. O mordomo despeja água cristalina em uma cuia sobre a cômoda.
_É verdade, como bem sabem tive uma vida um pouco sofrida, careço de tais esforços para sobreviver. – A moça aproveita para fazer seu gênero Cinderela.
O pai do rapaz respirou fundo, como quem fosse dizer algo de muito importante, mas apenas escarrou dentro da cuia. Dorinha, ao seu lado, podia ver seu próprio reflexo na cuia, deformado pelos pelotes que boiavam. Pareceu-se asquerosa desta forma, lembrou-se que podia ser um rato no meio daquela gente. Não supunha, porém, que era exatamente como um rato que a mãe a vira antes de morrer.
_Gostaria muito de conhecer sua senhora – Dora dirige-se ao avô – Norberto fala muito dela para mim .- O velho se enfeza:
_Pra que conhecer aquela filha da puta?
Dorinha enrubesce. Norberto aperta com força a maçaroca no braço da poltrona. Caldeira dá outra escarrada. A sogra tenta acudir:
_Papai! Que modos são esses?! Nunca foste de pronunciar tais grosserias...
_É isso mesmo! – O velho ao levantar-se deixa escapar um flato contínuo que faz a sala estremecer.
_O que é isto seu Demóstenes? – Caldeira perplexo.
_Calma Caldeira, papai deixou escapar um punzinho.
_Punzinho? Ora, Lindaura, não vê que seu pai se cagou todo!
De fato, as fezes pastosas desciam pela canela fina do velho, escorrendo-lhe pelos vãos dos dedos do pé. Ao caminhar, friccionava o emplastro entre a sola do pé e o chinelo, promovendo acordes grotescos: plosh, plosh, plosh...
_Que zona é esta? – No mezanino superior aparece uma velha decrépita. Dona Lindaura se desespera:
_Mamãe? A senhora não pode sair da cama!
A velha arrasta o tubo de soro injetado na veia.
_Tá vendo! Conseguiram! Acordaram aquela vaca!
_Calma seu Demóstenes.- Dorinha corre a acudir o ancião, o padre a afasta educadamente pelas tetas.
_Deixa moça, isto é coisa de família.
A velha continua a gritar:
_Quem é esta vagabunda aí?
Norberto envergonhado cobre o rosto com sua pizza de ranho. A moça tenta contemporizar:
_Oh, minha senhora. Eu sou Dorinha, sua futura netinha . Sou eu quem vou ajudá-la a preparar aqueles deliciosos bolinhos que, como o Norberto me disse, só a senhora sabe fazer.
_Ah é?
A velha mete o dedo na goela, e vomita lá embaixo, acertando Dorinha em cheio.
_Vamos começar pelo recheio.
O padre corre a acudi-la. Com um lenço limpa-lhe os seios e as nádegas. Dona Lindaura desmaia. Bate a cabeça na cômoda e racha o crânio. Parte do miolo cai na bandeja de Julio que, prontamente, começa a oferecer aos convivas. O velho começa atirar fezes na mulher.
_Tome arrombada!
Toda aquela cena provoca em Dorinha uma estranha excitação. Pega um copo à cristaleira e vai se servir na escarradeira do sogro. Ao vê-lo degustar aquele pedaço de miolo com tanta etiqueta, sente a calcinha melecando-se de gozo. Vira-se para Julio com um olhar maroto. O negro retribui com um sorriso sedutor, cuja falta dos dentes da frente dão um certo ar selvagem. Ela começa a se despir, os homens começam a sacar suas armas. Um São Bernardo com gonorréia entra na fila também. A velha começa vomitar sangue às carreiras, Dona Lindaura ainda estrebucha, os

 

Crônica inacabada.

O autor vomitou no computador, danificando a placa mãe (Mãe solteira e, aliás, muito vagabunda)