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O albúm "Workingman’s Dead"
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Os Grateful Dead foram o principal expoente musical do cenário hippie que aflorou em San Francisco em meados dos anos 60. Geralmente, são lembrados pelo seu envolvimento com os beatniks, pelas hordas de bichos-grilo que os idolatravam, pelas orgias psicadélicas que promoviam na Haight Street e pelas suas jams sessions intermináveis. O que poucos imaginam é que o maior sucesso comercial da banda foi com um álbum que nem de perto se assemelha a esse universo da contracultura sessentista. Lançado no dia 14 de junho de 1970, "Workingman’s Dead" é o quinto disco do grupo e, reconhecidamente, um dos seus melhores trabalhos. Logo de entrada nota-se que a banda procurou dar um direcionamento musical inusitado ao albúm. Jerry Garcia e a sua trupe foram fundo nas raízes musicais norte-americanas e brindam o ouvinte com um repertório nitidamente influenciado pelo blues, country, folk, gospel, ragtime e bluegrass. E além dessa mudança de estilo, qualquer conhecedor do grupo (não é preciso ser um dead-head) estranha o desaparecimento das longas improvisações (verdadeiras trilhas sonoras para viagens lisérgicas), tão características na obra dos Grateful Dead. Como resultado, temos canções muito mais concisas, melódicas, acústicas e despidas de qualquer excesso, nem parecendo tratar-se do mesmo grupo. A primeira música da obra é "Uncle John’s Band". Foi o primeiro hit radiofónico do grupo, ainda que tenha sido um single menor. Na versão do compacto foi suprimido cerca de um minuto e meio (e cortada a palavra "goddamn"). Algumas gravações de shows revelam que, em Setembro de 1969, a banda já tocava uma primeira versão da música e, numa performance no dia 4 de Dezembro, ela já estava acabada. Uma audição atenta revela que a canção foi inspirada em "Suite: Judy Blue Eyes", de Crosby, Stills & Nash, especialmente pelas harmonias vocais em três vozes, cantada por Garcia, o baixista Phil Lesh e o guitarrista Bob Weir. A faixa, que se inicia com um belo trabalho de guitarras, continua com a bateria e percussão em boa pedalada, sem ficar pesada. Quando parece que a música chegou ao fim, o refrão é repetido sem acompanhamento e, então, a banda volta com tudo, garantindo um final explosivo. Os Grateful Dead continuaram a tocar "Uncle John’s Band" regularmente durante toda sua carreira, e geralmente é incluída nas colectâneas da banda. A segunda pérola do disco é "High Time". Com um walking bass que vai levando a canção, é uma das faixas mais tranquilas e melódicas do albúm, com direito a três vozes no refrão. Tem um óptimo trabalho de slide e "foi feita para se ouvir na sombra". A melodia é um brilhante casamento entre o blues e o country. Depois dela, é a vez de "Dire Wolf". Levemente mais animada, é cantada num estilo similar ao de Bob Dylan daquele período (dos albúns John Wesley Harding e Nashville Skyline). Também, é possível perceber uma pitada de Flying Burrito Brothers, pelo "cheiro de faroeste" que a canção exala. "New Speedway Boogie" é uma das mais pesadas do disco. Um bom blues-boogie-rock com riff marcante e direito a palmas. É uma música sobre o concerto de Altamont, de Dezembro de 1969, onde um espectador foi morto durante a apresentação dos Rolling Stones por um dos Hell Angels contratados para a segurança do evento. Como os Grateful Dead eram uma das atracções, e estavam lá, a composição aparece nesse seu primeiro albúm posterior ao acontecimento. A próxima música, "Cumberland Blues", é um bluegrass de refrão empolgante. A bateria e o baixo seguem num andamento jazzístico enquanto um banjo dá aquela pitada country. Os óptimos vocais reforçam a ideia de que a banda estava bebendo na fonte de Crosby, Stills & Nash. O disco continua com "Black Peter", que apresenta fortes elementos de gospel e country. É uma balada bucólica, com um óptimo trabalho de órgão Hammond. A partir da metade da canção podem-se ouvir as harmonias a três vozes, enquanto a melodia se vai tornando mais rebuscada. Próximo do final a harmónica dá um brilho especial à música. O álbum aproxima-se do fim e é só então que aparece uma música originária dos primórdios da carreira dos Grateful Dead. "Easy Wind" é uma das primeiras composições do grupo. Indiscutivelmente, a mais swingada do álbum, com baixo e bateria negróides. O vocal é mais grave que no resto do disco. As duas guitarras que permeiam toda a canção lançam-se num longo solo, com direito a improvisações, no meio da faixa. Essa é mais uma característica que denota "Easy Wind" como pertencendo ao repertório mais remoto da banda. Por fim, "Casey Jones" encerra "Workingman’s Dead". Ao lado de "Uncle John’s Band", é uma das melhores composições do álbum. Também chegou a ser um dos poucos sucessos radiofónicos do grupo, até ser censurada e banida. Não era para menos: a música é totalmente a favor das drogas e cheia de referências à cocaína. Tem um trabalho de slide muito bom. Em determinada altura, ela fica embalada (ou cocaínada, se se preferir), quando desanda e acaba de forma ligeira. Depois dela, fica a sensação de que a audição realmente valeu a pena. E partimos com o seu refrão na cabeça. Portanto, "Workingmans’s Dead" não é apenas o albúm que deu aos Grateful Dead o certificado de um milhão de cópias vendidas (garantindo um lugar no Top 30). É também um dos melhores albúns da banda, cheio de canções memoráveis. Nele, pode-se ver o grupo seguindo por aquele caminho (apontado pelos Buffalo Springfield, Dylan e a The Band) que tantos grupos (Byrds, CSN&Y, Flying Burrito Brothers, etc) tomaram após a falência do sonho hippie. É um regresso ao interior, ao campo, onde se buscou uma sonoridade mais acústica, melódica, e climas mais bucólicos. Enfim, é um grande registo de uma banda que se aventura numa praia que não era a sua, e que se dá muito bem.
Jerry Garcia - O Anti-Super-StarPor Cláudio Vigo in Whiplash.netQuando Jerry Garcia morreu em 9 de Agosto de 1995, uma semana depois de completar 53 anos, numa clínica de desintoxicação em Forest Knolls na Califórnia, desaparecia talvez o maior símbolo da contracultura de todos os tempos. Líder e mentor espiritual da banda de maior longevidade com integridade de princípios de todos os tempos. Com uma horda de seguidores já na terceira geração, os famosos deadheads, os Grateful Dead animaram a vida de avós e netos que os seguiam por toda parte em caravana com o único objectivo de "seguir viagem". Jerome John Garcia nasceu em 1942 em San Francisco, filho de um imigrante espanhol, que morreu quando ele era muito jovem, e de uma dona de uma loja de marinheiros. O seu nome foi uma homenagem ao grande compositor Jerome Kern e, desde muito cedo, participou no circuito folk local juntamente com os seus amigos ancestrais Bob Weir e Pigpen, até que se envolveu com a literatura beat na figura do poeta Lawrence Ferlinguetti e resolveu electrificar os Warlocks depois de ver os Beatles no Ed Sullivan e da famosa bronca "elétrica" de Bob Dylan no tradicional festival folk de Newport. Daí em diante tornaram-se numa banda de rock com grande influência folk e adoptaram o hábito de improvisar intermináveis temas característicos dos grupos de jazz, tão caros aos beats. Nesta época estavam a iniciar-se as experiências monitoradas com o LSD no "Veterans Hospital", perto da universidade de Stanford. Foi lá que esta turma conheceu Robert Hunter (principal letrista dos Dead) e o escritor Ken Kesey ("Um estranho no ninho"), que estavam literalmente a cair no escancaramento de todas as portas da percepção. Isto teve uma importância fundamental na formação da consciência, no som e em toda a maneira de ver a vida do que viriam a ser os Grateful Dead. Ken Kesey conheceu um químico fabricante de ácido, encheu um autocarro de alucinados do mesmo calibre e com Neal Cassady, inspirador de Kerouac em "On the Road" como motorista, atravessou os EUA divulgando um estilo de vida e consciência que chocava todos por onde passava. Dizem que a chegada a Wall Street em Nova York foi antológica, com distribuição de "ácido" e flores para os passantes engravatados. Outras experiências do grupo eram os chamados "acid tests", enormes festas, muitas vezes ao ar livre onde, no meio de projecção de slides psicadélicos, luzes estroboscópicas e "ácido" gratuito, os Grateful Dead tocavam horas e horas sem parar, improvisando directo e formatando a sua identidade sonora no meio daquela loucura generalizada. Muitas destas intermináveis sessões de improvisação abriram caminho para coisas posteriores como, por exemplo, os Allman Brothers e outros grupos próximos de uma estrutura jazzística. O nome da banda surgiu numa destas viagens em Haight-Ashbury quando resolveram abrir um dicionário e Garcia viu cabalisticamente esta palavra escrita brilhando nalgum lugar. Musicalmente, os Grateful Dead sempre foram uma banda bastante interessante, muito melhores ao vivo, e Jerry Garcia sempre foi um guitarrista inconfundível com os seus solos viajantes e o seu vocal característico, sempre entremeado com o excelente Bob Weir. Os seus melhores discos são os registos dos seus shows. Mas essa balada forte ao longo dos anos acabou por cobrar o seu preço e, no meio dos anos 80, Jerry Garcia viu-se terrivelmente viciado em Heroína e Cocaína e começou então uma interminável sucessão de internamentos, que acabaram por levá-lo a morte, assim como a três de seus teclistas: Pigpen (73), Keith Godcheaux (80) e Brent Mydland (90). Os Grateful Dead eram os "anti-super-stars". Garcia tocava sempre com uns jeans surrados e uma camiseta destas de ficar em casa, meio gorducho e barbudão, uma espécie de Pai Natal hippie meio parado extraindo uns solos intermináveis na guitarra. Uma figura muito simpática. Hexiste um disco do Jerry Garcia e David Grisman para crianças (Not for Kids Only).
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