Sheiks


Sheiks, os Beatles do ‘deserto’
Crédito: Mário Lopes (Blitz)

Casa lotada. Quatro músicos. As calças apertadas. As botas de bico, vários yeah-yeah, o público em extase, as meninas aos gritos impedindo a audição do som saído dos amplificadores arcaicos; os rapazes movidos pela adrenalina daquela nova forma de energia elétrica sobem ao palco e se entregam aos ritmos diabólicos do ‘shake-shake’... Poderiam ser os Beatles no ‘The Cavern’, em Liverpool, mas a descrição reproduz com perfeição um concerto dos Sheiks no Teatro Monumental, em Lisboa.

Num país em que os donos do poder tentavam impedir desvios perniciosos ao bem estar da juventude, o fascínio pelo rock era vivido no momento do concerto, onde todos podiam transportar-se para a Inglaterra com que sonhavam enquanto, nos quartos de cada um, os pequenos singles iam rodando no toca-discos, poderoso instrumento de revolução cultural. E os Sheiks, que passam a assumir essa designação em 1963, depois de terem sido os Windsors ou os Black Riders, foram a banda nacional que melhor traduziu a loucura que a Beatlemania provocava planeta fora.

Como é natural, a sua grandeza era limitada às dificuldades de um país que, como recorda Carlos Mendes em conversa com o BLITZ, "se agora ainda é um pouco rudimentar, na altura era mais ainda". O ex-Sheik afirma que ‘o mito que normalmente se tem em relação aos anos 60, de que foi uma época genial, é falso. Não existia praticamente nada, Lisboa era a única cidade com alguma relevância e mesmo assim, comparada com Madrid ou Paris era muito provinciana’.

Desse modo, antes de, em 1964, editarem o primeiro disco, o EP que incluía uma versão de ‘Summertime’, de Gershwin, os Sheiks iam fazendo os usuais concertos em festas liceais e universitárias, para as quais ensaiavam, "por vezes com as guitarras, de má qualidade, ligadas a rádios". Na altura, a banda era formada por Carlos Mendes, Paulo de Carvalho, Fernando Chaby e Jorge Barreto.

No mesmo ano em que fazem a sua estréia discográfica estabilizam também a sua formação, com a entrada de Edmundo Silva, vindo do Conjunto Mistério, para ocupar as funções de baixista, saindo Jorge Barreto e passando Carlos Mendes a responsabilizar-se pela segunda guitarra.

Será com estes quatro elementos que os Sheiks atingem o auge da sua criatividade, compondo os seus dois maiores sucessos de sempre, ‘Missing You’ e ‘Tell Me Bird’, editados em 1965, cujo sucesso lhes permitiu viajar até Paris para uma bem sucedida temporada de concertos no clube Le Bilboquet.

Como acontecia com a maioria das bandas portuguesas, era visível nos Sheiks a influência exercida pelos Beatles. Em Carlos Mendes isso era notório: "via o John Lennon como um ídolo, queria ter o cabelo como ele. Aliás, a certa altura, eu ‘era’ o John Lennon, andava como ele, representava-o. Até falava e cantava em tom nasalado". Apesar disso, distinguiam-se do restante panorama musical nacional pela qualidade de que se revestiam os seus originais, diferencial em um meio musical onde a maioria das edições eram compostas por ‘covers’. Havia também o fato de apresentarem dois vocalistas, Carlos Mendes e Paulo de Carvalho, com qualidade acima da média: "a minha voz e a do Paulo casavam muito bem, era muito simples acrescentar uma terceira voz e entrar na onda dos Beatles".

A energia dos concertos também teve a sua quota de responsabilidade no sucesso: "funcionávamos mais aos gritos e aos saltos. Quando nos encontrávamos num palco como o do Monumental, as coisas funcionavam super bem, as pessoas enlouqueciam". Começava tudo sentadinho e acabava tudo quebrado".

Entre o EP ‘Missing You’ e a ida a Paris, os Sheiks lançam, em 1966, três discos. No primeiro, destaca-se a balada "Lonely Lost and Sad"; no segundo, duas versões, "These Boots Are Made For Walking", de Nancy Sinatra, e "Michelle", dos Beatles, esta última vestida com uma sonoridade diversa do original, que Carlos Mendes explica pela aprendizagem musical da altura ser muito baseada na "imitação de músicas que ouvíamos na rádio, muitas vezes com tons diferentes. O que é engraçado, porque assim a imitação cedia lugar à novidade, quando nos dávamos conta estávamos fazendo versões sem o sabermos". Este último EP é o primeiro onde os Sheiks se dedicam exclusivamente a cantar em inglês, esquecidas as incursões, em discos anteriores, no português.

O terceiro disco, de 66, apresenta bem marcada a evolução estilística e instrumental que a banda vinha sofrendo. Reunindo dois temas marcadamente rock, "I've Got To Give Up" e "Try To Understand", a duas músicas lideradas por acompanhamentos orquestrais, "Tears Are Coming" e "I'm Feeling Down" (balada soturna de contornos psicodélicos e um dos melhores temas dos Sheiks), o EP mostra uma banda que, mais que mera seguidora das matrizes emanadas pelos Fab Four, apresentava criatividade suficiente para lhe ser reconhecido identidade própria.

Nessa época, o êxito de "Missing You" faz com que o tema seja editado em França (onde atinge o 8º lugar do ‘top’ de Paris) e na Inglaterra, terminando os Sheiks por ser convidados a viajar até à capital francesa, onde participam em vários programas de rádio. O sucesso das atuações levou a que fosse sugerida a gravação de um disco. Carlos Mendes recorda essa gravação como algo nascido diretamente do improviso: "tínhamos dezoito ou dezenove anos e queríamos aproveitar a estadia em Paris. Não me lembro de ver o dia enquanto estivemos lá, a idéia que tenho é da noite, muitas luzes e a turma a andar pelos bares, cigarro por todo lado. Chegamos ao estúdio e não sabíamos o que íamos gravar, mas tínhamos uma química tão forte que pedimos algum tempo e fizemos o disco em três dias".

O resultado final, "Os Sheiks em Paris", é considerado por muitos o melhor da banda. O seu vocalista e guitarrista concorda que "as coisas eram mais sérias", e que "se nota uma modernidade que não existia antes", em relação ao som. "Baby Don't Cry", "Lord Let it Rain", "Bad Girl" e "Why Baby" são os temas do EP que, ironicamente, é o último do grupo com a sua formação clássica, antes de Carlos Mendes abandonar os Sheiks para se dedicar ao curso de Arquitetura.

Apesar das muitas histórias que se contam acerca da possiblidade de uma carreira internacional, o cantor afirma nunca ter sido essa uma hipótese real. "Nunca foi tentada uma internacionalização, falou-se de irmos para Las Vegas durante três anos, para tocar num cassino, abrindo para alguém. Foi ai que parei para pensar, não queria ir sem nada garantido, ainda para mais sem o produtor, que tinha se exilado na Bélgica. Aliás, ele ainda tentou em Paris alguns contatos, mas disse que não havia grandes oportunidades. Os franceses são muito chauvinistas, sempre apontando defeitos - foi sempre uma porta fechada". Assim, o que recorda de mais excepcional é a passagem de "Missing You" num programa do ‘King of Caroline’, uma importante rádio pirata instalada num barco ao largo da Grã-Bretanha, e uma crítica do Melody Maker, onde o jornalista afirmava sentir "alguma estranheza pelo som, o que é normal, porque era gravado em Portugal. Depois dizia que a música era interessante, mas que éramos muito jovens, que tínhamos ainda que evoluir um pouco. Para finalizar escreveu "Sheiks, what a terrible name for a group".

Após a saída de Carlos Mendes é recrutado para o seu lugar Fernando Tordo, que integrava os Deltons. Com esta formação a banda edita um EP, o apropriadamente intitulado "That's All", desagregando-se em seguida devido a sucessivas saídas, especialmente de Paulo de Carvalho, substítuido por Luís Moutinho.

No final da década de 70, os Sheiks reúnem novamente a sua formação clássica, editando, em 79, o LP "Pintados de Fresco", álbum onde, a par de novos temas, apresentam roupagens diferentes para os mais antigos. Um ano depois lançam "Com Cobertura", dissolvendo-se de vez pouco tempo depois, deixando atrás de si a primeira história de grande sucesso do rock português.

Carlos Mendes, falando a respeito da importância dos Sheiks para as gerações seguintes, tem certeza que sua banda abriu novos caminhos: "ateamos fogo e os que vieram depois sopraram e criaram labaredas".


Os Sheiks «ressuscitam» em Viseu

Notícia do Portugal Diário em 24-Setembro-2004

Os músicos Carlos Mendes, Paulo de Carvalho, Fernando Chaby e Edmundo Silva "ressuscitam" sábado, em Viseu, o grupo Sheiks, que fez grande furor no panorama musical português dos anos 60.

Os Sheiks participam em Viseu num jantar dançante integrado na iniciativa "Os melhores anos", que teve início em 1993 com um encontro de amigos e acabou por assumir relevância cultural na cidade.

Eduardo Pinto, um dos promotores da iniciativa, disse à agência Lusa que a ideia de reconstituir o grupo de rock surgiu no jantar do ano passado, onde Carlos Mendes esteve presente.

"Ele começou a tocar e apercebeu-se logo de que este jantar é muito virado para a dança.Entusiasmou-se, fez uma belíssima actuação e terminou tudo a dançar.E então perguntou-se: porque não reagrupar os Sheiks para edição deste ano?", contou.

Eduardo Pinto lembra que foi com esta formação que os Sheiks atingiram o seu auge, lançando os sucessos "Missing you" e "Tell me bird", editados em 1965, também na França e Inglaterra.

Segundo o responsável, já estão inscritas para o jantar dançante 700 pessoas e outras 50 encontram-se "à espera que alguém desista".

Antes de Sheiks, designação assumida em 1963, o grupo chamou-se Windsor e Black.

Na altura Jorge Barreto integrava a banda, mas foi substituído em 1964 por Edmundo Silva, tendo sido com esta constituição que atingiu o seu auge de sucesso.

O êxito levou-os a serem convidados a viajar para a capital francesa, tendo gravado o EP "Os Seiks em Paris", considerado por muitos o melhor da banda, curiosamente o último antes de Carlos Mendes ter abandonado o grupo para se dedicar ao curso de Arquitectura.

Carlos Mendes é substituído por Fernando Tordo e, com esta constituição, os Seiks editam o EP "That+s All", separando-se de seguida.

Em 1979 ainda se reúnem para editar "Pintados de fresco", uma colectânea dos seus maiores êxitos, e, um ano depois, lançam "Sheiks com cobertura", dissolvendo-se de vez pouco tempo depois para só aparecerem ocasionalmente em festivais revivalistas dos anos 1990.

Em 2004 os Sheiks voltaram a reunir-se, como banda revivalista.

"Os músicos Carlos Mendes, Paulo de Carvalho, Fernando Chaby e Edmundo Silva vão juntar-se em Viseu, no próximo sábado, e reconstituir o grupo ‘Sheiks’, banda que criaram juntos e que fez furor em Portugal na década de 60.

A ideia surgiu de Carlos Mendes que esteve presente num jantar dançante do ano passado integrado na iniciativa ‘Os melhores anos’. Desde 1993 que o projecto assumiu uma forte relevância cultural na cidade transmontana. Este ano o tributo é dirigido ao grupo ‘Sheiks’, protagonizado pelos antigos elementos da banda.

A formação de Sheiks só assumiu a designação em 1963. O grupo chamava-se Windsor e Black. Na altura o músico Edmundo Silva entra para a banda e substitui Jorge Barreto."

in "Correio da Manhã", 24.Set.2004

"Formados em 1963, Os Sheiks tornaram-se populares com Fernando Chaby, Carlos Mendes, Paulo de Carvalho e Edmundo Silva. Depois de um primeiro EP, de 1964, em que se incluía uma versão de "Summertime", de George Gershwin, a transformação mediática dá-se em 1965 com a edição de um segundo EP onde pontificavam "Missing You" e "Tell me Bird". O disco é lançado também em Inglaterra e França, onde chega aos tops. "Lonely Lost and Sad" é editado em 1966, numa altura em que Edmundo Silva se começa a destacar como principal compositor da banda. O disco seguinte foi composto exclusivamente por versões, como as de "These Boots Are Made For Walking", de Nancy Sinatra, e Michelle, dos Beatles. A partir daqui, a banda dedicou-se exclusivamente a compor originais em inglês e é nesta altura que se desloca a França, onde grava "Sheiks em Paris", considerado o melhor EP do grupo. No regresso a Lisboa, Carlos Mendes deixa a banda, sendo substituído por Fernando Tordo. É com esta formação que é gravado o último disco, onde se inclui "That's All ". Os sucessivos abandonos da banda conduzem à sua dissolução. Até 1979, os músicos percorrem carreiras a solo, até que os Sheiks regressam, na formação mais popular, ao mesmo tempo que é editada uma colectânea com os êxitos do grupo. O ano seguinte traz um novo álbum de originais, "Com Cobertura", que face aos fracos resultados conduz a um novo adeus. Recentemente, voltaram a reunir-se para alguns concertos.

in "Diário de Notícias", 14.Jul.2005


A canção «Missing You» foi incluída na colectânea «Os Reis do Ritmo», publicada em 2003 pela editora Valentim de Carvalho


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