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São Paulo, 7 de fevereiro de 1999
Renato Wagner Baccí
Professor dá aula de violão de graça
Numa sala quente e apertada do bairro da Lapa, jardineiros, estudantes, aposentados e outras pessoas estão realizando um dos maiores sonhos de suas vidas. São mais de 200 alunos que freqüentam as aulas gratuitas de música, violão e canto coral na Casa de Cultura Tendal da Lapa.
O curso só é possível por causa da boa vontade do maestro Valter Campelo, de 47 anos, que não cobra nada pelas aulas que dá no Tendal. Ele chegou à Casa de Cultura em maio de 1997, para um curso de seis meses. Formado em música e com vários cursos no exterior, o maestro chegou ao fim do primeiro curso insatisfeito: "Como eu não queria que o trabalho com aqueles alunos se perdesse, eu requisitei uma sala e continuei dando as aulas, mesmo sem receber nada por isso", conta ele.
O resultado foi que as procuras aumentaram, e hoje os alunos do maestro Valter se espalham pelos cursos de iniciação em música e canto coral: "E a maneira que eu encontrei para que os primeiros alunos evoluíssem no aprendizado foi montar uma orquestra de cordas e percussão", explica o maestro. "Assim ninguém seria obrigado a parar de estudar".
Se os cursos terminarem, muitos dos alunos que hoje freqüentam as aulas só teriam como opção parar com a música, segundo Valter. "Uma boa parte dos que vem aqui só têm essa possibilidade de aprender e treinar música. Tem gente aqui que muitas vezes nem tem o dinheiro do ônibus para voltar para casa, então os outros acabam fazendo uma coleta para ajudar."
Maria Antônia de Souza Francisco, funcionária pública de 38 anos, não perde por nada as aulas no Tendal. "Eu adoro música, e se não fosse esse curso eu não poderia estar aprendendo", afirma.
Outra que não admite ficar sem as aulas é a operadora de caixa Márcia Aparecida de Souza, de 31 anos. "Hoje o horário do meu trabalho me permite freqüentar as aulas, mas se eu perder esse emprego eu só vou para outro em que o horário não atrapalhe as aulas", promete ela.
Oficina
Uma das maneiras mais criativas encontradas pelo maestro Valter Campelo para tornar possível o curso de música foi montar uma oficina de restauração de instrumentos musicais.
"Temos alunos que chegaram aqui com violões horríveis, impróprios para o estudo", conta ele, que se especializou, em restauração de instrumentos na Inglaterra.
A oficina funciona em sistema de cooperativa. "Cada um contribui com o que pode. Tem um aluno que é funileiro e que fez algumas ferramentas".
Gilberto de Oliveira, aposentado de 56 anos, e Ronaldo José, jardineiro de 41 anos, são exemplos de alunos que têm violões na oficina. Eles treinam com outros instrumentos, mas querem aprender a consertar o próprio instrumento.
Mesmo funcionando precariamente, a oficina está trazendo fregueses de outras paradas. "Depois que viu o nosso trabalho, um estudante trouxe um bandolim de quase 70 anos, de um parente, que estava precisando de reforma", conta orgulhoso o maestro Valter.
A ordem é reciclar tudo
Uma das características mais importantes da oficina de restauração montada pelo maestro Valter Campelo é o aproveitamento de qualquer material que lhes caia nas mãos.
Com essa filosofia, até pedaços de cadeiras velhas servem para restaurar violões e outros instrumentos. "Essas cadeiras, antigas eram feitas de madeira muito boa, ótima para consertar e restaurar os instrumentos", explica o maestro.
Bancadas de feira
O professor conta que as lousas que estão sendo usadas na sala de aula são bancadas de feira que foram apreendidas pelos fiscais da Administração Regional da Lapa.
"Até os pregos são desentortados para serem usadas mais de uma vez", diz.
Com essa economia, ele e os alunos montam até os suportes de partituras, com retalhos de madeira que conseguem por ai.
O maestro espera que surjam doações para os cursos e a orquestra ou até mesmo que eles sejam adotados por alguma firma. Isso teria um custo mínimo para uma empresa média; que poderia aproveitar bastante o marketing cultural e mesmo social, acredita.
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