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Praga

Praga de múltiplas faces

Capital tcheca está na fronteira que une mistério e glamour discreto

De todos os pontos da cidade vê-se o Castelo: um imenso e austero conjunto arquitetônico no qual despontam as torres góticas da igreja central. Como um vigia silencioso, o Castelo observa a cidade e imprime às suas ruas estreitas uma camada de mistério. E esta é talvez a melhor palavra para definir a cidade: mistério, misturado com fortes doses de um glamour discreto.

Assim é Praga: cidade que parece saída diretamente de algum conto do velho Kafka, o escritor que ilustra a maioria das camisetas e marionetes vendidas para os milhares de turistas norte-americanos e europeus. Patrimônio da humanidade segundo a Unesco e Cidade Européia da Cultura do ano 2000, Praga conseguiu o milagre de conservar todas as camadas da sua longa história que começa em 870, exatamente com a construção do castelo. O resultado é um mosaico único que vai do gótico até as bricolagens involuntárias da arquitetura comunista. Mas, graças a um certo efeito de ótica dificilmente explicável, Praga parece conseguir acomodar todas essas camadas em um todo que impressiona pela coesão. Graças a este tempo que desliza sem nada destruir, você poderá encontrar, quase intacta, a cidade que seduziu Rilke, Picasso, Apollinaire, Rodin, só para ficar entre os mais famosos.

Junte-se a isto ótimos restaurantes a preços reduzidos, grandes jardins, uma vida noturna animada e você terá uma cidade com ar de jóia guardada durante décadas em uma caixa escondida. Para ser mais exato, guardada durante quarenta anos na caixa de ferro do comunismo.

Castelo faz parte da história da literatura moderna

Uma viagem à Praga começa necessariamente pelo Castelo mais famoso da literatura moderna, vide o romance homônimo do já citado Kafka, presença constante nas listas dos dez livros mais importantes do século. O Castelo é, na verdade, uma espécie de cidade dentro da cidade, com ruas internas e construções das mais diversas épocas. Ainda hoje ele faz parte da vida política do país já que uma de suas alas serve de residência ao presidente da República, Vaclav Havel. Devido a sua variedade, vale a pena passar um dia por lá, até porque, seus arredores e o bairro de Mala Strana também guardam várias surpresas.

No centro do Castelo encontra-se a maior Catedral da República Tcheca, lugar de coroamento e de enterro dos reis da Boêmia. Iniciada por Carlos IV, em 1344, a construção de seus traçados góticos só terminou em 1929, ilustração concreta da turbulenta história desta cidade movida a renascimentos. Dificilmente você viu uma capela tão suntuosa quanto a Capela de São Venceslau, onde encontra-se os restos do patriarca do povo tcheco. Abrigo dos tesouros da coroa, suas paredes de afrescos em tons preponderantes de vermelhos são ornadas de maneira forte por ouro e pedras preciosas.

Uma galeria de arte construída pelo excêntrico imperador Rodolfo II envolve a Catedral. Ao que parece, o imperador era excêntrico mais não queimava dinheiro, já que a coleção conta com preciosidades como Rubens, Cranach, Tintoreto e Veronese.

Mais ao fundo, há a Rua de Ouro: um conjunto de pequenas casas coloridas onde, diz a lenda, alquimistas trabalhavam duro à serviço do imperador para encontrar a pedra filosofal. A pedra ninguém encontrou mas, de qualquer forma, as casas viraram lojas de comércio. Quer dizer, não saímos do registro do ouro.

Praça Central é mosaico de tendências

Do outro lado do rio Vlatava encontra-se a Cidade Velha (Staré Mesto). Entre uma margem e outra está a incontornável Ponte Carlos (Karlovo Most) com suas 30 estátuas barrocas de santos do catolicismo, suas grandes torres e milhares de turistas que vêm e vão.

Na Cidade Velha, o melhor a fazer é se perder nas ruas estreitas e labirínticas. Nestas ruas, o espírito de Praga fica evidente. Ao contrário da luminosidade de Paris, a capital tcheca prefere a penumbra leve da sedução contida. Clima que você pode sentir também ao tomar um café no legendário Café Slavia: ponto de encontro da dissidência tcheca da época do comunismo. Tudo parece andar no ritmo dessa sedução discreta até você encontrar a opulência da Praça Central.

Rodeada de casa que vão da Idade média a Art Nouveau, esta corre o risco de ser uma das praças mais múltiplas que existem. Aqui, há espaço tanto para um relógio astronômico, obra-prima da mecânica do início do século XV, quanto para casas renascentistas cujas paredes servem de tela para impressionantes pinturas em relevo. Até a casa natal de Kafka está lá, transformada em pequena galeria de fotografias.

Logo depois da Praça está o Josefov: o quarteirão judeu. Como não podia deixar de ser, a relação entre os tchecos e a comunidade judaica sempre foi marcada por ambigüidades, ao ponto de um projeto visando transformar Kafka em nome de rua foi recusado porque o contemplado escrevia em alemão e, claro, era judeu. Devida à tal ambigüidade, o quarteirão acabou ganhando um cemitérios que é visita obrigatória. Como os judeus tinham um espaço limitado para enterrar seus mortos, o cemitério transformou-se em um conjunto de 12.000 lápides góticas, renascentistas e barrocas prensadas umas contra as outras e que indicam, às vezes, doze sepulturas empilhadas. Imperdível.

Art-nouveau está por toda parte

Praga foi, sem dúvida, o maior palco europeu para o ecletismo fin-de-siècle da art-nouveau. Símbolo do renascimento vanguardista da república tchecoslovaca do início do século. Não há rua da Cidade Nova (Nové Mesto) que não tenha ao menos uma construção carregada com os ornamentos ondulantes e improváveis da art-nouveau. Talvez o melhor exemplo seja o Grand Hotel Europa, na Avenida Venceslau: o centro bancário do país. Seu restaurante é parada obrigatória para os que gostam de sentir um pouco do sabor do passado.

Como não podia deixar de ser, um dos grandes nomes mundiais da art-nouveau é um tcheco: Alfons Mucha, o mesmo que ficou famoso por fazer os cartazes da artiz Sarah Bernard. É de sua autoria os vitrais explosivos que ornam a Catedral do Castelo e que dão à construção um toque de hibridismo bem sucedido.

Comunismo deixou marcas pós-modernas

A história é realmente cheia de ironias, a última delas talvez seja descobrir que os inventores da arquitetura pós-moderna foram os comunistas. Uma caminhada mais atenta por Praga e seus arredores serve para comprovar esta tese. Cidade dos congressos internacionais dos PCs durante 40 anos, Praga era uma das vitrines do mundo vermelho. Por isto, ela foi palco de alguma das mais significativas interferências arquitetônicas da ideologia proletária.

Na verdade, a obra mais interessante do período comunista está embaixo da terra. Trata-se do metrô construído na década de 70. Suas estações são um mistura inesperada entre as formas geométricas e multicoloridas da op-art e um certo futurismo à la anos sessenta. Dificilmente você encontrará metrô mais bonito no mundo.

Outro exercício de paródia futurista involuntária é a Torre da TV Tcheca: a maior construção da capital com 216 metros. Além de ser uma estrutura imponente e única, aparentemente saída de um desenho animado dos Jetsons, a Torre tem uma história um tanto quanto cômica. Sua construção começou em 1978 e a idéia era levantar um símbolo à potência do estado tchecoslovaco. O detalhe é que, quando ela foi inaugurada em 1992, não havia mais estado tchecoslovaco. De qualquer forma, ela transformou-se na melhor vista de Praga. Outro monumento imperdível.

Mas o troféu da pós-modernidade vai para o antigo prédio do Palácio da Assembléia Federal, ao lado do neo-renascentista Museu Nacional, na praça Venceslau. Eis aí uma bricolagem com todas as letras. Uma parte do edifício segue os princípios clássicos do modernismo, mas outra parte é neo-clássica com direito à colunatas e tudo o mais.

Ainda no capítulo pós-modernidade, não há como deixar de tomar um brunch no bistrot La Valence ou jantar no restaurante La perle de Prague, que ficam, respectivamente, no térreo e no terraço do ‘Ginger e Fred’: construção às margens do rio Vlatava saída da cabeça de Frank Gehry, o arquiteto do Museu Guggelheim de Bilbao. As linhas curvas do prédio são inspiradas no movimento dos dois dançarinos.

Noite é movida a absinto e cerveja

Praga reserva ainda uma vida noturna agitada e moderna. Como não podia deixar de ser, a República Tcheca é um destes países europeus que juram de pés juntos que produzem a melhor cerveja do mundo. Pode ser, mas a pivo (cerveja em tcheco) concorre com outra paixão nacional: o absinto, bebida supostamente alucinógena dos românticos de todo o mundo.

Lugar para tomar um cerveja e encontrar gente interessante é o que não falta. Um deles é o Akropolis: um conjunto de dois bares, sala de concerto e espaço para dançar. Perto da Torre dos Jetsons, o Akropolis está invariavelmente cheio e sempre oferece um programação cultural variada.

Para quem gosta de techno, o templo da tendência é o Roxy. Um dia alguém vai me explicar porque toda cidade no mundo tem um cinema ou uma casa noturna que se chama Roxy ou Rex. No caso de Praga, ela tem os dois em um só lugar. O Roxy era um antigo cinema que virou uma grande pista de dança.

Mas os lugares mais simpáticos são o Meca: uma casa noturna multifuncional com uma decoração que lembra a espontaneidade dos cleptomaníacos que juntam tudo e o underground Luxor. Aqui é bom pegar a coisa ao pé da letra porque o Luxor está escondido no segundo subsolo de um velho prédio dos anos sessenta.

Endereços imperdíveis

  • Café Slavia, Národní 1, Praga 1
  • Akropolis, Kubelíkova 27, Praga 3
  • Eoxy, Dlouhá, Praga 1
  • Passeios de barco pelo rio Vlatava, Rasinovo Nabrezi (perto da Ponte Palackécho), Praga 2
  • Meca, Dubrovskí námestí 23, Praga 4
  • Luxor, Václavské Námestí 5, Praga 2
  • Crystalex, Malé námesti, Praga 1. Os tchecos são famosos pelos cristais da Boêmia. Esta loja tem a melhor relação preço/qualidade de Praga.
  • Torre de TV, Maflerovy sady 1, Praga 3
  • Hoffmeister, Pod Bruskou 7, Praga 1. Um dos melhores restaurantes de Praga. Especialidades tchecas e atendimento perfeito.
  • Francouzská a Plzenská restaurace. Násmestí Republiky 5, Praga 1. Outro restaurante inesquecível, situados em um belo prédio art-mouveau.
  • Hotel U Raka, Ceruníská 10/93, Praga 1. O hotel mais romântico de Praga, situado em uma casa do século XVIII.
  • Grand Hotel Europa, Václavské Námestí 25, Praga 2
  • Ginger e Fred, Rasinovo nábrezí 80. Praga 2
  • Museu de Arte Moderna e contemporânea, Dukelských hrdinu 47. Praga 7. Obras de Picasso, Kokoschka, Munch, Kupka, Cindy Sherman em um enorme prédio funcionalista. Exposições permanentes de arte tcheca e um salão imperdível de realismo socialista e de maquetes dos projetos comunistas.
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