NEGOCIAÇÃO


Incontinência verbal, um perigo na vida dos executivos.

Gazeta Mercantil. 1/11/2005.

No mundo de hoje, falar o que se pensa é sempre um risco para o cargo do melhor profissional. Você está para falar em uma conferência? Talvez simplesmente vá enviar um e-mail para a sua secretária. Cuidado com o que diz: hoje, qualquer despropósito verbal poderá acabar com a sua carreira. As "indiscrições" passaram da política para os negócios. É uma pena. A caça desumana de equívocos já limitou o número de indivíduos brilhantes que querem atuar na política. E talvez comece a ocorrer o mesmo no mundo corporativo.

Neil French, diretor de criação da empresa de publicidade britânica WPP Group, pediu demissão em outubro depois de supostos comentários considerados ofensivos para as mulheres na publicidade. As executivas "abandonam os seus compromissos para ir amamentar", teria cravado o diretor, segundo o jornal Times, de Londres. French negou, embora tenha acrescentado que "a pessoa que tem de cuidar de um bebê não pode assumir o compromisso necessário para ser diretora de criação".

Em junho, Richard Phillips, sócio principal do Baker & McKenzie, de Londres, abandonou o cargo depois que os jornais tiveram acesso ao e-mail de sua secretária, Jenny Amner. Na mensagem, ela respondia à solicitação de reembolso por parte de Phillips sobre uma fatura de lavanderia no valor de £ 4 (ou US$ 7) para limpar o ketchup de uma calça que a própria havia manchado acidentalmente. A mãe de sua secretária acabara de falecer, mas Phillips estava decidido a recuperar as £ 4.

Em 2003, Matthew Barrett, à época principal executivo da Barclays, se meteu em problemas depois de declarar para uma comissão parlamentar que não usava cartões de crédito porque eram "muito caros". Um comentário não muito sutil do máximo representante de uma das maiores companhias de cartões de crédito do Reino Unido.

Há muitos outros exemplos. No início da década de 90, o britânico Gerald Ratner perdeu o emprego da direção na empresa joalheira Ratners Group ao classificar os produtos de uma "total porcaria". Também analistas da Merrill Lynch especializados em internet, como Henry Blodget, se meteram em encrenca ao classificar como "lixo" alguns valores mobiliários para os quais tinham recomendações positivas.

Muitos políticos terão pena de French, Phillips e de Barrett. Os líderes do governo estão acostumados ao fato de que cada palavra deles seja gravada, material que é analisado depois em busca de uma possível ofensa que será utilizada por adversários hostis. Os líderes empresariais terão de se acostumar, obrigatoriamente, com o mesmo tratamento.

As clássicas "mancadas’ em política têm algumas características interessantes. Geralmente são declarações espontâneas e que ofendem alguém. E, contudo, expressam o que uma pessoa pensa de verdade, embora não possa dizê-lo. Depois da indiscrição, a pessoa já não pode continuar no cargo embora, em geral, os comentários não tenham nada a ver com seu trabalho.

Os últimos deslizes no mundo empresarial se aplicam a esta descrição. French é um dinossauro machista, com opinião muito pouco positiva sobre as mulheres - uma pessoa com a qual ninguém gostaria de se casar, ou com a qual você não gostaria de trabalhar, se é mulher. Mas, isso a incapacita de trabalhar em publicidade? Basta apenas dar uma olhada em revistas, ou em programas para lembrar que o mundo da publicidade sempre teve uma posição pouco respeitosa com as mulheres. E sobre Phillips? Sem dúvida, o e-mail do ketchup mostra um indivíduo tacanho e mal-humorado, com pouca consideração em relação aos sentimentos alheios. Mas, em que sentido isso o desqualifica para ser advogado? Se está com uma controvérsia na Fazenda, Phillips parece o tipo que alguém gostaria de ter em sua equipe. Este advogado não daria de ombros para dizer: "Bom, é só dinheiro. Não queremos ferir os seus sentimentos". E quanto a Barret? Pode ser que seja um hipócrita, sequioso pelo dinheiro dos outros e pouco precavido em sua posição. Talvez essas sejam as razões para ser a pessoa adequada para dirigir o banco. Seria preocupante se Barrett fosse tão descuidado com o seu dinheiro a ponto de acumular dívidas em seus cartões.

Na política os padrões são tão elevados que os indivíduos que aspiram a líderes se reduziram a um pequeno grupo. Hoje, nem o presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, nem o britânico David Lloyd George teriam durado tanto em seus cargos. Indiscrições sexuais e financeiras teriam sido as guilhotinas.

Na atualidade, a proliferação dos blogs e da internet está tendo o mesmo efeito nos negócios. Cada palavra dita em uma conferência e cada e-mail enviado do escritório pode ser arquivado e enviado para qualquer parte do mundo em um segundo. As declarações são objeto de exame acurado. Qualquer indiscrição é exposta e criticada sem piedade. Se pedem para adotar medidas, cabeças devem rolar.

Não deveríamos procurar nos homens de negócio mais liderança moral do que em relação aos políticos. Realmente, não importa se são seres humanos horríveis, ou não. Só importa se são capazes de fazer o seu trabalho.Todos perdemos com a caçada aos equívocos.

Todos saímos ganhando se as empresas forem dirigidas pelos indivíduos mais competentes para isso, independentemente do seu caráter. Enquanto isso, sente-se a imperiosa necessidade de criticar os companheiros, produtos, clientes. Pode ser que seja uma descrição bem-merecida para todos eles, mas só conseguirá afastá-los de um trabalho correto e eficiente.