AQUISIÇÕES NA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA


Prof. Dr. Roberto Minadeo




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Revista da ADESA – Associação dos Docentes da Universidade Estácio de Sá Ano 0 – Número 1 – Pg. 25-26



E-Mail: rminadeo@yahoo.com

INTRODUÇÃO

O artigo apresenta o papel das aquisições de empresas na formação e consolidação da General Motors, bem como analisa a atual onda de aquisições de empresas na indústria automobilística.


. AS AQUISIÇÕES NA FORMAÇÃO DA GM

A formação da General Motors é um caso típico que mostra o papel das operações de fusões e aquisições de empresas na formação de um novo grupo. A GM nasceu em 1908, pela fusão de Cadillac, Oldsmobile e Buick. Nos anos seguintes, seriam agregadas a Pontiac mais a Chevrolet, além de muitas outras companhias – desde produtoras de autopeças a fabricantes de aviões, passando pela Frigidaire. A própria presença de Alfred Sloan na GM foi devido ao fato de que a produtora de autopeças de sua família fora adquirida pela GM. Além disso, o crescimento geográfico inicial da GM passou também por aquisições: a Holden na Austrália, a alemã Opel, e a inglesa Vauxhall foram adquiridas já no início do século XX.

A GM nasceu relativamente vulnerável face à presença da Ford, da sua recém-criada linha de produção. Além disso, a empresa demorou perigosamente a consolidar as operações. Assim, a GM quase quebrou por duas vezes, em 1915 e novamente em 1920. Nesta segunda ocasião, a GM teria soçobrado, não fosse o aporte de capital da ordem de US$ 350 milhões em valores da época, por parte de Pierre duPont. A GM apenas sobreviveu porque houve a combinação de fatores únicos: a família duPont já possuía uma importante participação acionária, dispunha de recursos, necessitava diversificar, e não queria deitar a perder os consideráveis investimentos já realizados nessa companhia.

No entanto, curiosamente a fraqueza inicial da GM veio a se tornar sua principal força ao enfrentar a monolítica Ford: sim, a GM quase veio à lona justamente pela quase total independência de que gozavam suas diversas divisões. Uma vez solucionado esse problema pelo gênio de Alfred Sloan no início dos anos 20, a GM prosperou, mantendo essas diversas divisões independentes competindo entre si e pela conquista de consumidores – depois de procurar que cada uma procurasse focar um determinado nicho mercadológico, indo desde o Chevrolet de US$ 700 ao Cadillac de US$ 5.000. Além disso, Sloan centralizou a área financeira, a área de P&D, e criou um centro de design para todas as divisões. Nesse processo, no final dos anos 20, a GM ultrapassou a Ford e assumiu a dianteira no mercado. O mais notável resultado da era Sloan foi que a GM não só foi lucrativa, mas conseguiu pagar dividendos em todos os difíceis anos da década de 30, apesar de ter enfrentado uma queda de produção de 70% em 1932 face ao obtido três anos antes.

Assim, a GM é um típico resultado de um longo processo – não isento de percalços – de inúmeras fusões e aquisições nos seus anos iniciais. Finalmente, importa ressaltar que a GM não cresceu apenas com aquisições de empresas. Internamente veio a promover importantes desenvolvimentos, como:

 O gás freon, que propiciou a expansão do mercado de refrigeradores, pois o gás então em uso era tóxico. Poder-se-ia ainda argumentar que a expertise para a GM realizar esse desenvolvimento tecnológico veio pela aquisição da firma de Charles Kettering – que por muitos anos chefiou o setor de P&D, gerando inúmeros e notáveis avanços com seu gênio.

 O motor a diesel para locomotivas, que significou uma verdadeira revolução nas ferrovias.

 A expansão através de inúmeras novas fábricas colocadas em operação por todo o mundo.

 Nos anos 80, criou a Saturn, para fazer frente aos compactos japoneses.


A ONDA DE AQUISIÇÕES NO SETOR AUTOMOBILÍSTICO

Na segunda metade da década de 90, ocorreram tantas aquisições na indústria automobilística mundial, de modo que o setor foi totalmente redesenhado:

 Em 1994, a BMW adquiriu a britânica Rover, por sua vez, resultado da fusão de diversas montadoras. No entanto, seis anos depois, a Land Rover foi vendida à Ford.

 A Daimler se fundiu com a Chrysler, e adquiriu o controle dos automóveis Mitsubishi. Além disso, comprou 10% da coreana Hyundai, por US$ 428 milhões.

 A Ford adquiriu a marca e os ativos da Volvo em automóveis. Além disso, comprou a Land Rover. Anteriormente, comprara as prestigiosas marcas britânicas Jaguar e Aston Martin. Finalmente, adquirira o controle da japonesa Mazda, iniciando um processo de saneamento dessa montadora.

 A Nissan – nada menos que a segunda maior montadora do Japão – teve seu controle adquirido pela Renault, que nomeou para presidi-la o brasileiro Carlos Ghosn. Aliás, essa companhia francesa fora privatizada nos anos 90.

 A GM aumentou sua presença no capital das japonesas Suzuki e Isuzu e ingressou no capital da Subaru. No início dos anos 90, adquirira metade da sueca Saab, com a opção de ficar com a outra metade – o que veio a suceder no final dessa década. No ano 2000, a GM fez uma troca de ações com a Fiat: adquiriu 20% do capital desta última, pagando com 5,1% de suas próprias ações.

 A Hyundai adquiriu a rival doméstica Kia – que por sua vez absorvera a Asia.

 A lendária marca Rolls-Royce não pôde manter-se como uma montadora independente. A VW assumiu a marca Bentley – voltada a modelos mais esportivos – enquanto que a BMW ficou com a Rolls-Royce.

 A VW também adquiriu outras marcas de prestígio: Lamborghini e Bugatti. Também adquiriu importante participação produtora de caminhões pesados Scania.

 A Volvo adquiriu participação nos caminhões Mitsubishi.

A Fiat gozava de virtual monopólio no mercado italiano, tendo adquirido a estatal Alfa-Romeo em condições típicas de protecionismo nacionalista. Além disso, assumiu o controle da lendária Ferrari, além da Lancia e da Maserati. Com o aumento da concorrência no seu mercado principal, fruto da União Européia, a Fiat começou a apresentar dificuldades diversas: estava fraca nos modelos de luxo, e nos pequenos – que eram sua principal força – passou a sentir a força de outras marcas. Sentindo dificuldades em se manter como uma companhia independente, a Fiat fez uma operação interessante, permutando parte de seu capital com a GM. Para esta última, a troca significou muito, pois ficou com o direito de preferência no caso de uma eventual decisão dos acionistas italianos de venderem o controle.

A aquisição da Rover trouxe problemas à aquisidora, consumindo US$ 6 bilhões, sem perspectivas de retorno. Isso mostra que não basta comprar uma empresa, sendo precisa uma rápida integração, de modo a que surjam sinergias, e que a operação propicie retorno financeiro. Os esforços da BMW posicionaram os produtos da Rover em concorrência com aqueles vendidos com a marca BMW, ao invés de capitalizar sobre a Land Rover – que atua em um nicho no qual a BMW não detinha expertise. Um objetivo da aquisição seria que ambas empresas compartilhassem plataformas, no entanto, a Rover não pôde compartilhar plataformas com a BMW porque esta produz automóveis com tração traseira, e a Rover desde o final dos anos 50 introduziu automóveis com motores transversalmente montados na dianteira, onde se dá a tração.


CONCLUSÕES: UMA NOVA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA

Algumas aquisições trouxeram um problema novo: a divisão de marcas. A Volvo continua uma empresa sueca produtora de caminhões pesados, mas a marca de automóveis Volvo é da Ford. Ocorrem inúmeros riscos de perda de identidade dessas marcas, à medida que dois grupos distintos a utilizam ao mesmo tempo.

Um importante resultado dessa década de aquisições na indústria automobilística foi mostrar a dura realidade dos fabricantes japoneses: à exceção de Toyota e Honda, todos os demais produtores japoneses de automóveis se associaram a grupos do exterior, exceto a Daihatsu – comprada pela Toyota. Essas dificuldades da indústria japonesa mostram que os sinais de advertência do governo japonês quando diversos grupos ingressaram no setor eram baseados na percepção correta de que não haveria lugar para tantos grupos no setor. Por outro lado, a concorrência se mostrou benéfica ao mercado como um todo e ao consumidor: com a oferta superando a demanda, sobreviveram os melhores, e foi necessário o ingresso de novos capitais do exterior e novas tecnologias para sanear os empreendimentos problemáticos – promovendo-se um rearranjo da indústria.

Outro resultado da onda de consolidação da indústria automobilística é mostrar que não basta adquirir uma empresa, como o demonstram o caso BMW-Rover, e as diversas compras da Fiat. O primeiro já foi analisado. O segundo mostra os perigos de um mercado sem concorrentes. Por ser a maior, ela não absorveu, mas simplesmente engoliu as outras. A Ford tentara comprar a Lancia e depois a Alfa-Romeo; ao menos uma dessas operações teria sido benéfica para todos: criaria concorrência no rarefeito mercado local, forneceria mais opções ao consumidor, traria novos recursos para modernizar a adquirida – como se fez posteriormente na Jaguar. Enfim, a própria Fiat viria a se beneficiar, pois certamente não poderia ficar acomodada tal como ficou – a ponto de comprometer sua própria sobrevivência.

Finalmente, as grandes montadoras se concentram em seu core business e vendem diversas outras unidades. Por exemplo, GM e Ford tornaram seus negócios de autopeças, respectivamente Delphi e Visteon, empresas independentes, com receitas anuais superiores a US$ 20 bilhões, e líderes mundiais no segmento. Em menor escala, outras montadoras também vieram a vender companhias do setor de autopeças.

Enfim, o setor apresenta uma notável redução do número dos seus concorrentes, devido à escala global que passou a nortear a lógica da indústria, e que causou pesados prejuízos a diversos fabricantes, dos quais alguns não sobreviveram como entidades independentes. Os investimentos em tecnologia se apresentam cada vez mais elevados – tornando simplesmente proibitiva a existência de uma empresa com uma modesta escala de produção.