Como fazer para não perder a cabeça (e o salário) quando a empresa em que você trabalha for comprada pela concorrente mais detestada
Faz um mês, se tanto. Meu amigo Geraldo estava no Nordeste fazendo seu rotineiro giro de visitas a clientes. Aí, resolveu dar uma clicada na internet para saber as notícias do dia anterior e achou as velhas novidades de sempre: um técnico de futebol que caiu, o dólar que oscilou, um político jurando que tudo era intriga da oposição e... a matriz da empresa do Geraldo anunciando uma fusão! Com um de seus concorrentes mais odiados! Os dois presidentes ali na foto, sorridentes, apertando as mãos, e o Geraldo nem tinha sido avisado! Obviamente, a notícia trazia referências pouco animadoras a certas sinergias que a fusão iria trazer. Ou, na linguagem dos Geraldos em geral, "possível degola".
O Geraldo nem precisou pegar o telefone para saber que sua empresa não existia mais. Certamente, naquele momento, um povo estranho estaria circulando pelos corredores e invadindo salas sem a menor cerimônia. Querendo saber quem era quem, quem fazia o que e, principalmente, por que tudo vinha sendo feito daquele jeito -- devagar, sem foco e errado.
Num rasgo de lucidez, o Geraldo agradeceu aos céus por estar longe do epicentro da confusão. Porque a distância lhe daria algo muito valioso -- tempo para pensar. Enquanto seus colegas tinham sido pegos desprevenidos, o Geraldo poderia formular um plano de ação. Que seria, sobretudo, pragmático: no primeiro contato com os novos controladores, ele não iria defender o passado, que já era um assunto encerrado. Iria ser entrevistado para uma nova vaga em uma nova companhia. E isso significava apagar da cartilha as três convicções mais comuns dos fundidos:
O pessoal novo é arrogante. Não, o pessoal novo não é arrogante. Eles apenas vêm de uma cultura diferente. Os romanos ensinaram isso há mais de dois milênios, quando dominaram os gregos. O primeiro passo foi subjugar os vencidos, de preferência humilhando-os. Depois, com mais calma e sem oposição, os romanos foram percebendo que a cultura grega era muito mais rica, e terminaram por incorporá-la.
O pessoal novo é surdo. Pelo contrário, o pessoal novo escuta muito bem; só que não está interessado em velhas histórias e, principalmente, em velhas desculpas.
O pessoal novo é insensível e quer mudar tudo. Ótimo. Realmente, a empresa estava precisando de mudanças e a fusão catalisou o processo. O Geraldo imaginou o que aconteceria se a situação fosse inversa. Se a empresa dele tivesse assumido o controle da outra, será que ia deixar tudo como estava? Iria permitir que aqueles incompetentes continuassem a afundar o negócio? Claro que não. Então, quem manda sempre toma a decisão certa, mesmo que ela seja errada.
Ao contrário de muitos colegas que foram expurgados sem dó nem piedade, o Geraldo conseguiu manter o emprego graças a seu pragmatismo. A lição que ele tirou do episódio é que os neofundidos nunca devem se deixar enganar pelos estereótipos. Tanto que, após um mês de convivência, o Geraldo pôde constatar que suas impressões iniciais realmente estavam equivocadas. O pessoal novo não era arrogante, surdo nem insensível. Era muito pior.
Max Gehringer (max.g@uol.com.br) é autor do livro Máximas e Mínimas da Comédia Corporativa