Manual de sobrevivência em Fusões e Aquisições

Você chega para trabalhar e descobre que a empresa mudou de dono. Sonho distante? Não, realidade próxima. Saiba então como evitar que isso vire um pesadelo

Mauro Silveira

Bomba! Bomba! Sua empresa vai se fundir, ou acaba de se fundir, com a concorrente - ou com uma não-concorrente, tanto faz. Ou, simplesmente, vai ser comprada, ou acaba de ser comprada por outra empresa. Ou, ainda, houve uma mudança nas posições dos controladores e um novo grupo assume o poder. Difícil de acontecer no seu caso? Olhe um pouco o que anda acontecendo no mundo dos negócios deste país nos últimos cinco anos e, antes de achar que fusões, aquisições e mudanças de controle são coisas distantes do seu dia-a-dia, pense de novo. É perfeitamente possível, sim, senhor, que esta seja a próxima notícia importante que você vai receber na sua vida profissional - e, dependendo da área de atuação da sua empresa, a probabilidade de que ocorra esse tipo de virada radical é muito maior hoje em dia do que em qualquer outra época.

Que o digam, só para ficarmos num exemplo recentíssimo e conhecido de todos, os funcionários da Brahma e da Antarctica, as maiores cervejarias do país. As duas rivais, num belo dia do último mês de julho, simplesmente anunciaram sua intenção de fundir-se na Ambev - American Beverage Company, uma operação que está para ser aprovada pelas autoridades federais. Não eram inimigas viscerais? Eram. Mas agora estão do mesmo lado da trincheira, compartilhando munição, estratégias e conhecimentos. A lição não poderia ser mais clara. Se Brahma e Antarctica se uniram, o mesmo pode acontecer com qualquer outra empresa brasileira - inclusive com a sua. Pense, voltando um pouco mais, na fusão do Unibanco com o Nacional. Na absorção do BCN pelo Bradesco, ou do Bamerindus pelo HSBC. Na série de aquisições de empresas feita pela Parmalat, pela Lucent ou pela Gessy Lever. Nas dezenas de compras que mudaram por completo o setor de autopeças. Nas megafusões internacionais, decididas longe daqui, como a que deu origem à Novartis... e por aí vai.

Esta é a lógica (não apenas a moda) da nova economia que surge na virada do milênio. A cada semana ocorrem em média 200 fusões e aquisições em todo o mundo. E a tendência é a de que essa roda-viva gire cada vez mais rápido. No ano passado as fusões e aquisições movimentaram no mundo algo em torno de 2, 4 trilhões de dólares. Só no primeiro semestre de 1999 as cifras chegaram a 1,5 trilhão de dólares - e não páram de crescer. O Brasil, é claro, não está imune a essa onda. Segundo dados da KPMG Consulting, de 1994 até o final de junho deste ano foram feitos 1 580 acordos de fusão ou aquisição no país - 142 no primeiro semestre deste ano, o que dá mais de uma operação a cada dia útil. Lideram o ranking de fusões e aquisições no país no primeiro semestre de 1999 os setores de telecomunicações (26), supermercados (12) e alimentos, bebidas e fumo (11). Cerca de 60% das transações envolveram capital internacional.

Muito bem - e você nisso tudo? Comecemos pelo começo. A primeira - mais importante e mais sincera - pergunta que qualquer pessoa faz numa fusão ou aquisição é a seguinte: o que vai acontecer comigo? Na vida real é disso, no fundo, que se trata. E, quando você pergunta "o que vai acontecer comigo", está querendo resposta, antes de mais nada, para uma questão fundamental - se você vai ou não manter o seu emprego. Afinal, pela lei das probabilidades, há grandes chances de que na outra empresa haja uma área equivalente à sua - e uma pessoa que exerça a mesma função que você. Qual das duas permanecerá? A partir daí, começa a se desdobrar uma longa lista de perguntas subordinadas. Caso eu fique, minha vida vai melhorar ou piorar? Vou ter um novo chefe? E como será ele? Meu departamento vai ser mantido, fundido, extinto? Será que vou ter de mudar de prédio, de cidade, de estado? O que vão querer que eu faça? Como ficam o plano de carreira, a promoção ou o aumento salarial que eu havia negociado com a antiga chefia?

O grande ponto, como dito acima, remete à lei da física segundo a qual dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Em situações de fusão ou compra de empresas, para cada função geralmente há dois profissionais e apenas uma cadeira. "As empresas que passam por um processo de fusão costumam reduzir o número de funcionários em cerca de 25% no primeiro ano", afirma Marcos Nascimento, gerente corporativo de recursos humanos para a América do Sul da empresa de consultoria PricewaterhouseCoopers. "No caso dos executivos, o corte chega a 50%." Seis em cada dez administradores, segundo a Security Data Co., deixam o cargo durante os cinco primeiros anos de fusão. É natural. Uma das perspectivas básicas de qualquer fusão é a possibilidade de ganhar eficiência por meio da redução de custos. Para quê dois RHs, duas tesourarias, duas cobranças?

Ninguém vai lhe dizer que é fácil sobreviver a um choque desses. Mas é certo, ao mesmo tempo, que manter o emprego depende, em grande parte, de você mesmo. O especialista norte-americano Mitchell Marks, que nos últimos 15 anos atuou como consultor em mais de 60 empresas em fase de fusão ou aquisição nos Estados Unidos, estranha, por exemplo, o fato de as pessoas ainda se surpreenderem com uma fusão ou venda da empresa em que trabalham. "Elas se sentem estressadas quando perdem o controle das coisas", diz ele. "Mas esse é o momento ideal para considerar a possibilidade de uma mudança radical na vida. Ignore por alguns momentos que sua empresa está em processo de venda ou de fusão. Questione-se: se você fosse fazer alguma mudança em sua carreira, o que faria? Você pode assumir uma postura de vítima ou transformar a mudança numa grande oportunidade." O fato é que o profissional tem de estar preparado o tempo todo para enfrentar a situação, se ela acontecer - e sobreviver antes, durante e depois do processo. Você não pode ser pego de surpresa pela notícia da fusão nem pode começar a pensar em suas alternativas só após o fato consumado. Pense desde já - e trate, desde já, de ser o melhor no que você faz.

Ter consciência dessa realidade coloca o profissional vários passos à frente dos colegas de trabalho. Se o seu desempenho estiver sendo brilhante hoje, e se você tiver resultados concretos para demonstrar isso, é difícil que seus novos superiores não percebam. Lembre-se de que eles, em princípio, estão em busca de eficiência - e freqüentemente optam por ficar com os melhores, independentemente de que lado da fusão o funcionário se encontre. Essa preparação também permitirá que você enxergue oportunidades que os outros ainda não perceberam, já que estão assustados demais ou ocupados demais falando mal da nova empresa, do chefe, dos projetos. "É comum o executivo sentir raiva da sua empresa quando ela é vendida ou se funde com outra", afirma Lêda Novais, da M&A Intersearch, empresa especializada em recrutamento de executivos. "Ele se considera traído, pois acha que ninguém reconheceu seus anos de dedicação."

Na maioria das vezes, a postura da pessoa em relação à nova fase da empresa é o fator decisivo para sua permanência na empresa. Quando uma organização anuncia sua venda ou fusão, os funcionários geralmente entram em parafuso. Muita gente pula fora do barco antes mesmo de saber se as nuvens que estão se formando no horizonte são realmente negras - e acabam até indo para uma pior. Outro fator que contribui para a saída de pessoas que ocupam cargos estratégicos é o voraz assédio dos headhunters. Eles estão atentos a tudo o que acontece no mercado - e, quando uma empresa entra num processo de fusão, fica mais fácil seduzir bons talentos que se sentem inseguros no emprego. É claro que manter a postura acertada bem no meio dessa turbulência toda não é fácil. Temos uma prevenção natural em relação ao desconhecido; a rotina, simplesmente, é mais confortável. Mas se você não tem o poder de mantê-la... trate de investir na melhor atitude diante da mudança. Ter capacitações profissionais de alto padrão é importante, fundamental, mas não basta. "A empregabilidade de uma pessoa se define em dois eixos: o de conhecimentos específicos e o comportamental", afirma José Paschoal Rossetti, professor e pesquisador da Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais, e um especialista em fusões e aquisições de empresas. Eis, segundo ele, as características e virtudes que um profissional moderno deve ter para garantir o seu lugar ao sol:

1 Poder de negociação;
2 Capacidade de desempenhar várias funções;
3 Rapidez em se adaptar à cultura predominante;
4 Fortes relações pessoais no ambiente de trabalho;
5 Disposição tanto para ser a estrela da empresa como para carregar o piano;
6 Saber trabalhar em equipe e lidar com pessoas com pontos de vista diferentes;
7 Pleno domínio do idioma inglês e de informática;
8 Percepção de estratégia a longo prazo;
9 Vivência internacional;
10 Bom histórico profissional


As cobranças e exigências aumentam a cada dia, e isso faz com que muita gente se volte contra a fusão. Cuidado. Adotar uma postura negativa não o levará a lugar nenhum. Ou melhor: poderá conduzi-lo, isso sim, para o olho da rua. Nenhuma organização que está investindo dezenas ou centenas de milhões de dólares numa transação quer ter em suas fileiras um funcionário remando contra a maré, torcendo para que tudo dê errado e volte a ser com era antes. "É indispensável cultivar uma atitude positiva, de alto-astral", diz Gutemberg de Macedo, presidente da Gutemberg Consultores, empresa especializada em gestão de capital intelectual e aconselhamento de carreira. "Não viva do passado. Pense como os novos donos, pois assim você estará dando um enorme passo para manter o seu emprego e evoluir dentro da organização."

Por outro lado, simplesmente pendurar-se num saco também não resolve o problema. As empresas, ao optarem pela fusão, estão tomando decisões radicais que requerem pessoas ativas, e não passivos yes-men. Isso, para não mencionar o fato de que muitas vezes a pessoa adulada não está em condições de apadrinhar quem quer que seja.

Não perca tempo, portanto, procurando culpados. Ninguém está criando um caso pessoal com você. Quando duas empresas avaliam uma possível fusão, as preocupações estão voltadas para os negócios, análise de mercado, potencial de crescimento, investimentos - em suma, como fazer melhor, juntas, o que antes faziam separadas. "Os principais objetivos de organizações que se unem são expandir a área geográfica de atuação, ampliar escalas de produção, reduzir o custo total médio dos produtos e promover a reengenharia dos processos produtivos", diz o professor Rossetti, da Fundação Dom Cabral. É uma questão de sobrevivência das instituições. Veja o exemplo da Brahma e da Antarctica. Elas poderiam prosseguir com a tradicional guerra das cervejas ainda por um bom tempo, disputando espaços publicitários em sambódromos, patrocinando campeonatos de futebol e contratando estrelas da MPB a peso de ouro para seus comerciais. Separadas, eram as donas do mercado brasileiro. Juntas, tornaram-se a terceira maior empresa do setor no mundo, ficando atrás apenas da americana Anheuser-Busch (dona da marca Budweiser) e da holandesa Heineken, que faturaram no ano passado respectivamente 11,2 bilhões e 7,3 bilhões de dólares.

Brahma e Antarctica partiram para o ataque porque tiveram de fazer isso. Como qualquer empresa brasileira, ambas tinham enormes dificuldades para continuar investindo individualmente no crescimento de seus negócios, diante do custo exorbitante do crédito. Sua expansão para o exterior, um ponto crítico no mercado de bebidas, estava severamente limitada. Sabiam que estavam expostas (e vulneráveis) a uma possível investida externa. O que seria de uma delas se a outra fosse comprada por uma gigante mundial do setor? Dessa forma, o melhor a fazer era mesmo unirem forças e tornarem-se gigantes. Assim, a verde-amarela Ambev nasceu com um faturamento de 6,6 bilhões de dólares. É desde já a maior empresa privada brasileira e dona de uma fatia de 70% do mercado nacional de cervejas. Além de poder resistir aos ataques de grupos estrangeiros, a Ambev tornou-se uma megaempresa capaz de conquistar novos mercados fora do Brasil - e ameaçar suas rivais. Caso a fusão seja aprovada, passará a fazer parte do seleto grupo de empresas que dão as cartas e definem as regras e o ritmo do jogo.

Não é preciso ser nenhum vidente, no entanto, para saber que seus 17 000 funcionários estão se sentindo com a cabeça a prêmio. Por quê? Porque outro importante objetivo da fusão é reduzir custos. E na maioria das vezes isso só é possível enxugando a organização, cortando as gorduras excedentes e - é claro - livrando-se dos menos qualificados e daqueles que não se enquadram no novo desenho da empresa. (As especulações sobre cortes na Ambev, por exemplo, já começaram. A Antarctica divulgou uma nota oficial no mês passado desmentindo a demissão de 1 000 pessoas.) De qualquer forma, o corte de pessoal durante um processo de fusão é praticamente inevitável. A recente união entre os laboratórios Astra, da Suécia, e Zeneca, da Grã-Bretanha, ocorrida oficialmente em maio deste ano, mostra isso claramente. A operação que deu origem à AstraZeneca, avaliada em 36 bilhões de dólares, colocou o grupo no topo do ranking mundial das indústrias farmacêuticas. As vendas conjuntas devem alcançar a cifra de 17 bilhões de dólares. Só a subsidiária brasileira deverá faturar cerca de 250 milhões de dólares. O lado ruim da moeda: 6 000 funcionários do grupo serão demitidos nos próximos três anos no mundo. E demitir não é uma experiência agradável. "Contratamos uma consultoria para ensinar nossos líderes a conduzir esse processo da forma menos traumática possível", afirma Carlos Alberto Felippe, presidente da empresa no país. "Muitos deles não estavam preparados para essa missão. Mesmo tomando todos esses cuidados e oferecendo um bom pacote de desligamento, algumas pessoas saíram magoadas. Eu as compreendo e acho até que têm uma boa dose de razão."

Há empresas que sabem conduzir processos de mudança, como foi o caso da AstraZeneca. Outras, no entanto, preocupam-se unicamente com as negociações e esquecem-se das pessoas. "Algumas instituições são perversas nesse aspecto", afirma Gutemberg de Macedo, da Gutemberg Consultores. Por exemplo: quando uma empresa é comprada ou se une a uma outra de maior porte, seus funcionários se sentem, na maioria das vezes, em desvantagem em relação aos outros. "A preocupação, a ansiedade e a expectativa são maiores para quem está sendo vendido junto com a empresa", diz Aprígio Rello Júnior, diretor de recursos humanos da OESP Mídia, empresa do Grupo Estado. "Os funcionários ficam curiosos para saber quais as pessoas que ocuparão os cargos de comando. Se forem os líderes da outra empresa, o mais provável é que prevaleça a cultura dela, e não aquela a que estavam acostumados."

Rello Júnior conhece bem o impacto que uma transação desse nível tem sobre as pessoas. Ele mesmo enfrentou essa situação duas vezes. A primeira foi em 1995, quando a Hoechst, onde trabalhava, juntou-se à Sarsa. Depois, a mesma Hoechst se unia à Rhodia para a criação da Fairway. Nos dois episódios, Rello Júnior preocupou-se principalmente em exercer o papel de bombeiro: apagar os incêndios que o pânico e o medo estavam provocando por toda a empresa. "O desconhecido assusta, mas as pessoas precisam saber enfrentar a situação de forma positiva", afirma. "O melhor a fazer é agir como se fosse um novo emprego: você vai passar por um processo de seleção e, uma vez aprovado, terá que buscar qualificações, fazer um bom network, provar que tem capacidade e potencial para permanecer na instituição, saber quais habilidades são consideradas essenciais a partir de agora e os cursos que precisa fazer para atender a essas necessidades."

Se fusões e aquisições podem se transformar em um pesadelo para as pessoas, o mesmo pode acontecer com as empresas que não seguem uma estratégia bem traçada. O resultado é que, em vez de a união ser a salvação do negócio, ela se transforma no principal causador do naufrágio. "A maior parte dos fracassos das fusões acontece no início do processo", diz Luís Eduardo Frisoni Júnior, sócio-diretor de operações para a América do Sul da PricewaterhouseCoopers. Por isso é importante saber avaliar o comportamento da empresa. Há algumas regras básicas, segundo Frisoni, que precisam ser seguidas num momento de aquisição ou fusão:

1 Ela tem de ser feita de forma rápida e não deve levar mais do que um ano para ser concluída. "Quando o processo é lento, a nova empresa deixa de gerenciar o seu negócio e passa a administrar a fusão", diz Frisoni.

2 A estratégia e os valores organizacionais devem ser claros e bem definidos. Todos os funcionários precisam estar bem informados sobre esses aspectos.

3 As pessoas têm de estar concentradas no objetivo maior da empresa. Não pode faltar ambição.

Se essas regras não estiverem sendo seguidas pela empresa em que você trabalha, é hora de se colocar em estado de alerta. Nessas condições, é mais fácil ocorrerem injustiças e demissões desnecessárias. Pessoas capacitadas são mandadas embora e acabam levando com elas parte da história e da memória da antiga empresa. Pode sobrar para qualquer um, como se fosse um tiroteio no escuro. Uma fusão que começa dessa forma tem tudo para naufragar - e prejudicar muitos outros profissionais. A própria PricewaterhouseCoopers precisou fazer a lição de casa e colocar em prática as suas teorias. A empresa é resultado da fusão ocorrida em junho do ano passado entre a Price Waterhouse e a Coopers & Lybrand. A preocupação dos homens que comandavam o processo de união das duas organizações era manter as equipes informadas sobre o que estava acontecendo. Quando o negócio foi oficializado, não houve pânico. E as pessoas puderam refletir melhor sobre seus respectivos papéis na nova empresa e decidir se queriam ou não prosseguir no time. Resultado: o número de funcionários em todo o mundo no primeiro ano de vida da PricewaterhouseCoopers aumentou de 142 000 em junho do ano passado para 157 000 no final do primeiro semestre deste ano.

Esta é uma história com final feliz, mas o normal, na fusão ou venda da empresa, é uma sucessão de adversidades. Elas estão tanto nos momentos de negociação da fusão ou aquisição como na etapa seguinte, de consolidação da nova empresa. Enfrentá-las não é uma ciência exata e, em boa parte dos casos, usar o bom senso é o melhor remédio. Veja como profissionais que se deram bem nessas situações lidaram com os obstáculos mais difíceis:

1) Reavaliação - Você trabalha há vários anos na mesma empresa. De repente, de uma hora para outra, é convidado para não dizer intimado - a participar de uma entrevista de seleção, que vai decidir a sua permanência ou não na empresa. Foi exatamente o que aconteceu com Carlos Alberto Felippe, presidente da Zeneca, quando ficou decidida a fusão com a Astra, em dezembro de 1998. Do outro lado havia um presidente tão competente quanto ele: Gabriel Tannus. Dois grandes executivos. Uma única presidência. Felippe recebeu um questionário de 20 páginas para responder. Além disso, foi sabatinado e questionado sobre seu trabalho à frente da Zeneca. Em momento algum, no entanto, ele se sentiu desprestigiado por causa da avaliação. "Procurei encarar aquilo com naturalidade, pois, mesmo gerenciando a fusão no Brasil, havia a possibilidade de o grupo querer outra pessoa no comando ao final." Três fatores, segundo ele, foram determinantes para sua escolha: seu histórico de bons resultados à frente da Zeneca, a capacidade estratégica que demonstrou ao longo da carreira e o espírito de liderança antes e durante a fusão. Ser reavaliado faz parte do jogo. "Eu queria continuar no grupo e deixei isso claro, pois sabia que a futura empresa teria uma série de desafios pela frente. E nada me motiva mais do que trabalhar quando não tenho domínio do todo. Nessas horas eu inovo, crio e faço as coisas acontecerem."

2) O fator surpresa - Enquanto Carlos Alberto Felippe assumia de vez a direção da AstraZeneca, o gerente Paulo César dos Santos Frigério, da Astra, levava um choque ao ligar o computador: tinha acabado de receber um e-mail da matriz, na Suécia (assinado por uma pessoa da qual ele nunca tinha ouvido falar), informando que a empresa estava se unindo à Zeneca. Até então, na sua avaliação, a postura da empresa era a de que isso jamais aconteceria com a Astra. "A primeira coisa que fiz foi obter informações sobre quem era o nosso novo parceiro. Depois, comecei a encarar a fase de entrevistas e testes como um processo natural de seleção para trabalhar em outra empresa." Frigério passou então a participar de reuniões com a direção da empresa, inclusive nos fins de semana e feriados. Mostrou disposição em ajudar e resistiu ao assédio dos headhunters. Acreditava que a fusão ofereceria ótimas oportunidades profissionais. "Fugi das rodas de fofoca, pois sabia que estava sendo avaliado e não era isso que eles queriam ver em mim", afirma. Em agosto ele deixou o escritório da Astra, no Morumbi, e transferiu-se de vez para a sede da Raposo Tavares, que abrigava a Zeneca. Novo chefe, colegas desconhecidos, políticas salarial e de recursos humanos diferentes, sala nova. No final, o esforço e a dedicação foram reconhecidos. Frigério foi promovido a gerente de produtos.

3) Falta de informação - Você sabe que algo vai acontecer. A saúde financeira da empresa não é das melhores... Os boatos estão por toda a parte... Falam em demissão em massa... A diretoria da empresa permanece muda... As poucas notícias, nem sempre confiáveis, chegam pelos jornais... O executivo Celso Antonio Marquez viveu essa tormenta durante todo o primeiro semestre deste ano. Ele era gerente-geral do Mappin, uma instituição do comércio paulistano - e só ouvia boatos sobre a falência da empresa. "Até o último momento, todos os funcionários acreditavam que surgiria uma solução para o caso", diz ele. A tábua de salvação foi o Grupo Pão de Açúcar, a cadeia de supermercados que acabou arrendando duas das principais lojas do Mappin em São Paulo. Durante algumas semanas, Marquez não sabia se ainda era funcionário do Mappin ou se já estava trabalhando para o Pão de Açúcar. Promovia reuniões diárias com seus subordinados para acalmá-los e desmentir os boatos. Assim, conseguia controlar os ânimos e a falta de informações. "Eu dizia o tempo todo que a empresa podia falir, mas que também tínhamos chances de sair bem dessa história. No final, conseguimos salvar todos os 834 empregos. Eu amadureci muito profissionalmente com tudo isso. Aprendi que, mesmo numa derrota, podemos sair como vencedores."

4) Choque cultural - Quando soube que a Compexpress (distribuidora de produtos de informática) seria comprada pela multinacional CHS, o executivo Luis Carlos Rocha se assustou. Não que aquisições de empresa fossem algo novo em sua vida. Ele mesmo, quando trabalhava na Rima Impressoras, em 1992, foi um dos coordenadores do processo de compra da concorrente Elebra, outra empresa nacional do setor. Seis anos depois, no entanto, no início de 1998, quem estava sendo comprada era a Compexpress. E justamente por uma multinacional, no caso a CHS. "O choque cultural foi muito grande", diz. "Era tudo diferente: estratégia de mercado e de marketing, produtos, administração. Além disso, eu estava acostumado com uma empresa nacional e agora tinha que responder a uma matriz que ficava nos Estados Unidos." A saída encontrada por ele foi demonstrar o tempo todo que estava disposto a colaborar. Analisou friamente a situação e as tendências do mercado e concluiu que aquele era o melhor caminho. "Quando me conscientizei disso, comecei a imaginar como seria a empresa no futuro. Passei a dar sugestões e idéias. Usava sempre a palavra nós, deixando bem claro que eu me considerava parte do time deles." A estratégia funcionou. Rocha tornou-se em menos de um ano diretor comercial da CHS Brasil.

5) Lentidão do processo - A fusão ou venda da sua empresa foi anunciada há mais de um ano e o processo continua se arrastando. A conclusão parece ainda estar longe. Poucos perceberam, mas os negócios ficaram em segundo plano, pois todos estão ocupados discutindo detalhes da venda ou da fusão. Esse é um erro que já custou muitos empregos - e levou ao fracasso muitas empresas. Não foi o que aconteceu com a SID Telecomunicações, empresa do Grupo Sharp, que foi adquirida pela Lucent Technologies em 1995. Mas a demora de mais de um ano até a conclusão do negócio deixou todos os funcionários preocupados. "Vi muita gente deixando a empresa precipitadamente por causa do medo", afirma José Floro Sinatura Barros, hoje diretor de suporte e negócios da Lucent. Na época ele era gerente comercial da SID e uma de suas principais missões era conter o pânico dentro da empresa e motivar as equipes. "A demora nos levou a uma grave crise de identidade. Trabalhávamos para a SID ou para a Lucent? Quem estava no comando?" Floro procurou manter a calma. Sabia que a SID estava sendo comprada por uma das maiores empresas do setor. Portanto, o mais provável é que eles tivessem boas chances de crescer profissionalmente. Foi essa a mensagem que ele procurou passar para os funcionários. "Disse que tínhamos muito o que aprender com a Lucent. Isso era uma verdade. Mas eles também precisavam dos nossos conhecimentos para compreender melhor as particularidades do mercado brasileiro." A idéia era mostrar que ninguém da SID estava em posição de inferioridade. Dois anos depois, Floro assumiu a diretoria de suporte e negócios. Uma prova de que sua estratégia deu certo.

6) Ameaça de demissão - Você já viu algum juiz voltar atrás na marcação de um pênalti? É algo tão raro quanto uma empresa anunciar que você não faz mais parte dos planos dela - e de repente pedir para você ficar. Quem passou por essa experiência foi o diretor de tesouraria internacional do Unibanco, Luiz Maurício Jardim. Ele era o diretor de captação externa do antigo Banco Nacional, em 1995, e começou a ouvir boatos de uma possível fusão com o Unibanco. Estava em sua casa, descansando num fim de semana, quando descobriu que o Nacional tinha sido comprado pelo Unibanco. Não era uma união, mas sim uma compra. "Senti muita insegurança", afirma. "A primeira coisa que me passou pela cabeça foi imaginar o que iria acontecer comigo." A diretoria que Jardim comandava no Banco Nacional era responsável por várias áreas. No Unibanco, contudo, elas eram separadas. Havia um executivo para cada uma. Ele percebeu que iria sobrar. Reuniu-se com a direção do banco e acertou os detalhes do seu desligamento. Propôs ficar mais 15 dias. "Eu tinha uma série de informações importantes que desapareceriam se fosse embora naquele instante. Isso prejudicaria o banco." Nas duas semanas seguintes, trabalhou como nunca. No 15o dia, foi chamado. Conversou com o executivo responsável pela área internacional, que prometeu ajudá-lo numa nova recolocação. No dia seguinte, quando procurou o departamento de recursos humanos para oficializar seu desligamento, recebeu uma proposta inesperada: cuidar da captação externa do banco e tocar o projeto de ampliar a atuação do banco no exterior. Era, segundo ele, um grande desafio. Decidiu aceitar e está lá até hoje. O segredo de Jardim para reverter a situação desfavorável? Ele mesmo responde: "Minha atitude proativa mesmo sabendo do desligamento, a postura de simpatia que tive com todos e uma boa dose de sorte, é claro". Com a aquisição do Nacional, o Unibanco aumentou sua presença fora do país e consolidou a participação nos setores de seguros, capitalização e cartão de crédito. Passou de quarto para terceiro lugar no ranking dos bancos privados brasileiros. O número de agências e postos de atendimento saltou de 734 para 1 004. O quadro de funcionários, entretanto, foi dramaticamente reduzido, numa demonstração exemplar dos enormes custos humanos que uma grande fusão costuma exigir. Perderam emprego 7 913 pessoas, 4 087 do Nacional e 3 826 do Unibanco, o que chama a atenção para outro aspecto perturbador de um processo de aquisição - estar na empresa compradora (o Unibanco, no caso) pode ser quase tão perigoso quanto estar na empresa que foi absorvida.

7) Perda de poder - Imagine que você seja responsável pelas operações de recursos humanos de sua empresa em todo o país. O novo presidente o chama até sua sala e comunica, em tom solene, que a partir daquele momento somente três estados (justamente os menos expressivos) estarão sob seu comando. Como você se sentirá? Desprestigiado, provavelmente. E com menos poder. O atual diretor de recursos humanos da São Paulo Alpargatas, Arnaldo de Mello Franco, enfrentou uma situação parecida. Em 1997 ele trabalhava na Heublein, tradicional empresa do setor de bebidas, quando soube que ela iria se fundir com a United Destillers. A união deu origem à UDV - United Destillers Vintners. Franco tinha dez anos de casa. Seu papel na fusão foi cuidar da futura estrutura organizacional, analisar as políticas salariais e de recursos humanos das duas empresas, reavaliar e entrevistar os funcionários e manter a equipe bem informada sobre o que estava acontecendo. Depois de cumprir a missão, Franco, que respondia pelo setor de recursos humanos da maioria das empresas da Heublein nos países da América do Sul, recebeu a má notícia. Dali para a frente seria responsável apenas pelo Paraguai, Uruguai e Argentina. "Eu tinha um nível maior de atuação e encarei aquilo como uma perda de poder", afirma. Franco não se abateu, pois já tinha algumas propostas no bolso do colete. Negociou um bom pacote de benefícios, que incluiu um programa de outplacement. Enquanto enfrentava os testes e as entrevistas de seleção, aproveitava o tempo livre para descansar, fazer um check-up completo e participar de cursos no exterior. Cinco meses depois de deixar a UDV, ele fechava com a São Paulo Alpargatas. "Estou satisfeito, pois trabalho numa grande empresa e o plano de remuneração variável aqui é bem melhor. Em alguns casos, buscar novas oportunidades é a melhor decisão. Mas isso precisa ser muito bem refletido e avaliado."