REESTRUTURAÇÃO DE EMPRESAS
Papel das fusões e aquisições na internacionalização da economia
Prof. Doutor João Carvalho das Neves
Professor Auxiliar Agregado
Instituto Superior de Economia e Gestão
Rua Miguel Lúpi, 20 - 1200 LISBOA
Tel directo: 3925962 * Fax: 3909867
email: jcneves@iseg.utl.pt
Documento apresentado no VI Congresso dos ROC Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 1997
1. Introdução
O presente artigo pretende, de uma sintética, apresentar e discutir o papel das fusões e aquisições nos processos de internacionalização e globalização da economia.
2. As reestruturações na Europa e a criação de valor
O desempenho das reestruturações de empresas a nível europeu tem desapontado, de certo modo, os gestores, pela falta de valor económico criado. Vários estudos evidenciam esse desencanto. A título de exemplo, citamos o estudo efectuado pela ATKearney (empresa de consultoria internacional e pelo IMD (Business School situada em Lausana). Estas entidades lançaram um inquérito de opinião, em 1996, a 211 gestores de topo das grandes e médias empresas em vários países Europeus que tinham desenvolvido, de alguma forma, um processo de reestruturação. 57% dos inquiridos consideraram que a reestruturação efectuada tinha reduzido o valor das suas empresas.
29% Melhoria
14% Sem alteração
57% Redução
Fonte: ATKearney, 1996
O problema deste tipo de reestruturações é a de tenderem a focalizar-se em aspectos muito limitados da gestão e sem visão de médio e longo prazo, como sejam a reengenharia de processos, as reduções de capacidade produtiva, os “lay-off” e outros métodos que não motivam as pessoas para a mudança e só criam barreiras à cooperação e criatividade.
Apesar dos fracos resultados alcançados com estas acções de gestão, a verdade é que a pressão concorrencial continua a evidenciar necessidade de se desenvolverem processos de reestruturação, nos mais diversos sectores de actividade. Só que a reestruturação empresarial terá de ser encarada como uma forma de aumentar o valor da empresa, e de orientar o seu crescimento de forma adequada, reposicionando-a estrategicamente e preparando-a para as necessárias mudanças culturais e organizacionais.
As fusões e aquisições são uma das formas de desenvolvimento utilizadas pelas empresas que pretendem crescer internacionalmente.
3. Alternativas estratégicas de crescimento internacional
As opções que uma empresa tem para crescer internacionalmente são as seguintes:
a) Exportação;
b) Licenciamento a empresas do país de destino para produzir os produtos da
empresa internacional;
c) Investimentos de raiz no país de destino;
d) Aquisição de empresas ou fusões no país de destino;
e) Alianças estratégicas (“joint venture”) com empresas do país de destino.
Estas alternativas de penetração no país de destino apresentam diferentes vantagens e inconvenientes, que devem ser analisadas caso a caso. O objecto desta comunicação reserva-se exclusivamente à discussão da evolução e papel das fusões e aquisições na internacionalização da economia.
4. Tendências recentes das fusões e aquisições transfronteira
As fusões e aquisições são, tipicamente, um fenómeno económico que ocorre por vagas. Nos últimos anos tem-se verificado uma vaga de crescimento das fusões e aquisições, não só a nível interno de cada país, como a nível de operações transfronteira.
Também se verifica que à medida que as industrias se globalizam, as fusões e
aquisições transfronteira têm um peso cada vez maior no volume total das transações (isto é de aquisição de empresas). A actual vaga de fusões e aquisições transfronteira podem explicar-se por razões específicas inerentes a cada empresa e cada sector, mas há mudanças globais de mercado que forçam este comportamento empresarial, nomeadamente:
a) As sucessivas etapas de integração das economias dos países da União
Europeia;
b) A globalização dos mercados e produtos;
c) O desenvolvimento tecnológico e os investimentos que lhe estão associados
exigem uma gestão de concepção do produto, marketing, produção e
distribuição, adequada à rentabilização do investimento, passando por
economias de escala e alargamento do campo de acção da empresa;
d) A disponibilidade de capitais para investimento e a inovação financeira tem
concebido produtos financeiros que se adaptam aos risco dos investimentos
e suportam operações de tomada de controlo que há alguns anos atrás
seriam impensáveis;
e) A tendência para a privatização das empresas, em particular nos países de
leste, originou um volume de transacções impossíveis noutro contexto.
Estas forças de mercado explicam, em parte, a ocorrência de muitas das fusões e aquisições internacionais, de onde se destacam as industrias farmacêuticas, químicas, alimentação e bebidas, banca, seguradoras, e outras instituições financeiras, eléctricas, electrónicas, gás e petróleo.
De acordo com um estudo recente (Zelade, 1996) as aquisições internacionais estão a desviar-se dos mercados emergentes (v.g. China) em favor de países mais desenvolvidos, como é o caso do Reino Unido. Há, no entanto, um grande volume de aquisições internacionais na Rússia e na América Latina.
Nos anos oitenta, muitas empresas americanas e europeias, viam Espanha e Portugal como países de destino pelo seu baixo custo de mão de obra. Com a queda do muro de Berlim desviaram a sua atenção para os países de Leste. Parece que essa fase está a passar e que os países ibéricos voltam a suscitar o interesse dos investimentos internacionais.
EUA, Reino Unido e China são os países que sofrem maior volume de aquisições por empresas estrangeiras e os três maiores oferentes são por sua vez os EUA, Reino Unido e Canadá. Esta unidade de medida é, no entanto, pouco clara da importância das fusões e aquisições na reestruturação de uma economia doméstica. Um rácio mais conveniente seria o valor das transacções (de fusões e aquisições) em relação ao Produto Interno Bruto do País ou ainda a sua comparação com o investimento de raiz.
Qualquer destes indicadores não podem ser aplicados em Portugal, por não existirem estatísticas das fusões e aquisições ocorridas no país.
5. Barreiras às fusões e aquisições transfronteira
Se por um lado existem forças que tendem a favorecer o aparecimento de fusões e aquisições transfronteira, também existem forças em sentido contrário que tendem a dificultar o seu desenvolvimento e, muitas vezes, a criar o próprio insucesso da estratégia de desenvolvimento. Essas barreiras podem dividir-se em quatro categorias (Sudarsanam, 1995):
a) Barreiras estruturais - estão relacionadas com a legislação que impede de algum modo este tipo de actividade ou com a ausência de serviços de apoio aos processos de aquisição, tais como serviços bancários, consultoria
financeira, contabilística e jurídico-legal. Por exemplo, no Japão, a legislação de 1971 associada às regras de controlo era tão complicada que nos 20 anos seguintes só se realizaram 3 aquisições por empresas estrangeiras (Shibata, 1996). Por contrapartida, as empresas japonesas, ao não encontrarem barreiras estruturais nos EUA, adquirem facilmente empresas locais. O sistema é tão fácil que até a emblemática Hollywood foi tocada pelo sabor da gestão nipónica através da Sony. Claro que estas diferenças de barreiras estruturais se tornaram insustentáveis para os EUA. Depois do acordo bilateral entre o Japão e os EUA em 1990, para reduzir esta complexidade de acesso de estrangeiros ao mercado japonês, foi possível verificarem-se 14 aquisições em 6 anos. De acordo com Shibata (1996) os investidores estrangeiros já detêm 20% ou mais do capital em 73 empresas cotadas no Japão. Tendo em consideração a dimensão da economia Japonesa percebe-se, claramente, a importância das barreiras estruturais enquanto meio impeditivo de acesso ao capital das empresas de um país;
b) Barreiras técnicas - são as dificuldades criadas pelos gestores nas transmissão de quotas e acções, nomeadamente, através de “poison pills”, “golden parachutes” e outras técnicas de defesa. A título de exemplo salientam-se as blindagens aos estatutos efectuados há alguns anos pelo BCP e, mais recentemente, uma situação idêntica de blindagem na INAPA (Semanário Económico, 24/10/1997);
c) Barreiras de informação - são as resultantes de dificuldades de acesso a informação, nomeadamente, inexistência ou fraca qualidade das demonstrações financeiras, desconhecimento público da estrutura de capital
das sociedades e incerteza quanto à eficácia da regulamentação ou mudança ao sabor dos interesses instalados. Espanha, Grécia e Itália são países conhecidos internacionalmente por as suas demonstrações financeiras não
serem tornadas públicas e por não serem aplicados os princípios contabilísticos internacionais, aliás à semelhança do que acontece em Portugal, com as empresas familiares de pequena dimensão. Mas não é só nestes países. Também na Alemanha e no Japão a contabilidade é preparada de acordo com as regras fiscais e as demonstrações financeiras tendem a resultados líquidos subavaliados;
d) Barreiras culturais e tradição - estas derivam da falta de interesse, por parte dos empresários, em alienar o controlo de capital das suas empresas. Esta situação acontece em países onde a venda da empresa possa ser vista
pela sociedade como o acto de um empresário falhado. Pode também acontecer que os empresários não pretendam intromissões nos seus negócios, etc. Outra situação cultural interessante é o facto de nos países nórdicos ser natural a alienação de capital nas PME como forma de o empresário resolver os problemas de sucessão. Em Portugal, pelo contrário, os empresários tendem a querer ver a continuidade dos negócios entre os membros da sua família. A Endesa (empresa eléctrica espanhola) está, ao que tudo indica, a viver neste momento uma barreira deste tipo, pois tem tido muita dificuldade em obter o controlo de capital em empresas chilenas e, recentemente, viu-se forçada a renunciar ao controlo da Enersis (empresa eléctrica chilena) por contrariedades criadas pelos Fundos de Pensões detentores de 33% da sociedade (Semanário Económico, 31/10/1997).
6. Estão as empresas portuguesas preparadas para desenvolver processos de internacionalização?
Chegamos agora à fase de reflectir sobre o contexto português. O aumento de complexidade exige um alargamento de horizontes que muitas vezes só é conseguido com mudança na gestão ou no corpo accionista. Se os gestores portugueses são criticados, o mais das vezes, pela sua visão de curto prazo, será que estão em condições de internacionalizar as suas empresas?
A integração de uma empresa adquirida é sempre um processo complexo, tanto mais se se tratar de uma aquisição internacional. Neste último caso há situações com as quais os gestores não estão familiarizados como seja a língua e a cultura.
De referir que no caso português, em muitos dos sectores será necessário proceder, em primeiro lugar, a uma reestruturação empresarial doméstica, antes de poder avançar para uma internacionalização. A dimensão das empresas portuguesas tende a ser tão pequena que não permite pensar nesse salto qualitativo. É, por isso, necessário iniciar, em muitos casos, a criação de massa crítica a nível nacional avançando com processos de fusões e aquisições nacionais, antes de pensar em fusões e aquisições internacionais.
O caso da CIN é sintomático. A empresa procedeu a uma reestruturação profunda a nível nacional da industria de tintas com a aquisição das melhores empresas do sector, tendo ganho uma massa crítica que lhe permite agora avançar para outros mercados dominando o mercado local.
De referir que, de acordo com o estudo elaborado pela A.T. Kearney e pelo IMD, referido anteriormente, as empresas de maior sucesso nas reestruturações são as que concentraram esforços no crescimento e não no “downsizing”:
Julgamos que o mesmo se aplica às empresas Portuguesas que conseguiram exposições de internacionalização com sucesso. De facto, empresas como por exemplo a Jerónimo Martins, a Cimpor, a Sonae ou a Corticeira Amorim são criadores líquidos de emprego e atingiram uma massa crítica nacional em que é o próprio país que lhes cria agora limitações ao crescimento. Para crescerem nos seus negócios de base de forma rentável têm agora de crescer externamente e, as fusões e aquisições são uma das formas mais rápidas e eficientes de o fazer.
7. Conclusão
A complexidade e a globalização da economia criam características nas industrias que exigem destas reestruturações contínuas. Assim, os gestores têm de gerir as reestruturações em paralelo com as suas atividades diárias. Ou seja, os processos de reestruturação deixaram de ser ocasionais para ganharem um cariz de permanência, o que obriga a que os gestores adquiram formação e experiência neste tipo de atividade à semelhança de qualquer outra. Além disso, a internacionalização exige preparação adicional dos gestores quanto às diferenças culturais e linguísticas.
Referências bibliográficas
Evans, R.1996. Takeover fever rages in Europe, Março, 38.
Global Finance. 1996. 8 Dream cross-border, Janeiro, 34-39.
Leander, E. 1996. High-Tech direct investment is flooding to Spain, Global Finance, Fevereiro, 21-22.
Neves, J.C. 1993. Timing and Economic Value of Mergers and Acquisitions, Ph.D.
Thesis, Manchester University: Manchester Business School.
Shibata, Y. 1996. Get ready for a breakthrough in Japanese M&A, Global Finance, Julho, 15-16.
Sudarsanam, P. 1995. The Essence of mergers and acquisitions, Londres: Essence of Management Prentice Hall Series.
Zelade, R. 1996. Management briefs. International Business, Setembro, 6.
Fonte:
http://216.239.41.104/search?q=cache:M-B0OMyF9fgJ:www.uni.pt/homepages/docentes/RaulCosta/artigos/div_internacionalizacao.pdf+fusoes+e+aquisicoes&hl=pt&ie=UTF-8
(abril/2004)