Autor: Roberto Minadeo
E-Mail: rminadeo@yahoo.com
Julho/2001
FUSÕES E AQUISIÇÕES NO VAREJO ALIMENTAR
INTRODUÇÃO
Em função da abertura da economia brasileira – empreendida no início dos anos 90 – sensíveis alterações no panorama empresarial nacional passaram a ser observadas. O acirramento da concorrência trouxe efeitos negativos, como a quebra de companhias tradicionais. Por outro lado, a maior eficiência empresarial veio representar um importante fator para a estabilização econômica, ao mesmo tempo em que propiciou a prática de menores margens, vindo a beneficiar o mercado em geral e o consumidor em particular.
O setor representado pelo varejo alimentar não é uma exceção, e tem sido palco de um importante processo de consolidação entre os seus diversos players. Entre outras situações, o setor tem assistido a significativos investimentos em tecnologia e logística – ampliando sua competitividade, ao mesmo tempo em que a existência de escala surge como um imperativo a permitir a continuidade dessas inversões. Finalmente, o setor tem assistido inúmeras aquisições de companhias tradicionais por outras – quer novos entrantes, quer outros grupos em fase de expansão.
O presente artigo está focado no tema das aquisições no varejo alimentar, pretendendo apontar a importância desse processo na estratégia das principais redes de supermercados do país. Através de um levantamento das operações de aquisições de empresas realizadas no setor, pretende-se analisar as estratégias de crescimento praticadas pelas principais redes. O estudo também procura fornecer um quadro do setor, à medida que o mesmo foi totalmente redesenhado nos últimos, em grande parte através desse processo de aquisições. Em outras palavras, o estudo apresenta um perfil dos "players" do setor de supermercados no país – pontuado através das aquisições realizadas.
As fontes de cada operação estão apontadas, cabendo destacar a importância do texto produzido pela Abras em 1993, por ocasião dos 40 anos do supermercado no Brasil.
Uma grande dificuldade se observa na obtenção de dados sobre as aquisições de empresas. Ocorrem muitas vezes notícias conflitantes a respeito de aquisições, ou notícias lançadas antes da conclusão de uma certa operação – havendo, portanto, o risco de alguns negócios noticiados não terem sido efetivados. Além disso, existem muitas vezes notícias confusas quanto à natureza da operação realizada – em grande parte pelo fato de haver uma certa cultura que encare a venda de um negócio como uma manifestação de fraqueza ou de derrota.
Enfim, são as dificuldades normais do acesso aos dados sobre os negócios em nosso país, onde a transparência junto ao mercado ainda não é propriamente uma norma – dificultando sobremaneira a atividade de pesquisa.
Apesar desses problemas, o banco de dados – construído ao longo de diversos anos – apresenta um material riquíssimo, permitindo importantes constatações e conclusões a respeito do desenvolvimento do setor em nosso país. Em momento algum o banco de dados pretende apresentar todas as operações de aquisições do setor, retratando apenas aquelas retratadas pela imprensa especializada que o autor teve acesso.
Diante do exposto acima, não se pretende que as aquisições aqui apresentadas sejam entendidas como a totalidade das operações ocorridas no setor ou mesmo a totalidade das operações dos grupos aqui apontados.
Finalmente, o estudo procurou basear-se apenas no banco de dados abaixo na extração das conclusões, deixando ao leitor a tarefa e a liberdade de vir a realizar outros tipos de análises a respeito da estratégia desses grupos.
OBSERVAÇÕES DE CARÁTER METODOLÓGICO
CONSOLIDAÇÃO DO BANCO DE DADOS
Critérios utilizados no cômputo das operações de aquisições:
Número de Aquisições por Década:
Anos 30: 2
Anos 40: 4
Anos 50: 12
Anos 60: 8
Anos 70: 13
Anos 80: 9
Anos 90: 64
2000: 14
Número de Aquisições realizadas pelas Principais Redes de Supermercados:
Critérios utilizados no cômputo das operações de aquisições:
Principais redes de supermercados e número de aquisições de cada uma:
ABC: 4
Bompreço: 5
Carrefour: 10, sendo que uma das adquiridas – Continente – já havia por sua vez feito uma outra aquisição.
Coutinho-Praia: 2 aquisições após essas duas redes terem realizado uma fusão.
Dias: 1
Econômico: 1
G. Barbosa: 3
Intercontinental: 1
Jerônimo Martins: 3
Líder: 1
Pão de Açúcar: 31, entre as quais se conta o arrendamento da rede Paes Mendonça, que por sua vez, adquirira outras 4 redes.
Princesa: 1
Sendas: 9
Sonae: 8, entre eles a CRD, que por sua vez, fizera outras duas aquisições, e a Nacional – que somava quatro aquisições.
Vitória: 1
Zona Sul: 4
ANÁLISE DO BANCO DE DADOS DE FUSÕES E AQUISIÇÕES NO VAREJO ALIMENTAR
A distribuição das aquisições do setor ao longo do tempo apresenta uma clara aceleração do processo a partir de meados dos anos 90. Uma prova disso é o número de 14 operações já realizadas neste ano – e ainda faltam alguns meses para seu término. Além disso, a maior parte das operações dos anos 90 se encontra concentrada na segunda metade dessa década.
Esse fato aponta claramente o acirramento da concorrência no setor. Essa maior concorrência pode ser assim definida – de acordo com o banco de dados:
A evolução do setor varejista no país apresenta uma fase de consolidação, a partir do momento em que as grandes redes se mostram com uma escala de operações que lhes permite a realização de investimentos significativos em comunicação, logística e tecnologia, podendo com isso operar com custos menores do que aqueles praticados pelas redes menores. Por outro lado, essa maior escala exige e ao mesmo tempo vem a permitir um quadro gerencial mais profissional. Ou seja, a escala das operações permite custos ainda menores em um segundo momento, e, por conseguinte, oportunidades competitivas ainda melhores.
O raciocínio acima suscita uma questão a respeito da sobrevivência das pequenas redes. No entanto, parece que o varejo oferece inúmeras oportunidades – devido à existência de tantas necessidades por parte do consumidor. Mas as redes menores não podem concorrer com as grandes em condições de igualdade no terreno em que o porte das operações seja um diferencial competitivo. Em outras palavras, as pequenas redes necessitam concentrar-se em nichos mercadológicos.
Apesar de serem com freqüência acusadas de diminuir o grau de concorrência em um determinado setor da atividade econômica, as aquisições são na verdade um fruto do acirramento da concorrência, e podem perfeitamente contribuir para manter um elevado grau de competição naquele mercado – ao contrário do que pode parecer à primeira vista. Por exemplo, a concorrência entre duas ou três grandes redes em uma determinada região significa maior competição do que a pacífica coexistência de dezenas de pequenos varejistas nesse mesmo mercado.
As operações de fusões e aquisições de empresas possuem um importante papel na estratégia empresarial e também na dinâmica da economia. Constituem uma opção indiscutível para o crescimento de grupos que se encontram saudáveis, ao mesmo tempo em que possibilitam uma solução de mercado para empresas que enfrentem algum tipo de dificuldade, e que viriam a enfrentar problemas muito maiores caso não fossem adquiridas, mas simplesmente viessem a fechar as portas.
Ao longo do tempo, puderam ser observadas operações de fusões e de aquisições que tiveram um papel fundamental na formação de alguns grupos, e em outras ocasiões essas operações constituíram a possibilidade de um determinado conglomerado concentrar-se em seu core business, ou até mesmo de vir a buscar uma nova área na qual buscar alguma expertise específica na qual estivesse deficiente.
Uma análise do banco de dados das aquisições no setor permite constatar que as operações desse tipo estiveram presentes em muitas das grandes empresas do setor no país – em muitos casos, tendo havido operações já a partir dos anos 50.
Grupos nacionais, como Sendas, Nacional e Pão de Açúcar, tiveram expressivo uso das aquisições de outras redes em seu processo de crescimento.
A rede Nacional veio a se fortalecer em seu mercado regional através de aquisições, a partir da segunda metade dos anos 90.
O Pão de Açúcar já fez uma importante aquisição com poucos anos de existência, absorvendo a rede Sirva-se; além disso, veio a dobrar de tamanho com a aquisição da Eletroradiobraz, em 1976, já tendo realizado diversas outras aquisições até essa data. Enfim, o número de 31 aquisições diretamente feitas pelo Pão de Açúcar não deixa dúvidas quanto à importância desse tipo de operações em sua estratégia de crescimento.
Já a rede Sendas fez um uso menos intenso das aquisições. Porém, quando apenas detinha três armazéns, ingressou no auto-serviço justamente realizando uma aquisição. Além disso, a compra de duas redes ajuda no seu processo de consolidação no mercado, nos anos 70. Finalmente, na segunda metade dos anos 90, a Sendas não se ausenta da fase de rearranjo pela qual vem passando o varejo alimentar nacional, e realiza algumas outras operações.
Alguns importantes grupos estrangeiros ingressaram no Brasil via aquisição de redes já consolidadas: assim, o grupo holandês Royal Ahold ingressou no Brasil pela compra de metade do capital do Bompreço, enquanto que os grupos portugueses Sonae e Jerônimo Martins adquiriram várias redes.
O Carrefour cresceu e se consolidou basicamente pela criação de uma rede de hipermercados, chegando à liderança do varejo alimentar nacional no ano de 1990. Porém, a partir da segunda metade dos anos 90, essa estratégia se mostrou limitada para a expansão dos seus negócios no país. Assim, por um lado, o Carrefour ingressou no formato de lojas menores de vizinhança exclusivamente através de aquisições – aperfeiçoando, posteriormente a logística de distribuição. Por outro lado, algumas das redes adquiridas dispunham também de algumas lojas que se enquadravam no padrão de hipermercado – assim, o Carrefour pôde se expandir através de aquisições nos dois formatos de lojas – atingindo a respeitável marca de dez aquisições. Cabe observar que essa rede realizou inúmeras aquisições na Europa, vindo a atingir desse modo a se tornar a segunda maior varejista mundial.
Tanto a Wal-Mart quanto a Makro iniciaram operações no Brasil em associação com grupos locais: a primeira se associou à Lojas Americanas, a segunda à Mesbla; em ambos os casos, os sócios locais vieram a vender suas participações – havendo no caso da Makro a venda dos 40% da filial brasileira no mercado de ações, e a posterior compra dessas aquisições pela matriz. Essas duas companhias têm perseguido até o momento uma estratégia de crescimento baseada na abertura de novas lojas, portanto, sem o recurso às aquisições. Poder-se-ia argumentar que essa estratégia adotada possui limitações, no entanto, para o caso de empresas que possuem uma forte cultura, o crescimento através de aquisições poderia vir a representar uma fonte de problemas. Porém, a Wal-Mart recentemente fez importantes aquisições na Europa e América Latina, podendo parecer que no Brasil busca construir uma certa massa crítica, para vir a realizar aquisições a partir de um segundo momento – e, nessa ocasião, poderá vir a adotar essa estratégia para chegar ao volume de operações que hoje apresentam os líderes Carrefour e Pão de Açúcar.
Finalmente, deve-se destacar o papel do grupo Garantia – que tem se mostrado um importante participante no processo brasileiro de aquisições em geral, e no varejo em especial. Em uma primeira etapa, no início dos anos 80, ingressa no varejo não alimentar, pela compra da Lojas Americanas, que ao longo dos anos, e forma uma rede de 23 supermercados – vendida ao Carrefour nos anos 90. Não há como não tratar aqui de outra importante operação do Garantia, apesar de não ser no varejo: no final dos anos 80, adquire a Brahma – que recentemente protagonizou a aquisição mais chamativa de aquisição de uma concorrente em nosso país, ao comprar a centenária rival Antarctica. Retornando ao varejo, em 1995 o Garantia adquire parte da rede Paes Mendonça – justamente a parcela original dessa rede, na Bahia. Com esses ativos formou a rede Supermar, vendida algum tempo depois ao Bompreço. Em 1997, o grupo Garantia adquire a rede Sé, vendida logo em seguida ao grupo português Jerônimo Martins. Finalmente, em 1998, adquire a rede ABC, que cresce através de algumas aquisições de pequenas redes. A rede ABC parece estar sendo preparada para ser vendida a algum grupo que ainda não esteja devidamente representado no mercado fluminense – como o Royal Ahold, o Sonae ou o Jerônimo Martins. Cabe destacar que esse último grupo já adquiriu do grupo Garantia a rede Sé.
Ainda cabe notar que no caso das redes líderes, e que disputam a hegemonia nacional ou em alguma determinada região, a estratégia de crescer via aquisição de outras redes apresenta um caráter defensivo, ou seja, pode-se verificar a situação de se realizar uma aquisição para que o concorrente não a realize.
Cabe falar das aquisições por parte de empresários.
A Casas da Banha fez uma aquisição importante nos anos 70, dobrando de tamanho. Algum tempo depois, ao adquirir a rede Ensa, ganha projeção no interior do estado do Rio de Janeiro.
Redes menores – como G. Barbosa, Zona Sul e ABC – também vieram a adquirir outras redes – o que se mostrou importante em seu processo de consolidação e crescimento. A operação pela qual as redes capixabas Praia e Coutinho vieram a se fundir surge como uma interessante opção à sobrevivência das redes menores: o fato de logo em seguida esse grupo ter podido absorver outras duas redes é um importante indicador do acerto da estratégia empreendida.
Finalmente, pode ser considerado significativo o fato de grupos menores como Líder ou Vitória, entre outros, serem apontados no banco de dados com pelo menos uma aquisição, mostrando que esse tipo de operações não é um fenômeno apenas reservado às maiores empresas do setor.
CONCLUSÕES
Apesar de o fenômeno de aquisições de empresas apenas mais recentemente vir a receber maior atenção da opinião pública e das autoridades governamentais, pode-se ver que no caso específico do setor do varejo alimentar, essas operações possuem certa tradição e até mesmo constituem uma parte importante das estratégias de crescimento de algumas das maiores redes do país – como a análise acima teve ocasião de apontar.
No entanto, o artigo consegue mostrar uma aceleração do processo a partir da abertura da nossa economia. À medida que tem sido notado um fortalecimento de algumas redes grandes e profissionalizadas – capazes de encarar os pesados investimentos que o setor demanda – pode-se afirmar que as fusões e aquisições no setor são importante instrumento para o aprimoramento do mercado e para a oferta de melhores serviços e de menores preços ao consumidor.
O setor tem passado por uma importante fase de transformação e consolidação, ao mesmo tempo em que tem se caracterizado por apresentar um grande dinamismo – conforme o banco de dados consegue mostrar. Assim, alguns empresários que venderam importantes redes regionais encontraram nichos específicos para voltar a atuar, realizando aquisições de outras redes. Outro indicador desse dinamismo é o elevado número de operações de aquisições realizadas pelas redes líderes nos últimos dois ou três anos.
Através de aquisições, o banco de dados mostra interessantes soluções para redes que apresentavam problemas de ordem financeira ou de falta de sucessores no âmbito familiar. Assim, pode-se entender uma aquisição como uma opção interessante para vir a se solucionar problemas desse tipo, minorando os efeitos que adviriam para a sociedade como um todo frente à traumática solução de uma falência ou concordata.
Mais recentemente, como reação à expansão empreendida pelos maiores grupos via aquisição de redes de atuação regional, tem sido observado um movimento da formação de redes de porte médio, via fusão de pequenas redes locais. Um caso único aqui apontado é da fusão entre as redes Praia e Coutinho, seguida pela aquisição de duas outras redes. No entanto, por exemplo, no Rio de Janeiro tem sido formada a Redeconomia – inicialmente como uma central de compras e de serviços, mantendo ainda as diversas redes a sua identidade jurídica. Enfim, novamente pode-se perceber o potencial das operações de fusões e aquisições para o fortalecimento de redes varejistas, de modo a ganhar a escala necessária a fim de realizar os necessários investimentos em automação e logística destinados ao oferecimento de preços competitivos ao consumidor.
Foram tantas as aquisições ocorridas no setor nos últimos três anos, que se pode afirmar que ao menos uma consulta rápida ao banco de dados acima se faz necessária para se poder conhecer o "quem é quem" do setor na atualidade, ou, em outras palavras, para se ter uma idéia de quão completamente o setor foi redesenhado. Igual profundidade no rearranjo entre os principais players, devido às recentes operações de fusões e aquisições, apenas pode ser notado no setor financeiro.
Cabe ainda acrescentar que um estudo desse tipo, empreendido em profundidade a respeito de um dado setor da economia, procura aproximar o leitor de um determinado padrão de análise que posteriormente poderá ser aplicado pelo próprio leitor a outros setores. Ou seja, pode-se chegar – não sem dificuldades, como se depreende – à formação de um quadro de um setor da atividade econômica, partindo-se dos seus principais players. Apesar de trabalhoso, esse tipo de estudo apresenta uma vantagem: os riscos ficam minimizados, em relação à tentativa de se abstrair uma visão da economia como um todo, partindo-se de dados estatísticos agregados.
Enfim, o estudo também levanta uma questão não destituída de importância, à medida que explicita e procura sanar a dificuldade de se obterem dados a respeito das aquisições de empresas em nosso país. Destaca-se a atuação da ABRAS pelo esforço em publicar importante estudo sobre os 40 anos do setor – que se mostrou de fundamental importância para a confecção deste artigo. Cabe ressaltar que as operações de fusões e aquisições sempre devem apresentar um certo caráter de transparência, dado que necessitam da aprovação de uma agência governamental, e dados os efeitos que acarretam na concorrência e seus efeitos – nem sempre benéficos – sobre consumidores e fornecedores.
Para maiores informações, pode ser interessante consultar o Banco de Dados do Varejo Alimentar.