Análise Fundamental da PT Multimédia em 16-4-2000
Esta análise não pretende ser muito exacta, até porque os dados fundamentais
disponíveis sobre a empresa são muito insuficientes. A conclusão da análise é
pessimista e preconiza a descida das cotações abaixo da actual cotação de 76 euros,
apesar da euforia que se gerou em torno desta acção. Em Novembro do ano passado, aquando
da OPV, recomendei a toda a gente não comprar a acção a 27 euros. A minha ideia era que
as Internet Stocks já estavam inflaccionadas em todo o mundo nessa altura, e que era o
padrão de comparação com cotações de empresas estrangeiras que sustentava a
avaliação da empresa a 27 euros, 54 vezes o valor nominal (o valor a que os accionistas
fundadores, como a PT e Bill Gates entraram na empresa) que é de meio euro por acção.
Pareceu-me nessa altura que o sector tinha grandes riscos e que um crash poderia estar
prestes a acontecer. Pareceu-me que muitas OPVs de Internet Stocks poderiam começar a
falhar por todo o mundo e isso poderia acontecer com a PTM. Um tal falhanço deixaria
facilmente um investidor arruinado, dado o grande número de acções que geralmente se
pede nestas OPVs. Por saber que, para conseguir algumas acções se tem de pedir
quantidades muito grandes, só por isso, aconselhei a não comprar.
Enganei-me. A OPV valeu bem a pena, as cotações subiram, quem lá foi ganhou. Mas quem
comprou as acções a 38 euros maciçamente, quando apareceram na Bolsa, ainda ganhou
mais. A acção subiu fortemente e foi o que se viu. Enganei-me no meu conselho sobre a
OPV, mas os princípios que guiaram a decisão não estavam errados. A acção pode estar
cara, mesmo a 27 euros (também não vou garantir isso). Uma OPV destas pode mesmo
arruinar um investidor e hoje, algumas das que estão a acontecer internacionalmente
estão a fazê-lo. Por isso, não me arrependo do conselho dado. Ou se tem princípios e
uma estratégia ou não se tem.
Meses depois, vendo que a subida da cotação estava imparável, comprei e aconselhei a
compra perto dos 90 euros. O gráfico estava muito bom em termos de análise técnica. Os
volumes tinham diminuído com a cotação numa espécie de patamar, o que, depois de
grandes subidas, é geralmente sinal de continuação da subida. Por isso aconselhei a
compra. Quando a acção chegou aos 135-140 aconselhei a venda. Quem seguiu os meus
conselhos ganhou 50% do capital investido em semanas.
Depois ainda aconselhei mais compras especulativas em diferentes alturas e todas deram
lucro, mesmo em plena queda.
Mas vamos à avaliação. Esta avaliação deve ser considerada muito básica. Penso que a
cotação, mesmo a 76 euros, não é segura, sendo previsíveis maiores descidas. Ela
corresponde a uma capitalização bolsista de 1220 Mc. O facto de a empresa dar prejuízo
agora é irrelevante para a avaliação (ao contrário do que se diz por aí, as Internet
Stocks não precisam de um novo modelo de avaliação; a avaliação é e sempre foi,
baseada nos lucros futuros que uma empresa gerará em velocidade de cruzeiro; esses lucros
podem é ser muito difíceis de estimar). Se considerarmos que a empresa, depois de
terminada a fase de grande crescimento, atingirá uma certa velocidade de cruzeiro, com
lucros que, nessa altura, não estarão a crescer desmesuradamente depressa, então
poderemos calcular que níveis de lucro serão necessários para sustentar esta cotação.
Admitindo um PER de 15 a 20 como típico de empresas nessa fase consolidada, o lucro anual
teria que ser de 80 Mc, para que a cotação actual se sustentasse. A meu ver, será quase
impossível alcançá-lo. Vejamos porquê.
Os negócios da empresa são a TV Cabo, o portal Sapo, a Telepac, a Multimédia, as
Páginas Amarelas, o portal Zip.net. Vejamos os lucros possíveis destes ramos do
negócio.
TV Cabo - A empresa tinha cerca de 770 mil clientes no fim de 99, a que
correspondia uma facturação de 28 Mc. O nº de clientes está a crescer à velocidade de
25-30% ao ano. No entanto, 770 mil casas já são vários milhões de pessoas e Portugal
só tem 10 milhões, pelo que estes crescimentos terão que parar em breve, até porque
há muitas pessoas que não têm mesmo dinheiro para isso. Admitindo que cresce mais 50%,
ficará com 1.15 milhões de lares clientes. A receita média por cliente era, em 1999, de
3300$, mas agora poderá aumentar, porque muitos clientes pagam a Sport TV e o Canal 18
(responsáveis pela maior parte do interesse dos clientes), o que envolve um pagamento de
6 contos por mês e, além disso, outros clientes subscreveram o acesso Internet Netcabo,
que custa 6900$ / mês. Por isso, é provável que as receitas médias por cliente se
situem mais próximo dos 6 contos, digamos, a 5 contos mensais. Isto dará uma
facturação de 1.15 M * 5 * 12 = 69 Mc anuais. Com a facturação actual de 28 Mc a
empresa tinha ligeiros prejuízos, com 69 Mc poderá ter entre 10 e 20 Mc de lucro.
Interessante. Os custos com pessoal são 2.4 Mc anuais, mas terão que aumentar algo. As
amortizações são 4.8 Mc anuais. O que a empresa paga aos canais está nos 21 Mc anuais,
mas também deverá subir. Por isso 20 Mc de lucro é talvez o máximo que a TV Cabo vai
ter.
Portal Sapo - Este portal nunca dará lucro. Foi comprado à Saber &
Lazer por 500 mil contos (um valor "apenas" 3000 vezes mais pequeno do que a
cotação da PT Multimédia aqui há uns tempos...). Vai haver muitos investimentos em
conteúdos e algumas, muito magras, receitas de publicidade. O mercado publicitário total
em Portugal (incluindo jornais, TV, etc) vale poucas centenas de milhões de contos. Desse
bolo, se um terço no futuro, estiver na Internet já será bom. Disso, uma boa parte irá
para os sites temáticos, não para os portais. Consistentemente com isso, as empresas
internacionais especializadas em portais horizontais têm vindo a cair vertiginosamente na
Bolsa (veja-se o Yahoo). As receitas publicitárias, mesmo de um portal como o Sapo,
poderão nunca ultrapassar 2 ou 3 Mc por ano. E isso são receitas apenas, não lucros. E
o investimento enorme que está a ser feito em conteúdos é enorme. Por isso, este sector
dará sempre prejuízo. A vantagem destes conteúdos é gerarem tráfego, quer do NetCabo
(ver item anterior) quer para a rede fixa (mas isso é receita da PT, não da PTM).
Páginas Amarelas - Estas e outras listas que a empresa distribui geram
receitas publicitárias de 25 Mc (consolidado na PTM). Mas as despesas também são muitas
(impressão e distribuição gratuita das listas; não aparecem discriminadas no balanço
da PT). O lucro consolidado deste sector poderá ser algo de 0 a 5 Mc. Além disso, o
balanço refere "várias listas", não apenas a amarela e só a amarela é
pertença da PT Multimédia.
TV Interactiva - Este sector ainda terá muito que percorrer até ser
rentável. O próprio Pinto Balsemão duvida muito dele, pois acha que as pessoas que
consomem mais televisão não gostam muito de interactividade, Querem sentar-se a ver TV,
sem complicações nem cálculos, estão cansadas de um dia de trabalho. O melhor deste
sector poderá ser o comércio online de produtos de grande consumo. Grande parte das
receitas irão para as empresas de e-commerce, não para a PTM. Impossível estimar
resultados.
Multimédia e Lusomundo - A empresa tem 42% da Lusomundo mas isso
custou-lhe muito caro (80 euros por acção). Os lucros consolidados vindos desta
participação são, para já, de menos de 1 Mc. A Lusomundo explora sobretudo cinemas, e
não é de prever um boom nos cinemas. Difícil antever o potencial de aumento.
Telepac - Esta empresa dá prejuízo pois é um ISP e dá tudo de borla.
Ela está no grupo para outros sectores terem receitas. A parte mais interessante, que é
a de soluções para as empresas, está concentrada na PT Prime, não na PTM.
Zip.Net - Isto é um portal, foi comprado caro, não se pode estimar
bem o valor. É apenas o 3º portal brasileiro. Como penso que o próprio Sapo não vale
nada por si, também não acho que este valha. A não ser que ele seja também um ISP que
vá cobrar o acesso à Internet via cabo (a verdadeira rentabilidade de todo o projecto
Internet da PTM). Se for tudo bem. Se for só um portal horizontal, tudo mal.
Em resumo, a jóia da coroa é mesmo a TV Cabo. Poderá atingir, se crescer mais 50%,
talvez, só talvez, 20 Mc de lucro. A participação nas Páginas Amarelas poderá
consolidar um máximo de 5 Mc de lucro. A Lusomundo consolidará 1 Mc e já contando com
os resultados de 2001. Os portais Sapo e Zip estão lá só para servir o resto.
Contando com este lucro de 26 Mc, a atingir dentro de vários anos, a empresa vale, com um
PER de 20 (já para ser generoso, pois será numa fase de crescimento limitado), 520
Mc, o que, com 80 milhões de acções, dá 32 euros por acção. Este
valor é notavelmente próximo do preço da OPV.
Há factores positivos que poderão justificar um valor maior que este:
1) Os lucros da TV Cabo poderão ser maiores que 20 Mc, se a receita média por cliente
subir bem acima dos 6 contos por mês. Isto acontecerá se toda a gente assinar o Sport TV
e o Canal 18 (isso não está a acontecer agora) e se houver um razoável número de
clientes a pagar o acesso Internet NetCabo (200 mil clientes ou mais).
2) O crescimento da TV Cabo poderá ser mais de 50%, ou seja atingir mais de 1.15 milhões
de lares. Mas não muito mais.
3) O acesso NetCabo poderá ser o acesso do futuro, preparado para velocidades da banda
larga ( 2 M bits / seg e mais) o que poderá dar hipóteses à TV Cabo de concorrer no
mercado empresarial com a RDIS da PT, com as redes de alta qualidade que concorrentes como
a Oni, Telecel e Novis preparam.
4) O Zip.Net poderá ser a plataforma para uma conquista importante de receitas no mercado
brasileiro, se a empresa tiver lá um ISP que venda banda larga. Mesmo assim, isso não
justificaria tanto investimento em conteúdos gratuitos (pois podem ser acedidos da
concorrência e, no Brasil, a PT está longe do monopólio).
No entanto, há outros factores negativos não considerados nesta análise simples:
1) Os investimentos na Lusomundo e Zip.net foram caríssimos. Como a PTM tem um pequeno
capital (cerca de 8 Mc), ela teve que se endividar. O serviço desta dívida será muito
superior aos cash-flows que a empresa retirará destas empresas nos próximos anos. Esta
é uma fonte de prejuízos.
2) O investimento maciço em conteúdos www em Portugal e Brasil (Sapo, etc) também vai
dar grande prejuízo. Este investimento, devido ao seu gigantismo, é um risco enorme,
porque a empresa pode nem sequer estar a servir bem o grupo PT. Se os concorrentes da PT
(Sonae, Telecel, Oni...) adquirirem grande dimensão também, o facto de a PTM ter
investido tanto nos conteúdos terá sido uma simples ajuda a eles (será possível
navegar nesses conteúdos sendo cliente dos concorrentes). A lógica desse investimento é
a da manutenção do domínio total, e os domínios totais estão a ruir por todo o lado
(veja-se a Microsoft, o Yahoo, a Amazon). A Internet torna a concorrência mais fácil, e
segurar os domínios mais difícil.
3) A TV Cabo poderá perder o seu monopólio a prazo. Paulo Azevedo da Sonae.com já disse
que quer uma licença de TV Cabo. Há outros à espreita.
4) A Internet está na moda agora e certos sectores poderão passar de moda. A maior parte
do investimento em conteúdos está a ser em multimédia, lazer, música, desporto, etc.
As pessoas poderão fartar-se disso facilmente. Já há indicações de que muita gente
já só está a usar a Internet para o indispensável, concentrando-se em 5 ou 6 sites que
vendem produtos ou serviços importantes, bons e baratos. As pessoas tenderão a ter essa
lista de sites e não ligarão nenhuma aos portais horizontais (ver a entrevista de Coelho
de Campos). O futuro da Internet será muito mais dos megastores de e-commerce e da
corretagem e banca online (ver Banco 7), do que do lazer. O lazer é muito mais bonito
fora de casa ou com os amigos.
Em resumo, a PTM mostra indícios de uma gestão descuidada com o dinheiro, do tipo
empresa pública. Adquire empresas a qualquer preço, investe em conteúdos maciçamente
(o que poderá apenas fazer os concorrentes agradecer). Mesmo lucros de 26 Mc poderão ser
dificilmente atingidos. A TV Cabo e os acessos banda larga darão a maior parte das
receitas futuras e isso poderá ser mais de 69 Mc anuais, mesmo muito mais, mas será
necessário muito investimento também. A política de investimento em conteúdos parece
duvidosa e megalómana. A concorrência poderá comer muito mais mercado do que se pensa.
A nossa avaliação de 32 euros poderá estar, mesmo assim, alta demais, se se confirmar a
perda de monopólio e o desacerto do investimento em conteúdos. No entanto, é possível
que as cotações fiquem mais altas, em torno dos 60-70 euros por muito tempo, dada a
campanha de price-targets optimistas presentemente verificada. Além disso, a acção
também poderá valer os 60-70 euros devido a um crescimento futuro das receitas do acesso
Internet para valores maiores do que estes aqui estimados. Parece aconselhável vender
entre os 76 e os 90 se a cotação tiver uma recuperação. Embora a Espírito Santo
Research recomende agora a compra com um price-target de 143 euros, isso parece-nos
excessivamente optimista.