Comentário à situação da Lisnave em 8-6-2000
Tudo o que se passou com a Lisnave desde 1996 mostra uma tendencia clara para os pequenos accionistas da Lisnave serem pontapeados para fora da empresa, uma empresa que ainda pode ter um futuro e ser rentável. Pontapés? Comportamento não-ético? Vou apenas apresentar os factos, para o leitor concluir.
Em finais de 1996 a Lisnave explorava os dois estaleiros (Margueira e Mitrena) e tinha participaçoes internacionais. Estava com uma trajectória certa de falencia, com prejuizos de 10-16 Mc por ano e situação liquida quase negativa. Houve então uma intervenção do Estado, com perdão de uma série de dividas, injecção de mais dinheiro, a criação de uma empresa estatal (Gestnave) com a única vocação de gerir mão de obra e pagar salários e a criação de novas empresas para explorar as diversas vertentes do negócio. A decisão de intervir foi boa, para salvar os postos de trabalho e uma industria emblemática, o problema é que a situação foi aproveitada pelo Grupo Mello para iniciar uma politica altamente prejudicial aos pequenos accionistas. Logo em 18 de Fevereiro de 1997, a administração da Lisnave publica um comunicado (com um teor funebre, lacónico, semelhante ao de ontem, 7-6-2000) dizendo só o mau (redução de capital, criação da empresa de recursos humanos) e omitindo o bom (que os accionistas da Lisnave antiga subscreveriam acçoes de uma empresa nova, limpa de passivos e com hipóteses de ser rentável). As cotaçoes cairam a pique logo a partir daí. Podemos chamar a isto o primeiro pontapé. A situação manteve-se na incerteza muitos dias, sem nenhum comunicado apaziguador da administração adicional, sem esta mostrar nenhuma preocupação pelo facto de as cotaçoes terem descido para 1/3 em pouco tempo. Dias depois o Sr. José de Mello dá uma entrevista a televisão dizendo apenas "A Lisnave faliu", repetindo esta palavra muitas vezes, ajudado pelo entrevistador, pouco enfatizando os aspectos positivos para os pequenos accionistas (participação na nova empresa limpa de passivos). Nesses dias, claro, a cotação apanha mais um trambolhão, é o segundo pontapé.
Depois vem-se a saber os contornos do processo de reestruturação: não considerando a Gestnave (que fica estatal), os privados ficam com, essencialmente, 3 áreas de negócio: Lisnave Estaleiros Navais, Lisnave Infraestruturas (gestão dos estaleiros), participaçoes internacionais. Os pequenos accionistas recebem apenas uma participação de 37% na primeira empresa, a única que ficará na Bolsa depois. Esta participação de 37% era igual a que detinham na Lisnave antiga. O problema é que não ficam com nada na L-Infraestruturas nem nas participaçoes internacionais e anteriormente participavam nestes negócios com os mesmos 37% que detinham na L-antiga. Este foi o terceiro grande pontapé, um importantissimo e decisivo pontapé (dantes tinhamos 37% do bolo todo, ficámos com 37% de apenas uma das 3 ou 4 fatias desse bolo). Acresce que a L-Infraestruturas (participada só pelo Grupo Mello) receberia anualmente uma renda de 1 a 2 Mc da L-Estaleiros Navais (a única em que temos participação). E esta renda foi paga, por exemplo, em 1998, o melhor ano destes estaleiros, quando a L-Estaleiros Navais teve apenas cerca de meio milhão de contos de lucro. Compare-se este lucro com a renda paga a L-Infraestruturas e pode ver-se como esta ultima (detida a 100% pelos Mello) serviu para descapitalizar a L-Estaleiros Navais. Acresce ainda que não ficámos com nenhuma participação no estrondoso negócio imobiliário que vai ocorrer na Margueira, enquanto o Grupo Mello ficou (através do Fundo Margueira) o que também pode ser considerado ilegitimo, já que esses terrenos estavam afectos a exploração da Lisnave antiga, a qual nós detinhamos também. Este é o quarto pontapé.
Além disso, foram-nos dadas acçoes Sem Voto, enquanto o grupo Mello ficou com acçoes com voto. Este é o quinto pontapé e tem uma importancia enorme, pois enfraquece a nossa posição em tudo (em aumentos de capital, reivindicaçoes, etc). Depois, até meados de 1998, atrasou-se a OPT em que se trocariam as acçoes Gestnave pelas L-Estaleiros Navais, manteve-se os pequenos accionistas na posse de acçoes Gestnave (por que é que não se utilizaram direitos de subscrição, por exemplo?) durante quase 1 ano, criando um clima de ainda maior incerteza e penalizando ainda mais a cotação (o sexto pontapé). Devido a todos estes pontapés (a lista ainda não acabou, ainda ai vem mais), que destruiram tão gravosamente o património dos pequenos accionistas, vários deles lançaram processos judiciais contra a Lisnave e contra o Estado (que deu o seu aval a tudo isto, e não fez nada para evitar esta falta de ética, desde 1997 até hoje).
A situação económica da L-Estaleiros Navais piorou muito em 1999, teve 5 milhoes de contos de prejuizo, mais que a situação liquida da empresa, e continua a ter cerca de 1 milhão por trimestre, o que também não se percebe muito bem, pois esta empresa tem um passivo pequeno, a maior parte não remunerado (conta de fornecedores) e, mesmo a L-antiga (com muito mais trabalhadores do que a actual e com um passivo 10 vezes maior), na maioria dos anos entre 1993 e 1996 teve prejuizos anuais apenas algo superiores a este. Note-se que muitas empresas do Grupo Mello prestam serviços a L-Estaleiros Navais, fazendo-se cobrar por isso (como no caso da L-Infraestruturas, já descrito acima, que lhe cobra 1 Mc por ano de renda). Tudo isto indica, na menos má das hipóteses, uma péssima gestão, claro, pois, por esse mundo fora, muitos estaleiros continuaram a ser bem rentáveis (a mesma gestão que conseguiu transformar a Império, de seguradora lider, na seguradora com a quinta ou sexta posição).
Para resolver os problemas de tesouraria derivados desta situação, o Grupo Mello fez, no fim do ano passado, um novo aumento de capital, reservado só a si próprio, de 3.56 para 6 milhoes de contos. Não deu aos pequenos accionistas a oportunidade de subscreverem também, pelo que a posição destes na empresa reduziu-se de 37% para apenas 22%. Mais um importante pontapé, o sétimo. E isto quando, apesar da má situação, decorriam já negociaçoes com vista a viabilização futura do estaleiro. Note-se que esse aumento de capital com entrada de dinheiro é claramente lesivo dos interesses dos pequenos accionistas mais uma vez, e nem o argumento de que era necessário por razoes de tesouraria colhe, pois podem-se obter empréstimos para esses efeitos (o Grupo Mello, com interesses na banca, com o Banco Mello antes, e integrado no BCP agora, obteria esse dinheiro sem qualquer dificuldade). Mas por que não dar mais um pontapézinho, já que temos um Governo amigo, que fecha os olhos a isto tudo?
Finalmente, o comunicado de ontem. Lacónico, funebre, como já é hábito. Com impactos imediatos na cotação das acçoes, claro. Vai haver redução de capital de 6 M para zero e depois aumento para 1 M. Peço toda a atenção do leitor para os detalhes que se seguem, sobre esse comunicado. Trata-se de uma operação do tipo 'harmónio', redução e posterior aumento. Mas em vez de reduzir para um valor muito pequenino, digamos, 6 mil contos e depois aumentar para 1 milhão (poderia ser assim, em muitas operaçoes destas é assim) escolhe-se reduzir para ZERO. Talvez para enfatizar o termo, assustador, Zero. Hoje, na corretora que frequento, havia muitos pequenos investidores confusos e assustados com isto, e mencionavam o tão falado zero. Claro que zero ou 6 mil contos é o mesmo, relevante é depois o capital ir para 1 M contos, mas zero assusta mais. Depois, o Sr. Anahory, da Lisnave, deu uma entrevista em que não se descose muito mais e continua a dizer a palavra 'zero' muitas vezes, demasiadas vezes: "Sim, o capital vai descer para zero, mas note que é isso que a empresa vale, zero, por isso descer para zero justifica-se", etc. Só faltaria acrescentar que as cotaçoes também deverão descer para zero, é o seu dever. Claro que as cotaçoes hoje estiveram nos 2 euros, 50% abaixo do valor médio de há uns meses. Este foi o oitavo pontapé, um pontapé de contornos bem picantes.
E o que vai acontecer agora no futuro? Penso que poderá estar a preparar-se o nono pontapé que será mais ou menos isto: faz-se a dita redução do capital para 1 milhão de contos, as cotaçoes ressentem-se muito, talvez fiquem pouco acima dos 1000$ (o valor nominal, e valor de subscrição das novas acçoes). Nessa altura, estaremos numa situação extraordinária que vou passar a descrever.
Nessa altura teremos uma empresa cotada, com uma capitalização bolsista total de pouco mais de 1 milhão de contos, que é um dos grandes estaleiros do mundo (cujas capitalizaçoes rondam valores 50, 100 ou mais vezes superiores, mesmo falando de estaleiros menos importantes que o da Lisnave). E essa empresa não estará falida. Terá o futuro assegurado e talvez próspero, garantido pelas novas encomendas que vem ai, e a associação a grupos estrangeiros (há muitos em bicha, ansiosos por entrar). Nesta situação extraordinária (uma grande empresa cotada, com um bom futuro a frente, com uma capitalização bolsista igual a Fitor ou a Texteis Luis Correia), faltará o pontapé final, o décimo. Vamos a ele.
O DÉCIMO PONTAPÉ, poderá assumir duas formas alternativas, para enterrar os pequenos accionistas de vez. Forma A) Como a capitalização bolsista estará tão de rastos, faz-se uma OPA a 1200$, 1400$ ou coisa que o valha e resolve-se a questão. Isso faria os accionistas actuais perderem 5/6 do valor actual (que já é 1/10 do que foi há 3 anos), já que teriam que pagar 1000$ por acção pelas novas acçoes e por cada 6 das actuais só subscreveriam 1 das novas.
Forma B) Esta forma do décimo pontapé é igualmente interessante: o Grupo Mello fará então um novo aumento de capital (a longo prazo é sempre inconcebivel que o capital fique só em 1 Mc) mas reservado só a si próprio. Entrará com novas acçoes a 1000$, aumentando de 1 Mc para 5 Mc, digamos. Garantirá a tesouraria da empresa. O problema será os pequenos accionistas ficarem então com apenas 1/5 da sua percentagem actual (22%), ou seja, ficarem apenas com 4.4%, o que destruirá de vez a sua posição, MESMO QUE A EMPRESA VENHA A TER UM BOM E RENTÁVEL FUTURO. E isto quando seria muito fácil resolver a situação de tesouraria por outros meios (empréstimos bancários, por exemplo, mais a mais quando se está ligado ao grupo BCP).
O que é que poderá tornar este cenário um pouco menos mau para os pequenos accionistas? Acho que ainda há esperança: o mercado aperceber-se do valor da empresa que ai vem, garantida pelas encomendas dos submarinos e associação com parceiros estratégicos, o mercado (ou seja nós) aperceber-se de que o petróleo subiu muito, o que promete um novo periodo de vacas gordas nos negócios das plataformas petroliferas e da reparação de petroleiros, o mercado aperceber-se de que as obras no estaleiro da Mitrena (um dos mais modernos do Mundo agora) são uma grande aposta na continuidade dos negócios, e assim, não ir nesta cantiga, e atribuir as novas acçoes (as que resultarem da redução para 1 Mc) uma cotação de 20 a 25 euros (só a essa cotação um pequeno accionista comprando as acçoes actuais a 3 euros não perderá dinheiro). Só isso poderia garantir uma valor mais alto, não direi justo, mas semelhante a capitalização actual, na OPA depois lançada pelo Grupo Mello. Mas esta clarividencia dos pequenos accionistas não está garantida.
Perante isto, só resta deixar umas perguntas, para o leitor responder, se desejar.
1) O leitor acha que estamos numa Republica das Bananas? Não sei se sim ou não, gostava de saber a sua opinião.
2) O que é que o leitor acha que a CMVM, que anda muito preocupada com os sites da Internet, devia fazer, para cada um dos 10 magistrais pontapés descritos acima? O leitor acha que a CMVM devia fazer alguma coisa? Se devia, quais são as suas ideias sobre o porque de a CMVM não Ter feito nada (apesar das muitas queixas de pequenos investidores a CMVM, sobre o caso Lisnave)? Será que estão com muito trabalho?
3) Como classificaria a actuação da administração da Lisnave (ponha um X onde for aplicável):
A) Moderna, dinamica, virada para o mercado, com respeito por todos, competitiva e honesta
B) Desejando criar o máximo valor para a empresa e para os pequenos accionistas, e pensando em todos por igual
C) Preocupada com os interesses dos pequenos accionistas
D) Pouco preocupada com os interesses dos pequenos accionistas
E) Algo negligente para com os interesses dos pequenos, defendendo mais o grande accionista
F) Abertamente lesiva dos interesses dos pequenos accionistas, deixando as cotaçoes cairem por anos
G) Manipuladora das cotaçoes, prejudicando a cotação bolsista das próprias acçoes da empresa (pense bem antes de colocar um X nesta opção)
H) Mostrando má gestão
I) Tranferindo a riqueza da empresa para outras empresas detidas a 100% pelo accionista dominante (espero que voce não ponha um X nesta opção)
J) Abertamente fraudulenta, vigarista, procurando destruir o património dos pequenos accionistas para beneficiar os grandes accionistas, mas fazendo isso tudo dentro da mais estrita legalidade (espero que voce não ponha um X nesta opção)
Fico a espera da sua resposta, gostaria que respondesse a este post com a sua opinião, com a sua avaliação.
João Sousa