Análise da Sonae SGPS em 3-3-2000
Até agora falei da EDP e da PT, e a avaliação foi positiva. Mas agora vou passar à
blue-chip das blue-chips, à verdadeira e única rainha das empresas portuguesas, a Sonae
SGPS. As estatísticas das outras todas ficam eclipsadas quando passamos a esta empresa.
Pelo crescimento, pela influência política e pela valorização bolsista. Desde a baixa
de Novembro de 1992, em que o nosso mercado atingiu os mínimos que antecederam o presente
mercado altista, a Sonae viu a sua cotação subir dos 700$ para os actuais 65 euros. Pelo
caminho houve o destacamento da Inparsa, mas como esta foi novamente reintegrada na Sonae,
recebendo os accionistas dela novas acções Sonae, podemos ignorar esse destacamento. Em
1992 havia 40 M de acções Sonae, hoje há 94.8 M de acções, os accionistas têm hoje
2.37 vezes mais acções, sem terem investido mais dinheiro (podemos ignorar as
subscrições da Inparsa). Assim, o valor do património do accionista subiu de 700$ para
65 * 2.37 euros, ou seja multiplicou-se por 44! Se bem que as outras blue chips também
tenham subido, esta rebentou a escala... E nós, o que é que andámos a fazer todos estes
anos? Por que é que, em vez de comprarmos só acções Sonae em 1992 e esperarmos,
andámos a comprar e a vender outras?
Como veremos, a cotação actual é perfeitamente conservadora, nada inflaccionada. Os
valores de 25-30 euros do ano passado é que eram loucamente... baixos, e nunca mais
voltarão. Como é difícil ter em conta os lucros quando a empresa tem tantas
participações, cujas contribuições para o lucro não aparecem no balanço, e como os
lucros da holding são ainda pequenos para o que vão ser no futuro, o melhor é avaliar
as principais participações a preços de mercado, ter em conta as expectativas dos
analistas, e, quando isso não for possível, usando outros critérios conservadores, para
estimar o valor da holding.
Aliás, a Sonae tem uma estratégia de lucro interessante: mostra muito menos lucro do que
seria normal, para pagar menos impostos. Depois, quando um sector se valoriza muito,
vende-o, em OPV ou de outra forma, obtendo assim mais-valias, que não pagam IRC. Por
isso, o PER actual da Sonae (54) é completamente irrelevante para a avaliar.
Vejamos então as participações:
A) Participações que transitaram da Inparsa
Sonae Indústria: os lucros desta empresa ainda não estão em cruzeiro e devem aumentar.
A cotação está em 8.2 euros, mas os analistas dão-lhe um valor mínimo de 12 euros.
Vamos considerar 10 na nossa avaliação. É conservador, pois os cash-flows desta empresa
vão subir para 20 Mc em 2000. Como a Sonae detém 85% das 43.3 M de acções, esta
participação vale 43.3 * 0.85 * 10 = 368 M de euros ou 73.6 Mc.
Optimus: tem já 15% do mercado e está a aumentar. A avaliação da empresa em 500 Mc é
a de mercado, pois houve uma transacção de acções consistente com este valor (da EDP
para a Sonae). Como Sonae tem (no balanço do 1ºsem.99) 45% da empresa, esta
participação vale 0.45 * 500 = 225 Mc.
Sonae Turismo: facturação de 3.7 Mc sem contar Torralta. É difícil avaliar esta
participação, mas vamos considerar que vale 10 Mc. O hotel da Solinca vale 6 Mc em
situação líquida e isso é o mínimo que vale. E a Sonae Turismo tem várias outras
empresas valiosas. 10 Mc de contos é o mínimo, sem Torralta. A Torralta precisa de uma
avaliação diferente.
Torralta: contabilisticamente vale zero, pois está a arrancar e vai precisar de muito
investimento (40 Mc, segundo a Sonae). Como toda a gente sabe que a Sonae obteve
condições de favor neste negócio, é natural que este investimento renda uns 100% ao
fim de alguns anos. Vamos considerar então 40 Mc como o valor (goodwill) da Torralta,
sensivelmente igual ao investimento a realizar (isto é incerto, mas pouco mais podemos
fazer, sem saber mais detalhes sobre os projectos).
IP Global: este é um ISP, mas como ficará na Sonae.com vamos deixar para mais tarde.
Contacto: tem vendas de 11 Mc, pelo menos deve valer 10 Mc devido à posição e
prestígio no mercado, embora não dê lucros.
Portucel Industrial: cotação de 8 euros, Sonae tem 10% das 87 M de acções. A
participação vale, assim, 13.9 Mc.
Até agora a soma destas participações dá 73.6 + 225 + 10 + 40 + 10 + 13.9 = 372.5 Mc
Mas agora temos que avaliar as muitas outras participações mais pequenas que vieram da
Inparsa. Como é impossível fazer uma avaliação rigorosa dos seus valores de mercado,
vamos seguir um critério aproximado, que é o seguinte: quando somamos as situações
líquidas das empresas já descritas e comparamos com a da Inparsa, vemos que, ao primeiro
valor, temos que adicionar 50% para obter o segundo. Se admitíssemos que a avaliação
era proporcional à situação líquida, deveríamos aplicar o factor 1.5 à avaliação
de 372.5 Mc encontrada. Em vez disso, vamos considerar um factor de 1.2 apenas, para
sermos mais conservadores, porque a rentabilidade destes investimentos (e logo o eventual
valor de mercado se estivessem cotadas) pode ser menor do que as das empresas mais
conhecidas. Ficamos com
372.5 * 1.2 = 447 Mc para estas participações, como valor aproximado.
B) Participacoes que já estavam na Sonae SGPS
Sonae Imobiliária: lucro subiu 120% no 1ºsem.99, mostrando o grande valor da empresa.
Analistas são unânimes em considerá-la subavaliada. Suponhamos que vale 15 euros por
acção. Sonae tem 51% das 37.5 M de acções, o que dá à participação um valor de
37.5 * 0.51 * 15 = 287 M de euros ou 57 Mc.
Continente: a cotação vai nos 17 euros, mas vale pelo menos 20, e se a Sonae o vender
será por mais de 20, quase de certeza. Sonae tem 69% dos 150 M de acções, pelo que a
participação vale 150 M * 0.69 * 20 = 2070 M de euros ou 414 Mc. O Continente está já
com vendas no Brasil de 40% das vendas totais. Estas atingem 600 Mc anuais, e estão a
subir 10% ao ano. 414 Mc parece um valor conservador.
Ibersol: tem 2 M de acções, Sonae tem 50%, cotação 70 euros. Valor 14 Mc (também
subavaliada, segundo os analistas).
Aqui temos o mesmo problema: imensas empresas de distribuição que pertencem à Sonae
Distribuição e não ao Continente, imensas empresas imobiliárias que não estão na
Sonae Imobiliária. Por exemplo, Engil, B & A, Interlog, Vobis, Worten, Sport Zone,
Modelo Brasil, Público, Imocapital, etc. Pelo critério da situação líquida parecem
ter 50% da soma das 3 anteriores, podemos aplicar assim um factor de 1.2 à anterior
avaliação, em vez de 1.5, pela mesma razão invocada no conjunto de participações
anterior. A soma dos 3 valores anteriores dá 57 + 414 + 14 = 485 Mc, com o factor de 1.2
que penso ser razoável aplicar, obtemos o valor de 485 * 1.2 = 582 Mc.
C) Novas das Telecomunicações
Novis: vamos admitir que, a prazo, conquista 5% da rede fixa. Nesse caso valerá 5% da
rede fixa da PT. Neste momento ela já é líder das outras operadoras que estão a
concorrer com a PT. A empresa pode crescer muito mais (Belmiro afirma que quer destronar a
PT da liderança), estamos a avaliá-la conservadoramente. Como avaliámos a rede fixa da
PT em 1440 Mc, 5% dá 72 Mc. Isto só considerando a rede fixa nesta empresa.
Sonae.com: esta empresa, deverá incluir a Sonae Rede de Dados, IP Global, o portal Clix,
e os outros serviços de Internet e conteúdos da Sonae. Consideremos que ela não vai ter
TV Cabo, como a PT Multimédia. Consideremos que 1/3 do valor da PTM vem da TV Cabo, e
consideremos o valor conservador para a PTM de 100 euros por acção ou 1600 Mc. Sem TV
Cabo ficam 2/3 ou 1067 Mc. Suponhamos que a Sonae.com vale 20% deste bolo (é razoável: o
Clix ainda tem menos clientes que a Telepac, mas está a crescer muito depressa). Nesse
caso valerá 213 Mc. Este valor da Sonae.com não inclui a Optimus. Ela deverá ser
incluída na Sonae.com, mas como já considerámos o seu valor, não vamos repetir. O
valor da Sonae.com sem Optimus deverá ser de 213 Mc.
A parte de telecomunicações excepto Optimus, conservadoramente avaliada vale, assim, 72
+ 213 = 285 Mc. Este valor poderá subir imenso, se as OPVs forem bem sucedidas, e se a
Sonae roubar mais mercado à PT.
Resumindo para o valor da Sonae SGPS:
Parte que veio da Inparsa: 447 Mc
Parte que veio da Sonae Inv: 582 Mc
Novas Telecoms: 285 Mc
------------------------------------
Total: 1314 Mc
Como há 94.8 M de acções, isto dá 69.5 euros por acção.
Esta avaliação é conservadora, não conta com os seguintes factores favoráveis:
- A Sonae poderá ser a nº1 das Telecoms em Portugal; o seu patrão já declarou que isso
é sua intenção; pode parecer fanfarronice, mas ele não costuma enganar-se quando é
fanfarrão;
- De facto, nos vários sectores, as Telecs da Sonae já estão a crescer muito mais que a
média: Optimus, Novis, portal Clix, SRD
- A venda do Continente poderá trazer mais-valias em relação ao valor conservador de
414 Mc que estimámos; se, em vez de venda, houver uma fusão, a posição também se
valorizará, devido às sinergias criadas;
- Sonae Indústria, Sonae Imobiliária Portucel, Sonae Turismo estão subavaliadas
- a Sonae 'arrisca-se' a ter lucros extraordinários enormes em 2000: uns 350 Mc ou mais
com a venda do Continente, 200 Mc ou mais com as OPV's das telecomunicações e Internet;
isso tornará o PER baixo, e aumentará a atractividade da acção
- A empresa poderá entrar na Bolsa Europeia
- O aumento de capital e split que aí vêm, que fará entrar dinheiro e aumentará muito
o número de acções, favorecerá a cotação
Por tudo isto, estimo uma subida aos 100 euros ou equivalente depois do split em mercado
eufórico e, se houver correcção, estabilização a 65-70 euros pelo menos. Mais que
isto, só vendo a evolução futura dos negócios, principalmente das OPV's, ganhos de
quota de mercado das Telecs, e venda ou fusão do Continente.