Por
que é que as Small-Caps estão a desaparecer da nossa Bolsa? Por causa de leis injustas
(Vida Económica, 12-5-2000, por João Dinis de Sousa)
O Problema das Small-Caps, a Gula, e os Princípios
Está a tornar-se um lugar comum nos meios bolsistas dizer que as small-caps (as empresas com capitalizações menores) perderam os seus atractivos, e já não contam para a maioria dos investidores, que passaram a concentrar-se nas blue-chips. Corroborando o desinteresse dos investidores por elas, as small-caps que ainda restam no mercado vão saindo umas após outras, por duas vias: uma, a das falências (que foram muitas entre 1987 e 1994), outra a das OPAs, geralmente lançadas pelo mesmo empresário ou grupo que já detém a maioria. Se olharmos a lista das empresas cotadas no mercado contínuo, depara-se-nos uma Bolsa em liquidação. Não que ela vá descer (pelo contrário, a actual onda altista centrada nas .com e telecoms promete continuar) mas vai perder a sua biodiversidade. Unicer, Centralcer, Colep, CPP, Locapor, Imoleasing, BES Investimento, BM, Império, Mundial Confiança, Tranquilidade, BPSM, BTA, BPA, Mundicenter, Espart, Investec, Lusomundo e Engil têm OPAs marcadas e sairão da Bolsa em breve, e muitas outras já saíram só no último ano e meio. Para além destas, pairam rumores de OPA sobre a Sumolis, Cin, Efacec, Banif, Central BI, Finibanco, C.Lyonnais e Somague, pelo menos. Se acrescentarmos a isto as tão faladas fusões de blue-chips em perspectiva (entre a J.Martins e o Continente, entre a Portucel, a Soporcel e a Inapa, entre a Cimpor e a Semapa, talvez ainda entre o BES e o BPI) parece que a Bolsa ficará reduzida a meia dúzia (literalmente) de empresas. Depois, talvez se fundam a Telecel, EDP e PT numa só, o BES, BPI e BCP num só, até, qualquer dia, termos uma espécie de Portugal SGPS, com monopólios generalizados, preços controlados, trabalhadores e clientes sem escolha um panorama assustador, mas já esteve mais longe.
Mas voltemos às small-caps. Salvo as honrosas excepções (principalmente das que ostentam o título, agora nobiliárquico, de .com), depois da onda de OPAs ter terminado, só ficarão na Bolsa uma mancheia delas. Por que é que houve um tão profundo despovoamento de small-caps de uma Bolsa outrora recheada delas? No resto deste artigo vou tentar apresentar a minha teoria sobre tudo isto.
Graças ao desinteresse pelas small-caps instalado, os empresários vão aproveitando para lançar OPAs e recomprar as acções a preços módicos. Mas por que é que esse desinteresse existe? Talvez porque, desde 1987 até hoje, o saldo líquido obtido com o investimento em small-caps foi decepcionante, muito aquém do obtido pelo BVL 30 (baseado nas cotações das blue-chips). Apesar das OPAs, houve muitas falências e um grande número de empresas que não faliu mas desceu muito (ver, por exemplo, a Caima, a Tertir, a P.Fernandes ou a Lisnave), ou subiu muito pouco durante todos estes anos, o que compara com as espectaculares valorizações das blue-chips.
Porém, nos mercados desenvolvidos, os peritos (ver, por exemplo, Modern Portfolio Theory and Investment Analysis, de Elton & Gruber, 1987, ed. Wiley & Sons) descobriram um Efeito Tamanho (Size Effect) que aponta na direcção exactamente contrária: a longo prazo, o investimento em small-caps é sistematicamente mais rentável do que o investimento em blue-chips. Afinal de contas não é assim tão surpreendente, se tivermos em conta que as empresas pequenas têm mais risco económico, e grandes riscos costumam trazer maiores retornos. Então por que é que esta regra do Efeito Tamanho não parece estar a funcionar no nosso país?
Uma possível explicação é a que vou passar a descrever. As small-caps, mesmo nos EUA, têm sempre destinos muito variados, desde a falência até ao enorme crescimento e riqueza. São como barquinhos pequeninos na tempestade. A sua reduzida dimensão dá-lhes um grande potencial de crescimento (é mais fácil duplicar uma quota de mercado de 1% do que uma de 20%, como é óbvio), mas sofrem uma competição mais feroz e influenciam menos o poder político. Por isso, as falências são muito prováveis e as valorizações muito grandes também. O risco é grande, mas o saldo líquido é, como já vimos, muito positivo, melhor do que o das blue-chips, e causador das fortunas dos Warren Buffetts deste mundo. Portanto, um investidor de longo prazo em small-caps, compra tipicamente um lote variado delas, sofre a falência de várias, e usufrui de valorizações astronómicas com as outras. São estas grandes valorizações que compensam o que o investidor perde nas falências e outras grandes desvalorizações, garantindo um bom lucro.
Até aqui tudo bem. Falta explicar por que é que esta estratégia de investimento de longo prazo em small-caps que, em condições normais, é nem mais nem menos que o melhor investimento existente no planeta (já que batem os índices principais de acções e estes, por sua vez, batem tudo o resto) falhou no mercado português dos últimos treze anos, produzindo resultados decepcionantes.
A razão poderá ser uma lei portuguesa que diz que, se um accionista controlar mais de 90% do capital de uma empresa, pode obrigar os restantes accionistas a venderem-lhe as suas acções compulsivamente, a um preço determinado por uma "entidade avaliadora independente" (pois, pois sabemos como estas "entidades independentes" fazem as suas avaliações ). Esta lei é mostruosa! A sua inconstitucionalidade já foi referida por juristas conceituados. Como é que se pode obrigar uma pessoa a vender uma coisa sua, a um preço que não deseja? É atentar contra um direito elementar do cidadão. Mas a lei existe e tem uma consequência dramática: quando o accionista principal se apercebe de uma iminente melhoria económica da empresa, lança-lhe rapidamente uma OPA, retira-a do mercado, e fica com os ganhos futuros só para si, egoisticamente. Deste modo, os pequenos investidores ficam de fora das grandes valorizações, que são as únicas causas da boa rentabilidade do investimento em small-caps, em condições normais. Os pequenos investidores são obrigados a vender em cada OPA, enquanto que, se não fosse essa obrigação, pelo menos muitos deles se aperceberiam do valor da sociedade e recusariam vender a um preço tão baixo (o que poderia causar o falhanço da OPA e a subida das cotações muito acima do valor oferecido).
Assim, graças a essa malfadada lei, o empresário goza de expectativas fantásticas, das mil e uma noites (melhor ainda que uma operação numa zona offshore ). No início, tem uma PME e faz uma OPV para a Bolsa. Se se estiver num período febril e as cotações subirem muito, vende muitas acções em alta e ganha logo aí. Mas vamos supor que as cotações ficam apenas a uma cotação consentânea com o valor da empresa. O empresário, não sendo parvo, sabe que o negócio de uma PME tem alto risco, não podendo adivinhar, à priori, que desfecho económico vai suceder. Então ele espera pelo desenrolar dos acontecimentos, durante alguns anos. Se se tornar evidente que a empresa vai florescer, ele apercebe-se disso antes do mercado, pois conhece o negócio por dentro. Tenta ocultar o facto o mais possível, possivelmente manipulando os balanços, e lança uma OPA uns 20% acima da cotação, que ainda está baixa. Os pequenos investidores, pressionados pela ameaça de exclusão da empresa da Bolsa e conscientes da lei da compra compulsiva, são obrigados a vender (a lei permite mesmo que, em caso de recusa definitiva, o pequeno investidor perca compulsivamente a titularidade das acções). Que importa ao empresário pagar mais 20 ou 30% que a cotação, se a valorização fundamental de um bom investimento accionista, quando o negócio floresce, facilmente atinge, a médio prazo, 500%, 1000%, ou mais?
Note-se que as coisas podiam ser bem diferentes se a propriedade privada fosse respeitada, se um pequeno accionista jamais pudesse ser privado da sua condição de accionista sem o seu acordo. Achando o preço da OPA baixo não venderia, receberia os bons dividendos subsequentes, e acabaria por vender as acções ao accionista principal mais tarde, mas a um preço negociado por si, não a um preço determinado pela "entidade independente" amiga do empresário. Como as coisas estão no nosso país, os grandes empresários ganham sempre e os pequenos são pontapeados para fora das grandes valorizações que as small-caps normalmente teriam se não fossem OPAdas. Gostaria de saber a que cotação estariam as boas small-caps que foram OPAdas entre 1994 e hoje, se ainda estivessem na Bolsa. Aposto que mostrariam valorizações elevadas na maioria dos casos, em média muito acima da exibida pelo BVL 30.
No caso oposto, se o empresário se aperceber de que a situação da empresa está a piorar ele perderá (mas perderia igualmente se a empresa não estivesse na Bolsa), tal como perderão os restantes accionistas. Mas ainda pode fazer melhor: ainda pode tentar esconder a má situação algum tempo, vender na Bolsa grandes lotes de acções antes de as cotações descerem gradualmente até zero, como aconteceu tantas vezes na nossa Bolsa, no início dos anos 90.
O procedimento destes empresários é egoísta mas legal. A legislação existente é que merece ser mais criticada. Provavelmente o legislador foi influenciado pela ideia "pragmática" de que uma tal lei, ao dar tantas hipóteses aos empresários, encorajaria estes a entrar na Bolsa. Mas esta foi a maneira errada de desenvolver o mercado de capitais: sacrificou-se a esse pragmatismo o princípio essencial do direito à propriedade privada, num sector em que a credibilidade do sistema é crucial.
Ironicamente, a maioria das pessoas aplaude as OPA, pois só vê o ganho imediato do prémio em relação à cotação oferecido, sem se aperceber de que as OPAs, como são feitas, matam objectivamente o mercado de small-caps, e sem se aperceber de que, em Portugal, o saldo dos investimentos em small-caps é, a longo prazo, desvantajoso, exactamente por causa das OPAs!
Assim, ao fim de 13 anos, os pequenos investidores estão desolados com o investimento em small-caps, penalizaram muito as suas cotações, e está em curso a vaga final de OPAs a preços módicos. Assim, a gula dos accionistas principais das empresas cotadas acaba por matar a galinha dos ovos de ouro, pois os restantes empresários, que desejariam também cotar as suas PME na Bolsa, ficam impossibilitados de o fazer em boas condições (a não ser que sejam de um sector da moda, como o .com) devido ao descrédito instalado. Assim, não entram novas pequenas empresas na Bolsa, e esta tende para meia dúzia de empresas gigantes, passando o negócio bolsista a centrar-se mais e mais no day-trading de acções e futuros sobre estas poucas empresas, com características cada vez mais de casino ou jogo de apostas diário, e cada vez menos de investimento na economia. Não nos ensinaram, quando éramos pequenos, que uma Bolsa serve para as empresas terem alternativas de financiamento para os seus novos projectos o que inclui, ainda com mais razão, os empreendimentos nascentes, necessariamente small caps - e os aforradores terem ao seu dispor aplicações financeiras interessantes e variadas, com diversos graus de risco? Onde é que estes bons elementos estarão presentes na Bolsa portuguesa que se adivinha já no curto prazo? Como é que os empreendedores portugueses, que tanto merecem o nosso aplauso, vão ter oportunidade de concretizar as suas ideias, abrindo o capital a accionistas nacionais, sem se enfeudarem aos estrangeiros e como é que os nossos aforradores vão ter aquilo que desejam e merecem: participações accionistas duradouras e rentáveis, com partilha dos lucros e do destino comum entre empreendedores e aforradores? Quando é que se começa a fazer política a sério e a respeitar mais os princípios perenes, estruturantes e geradores de confiança do que os pragmatismos imediatistas e medíocres?