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O panorama é a Praça XV, no centro da cidade do Rio de Janeiro, palco de discussões ecológicas e históricas. Diversos períodos históricos convivem harmonicamente através da arquitetura e da urbanização. Os traços da cidade colonial marcados pela antiga catedral da Ordem do Carmo, o chafariz do mestre Valentim, o antigo Paço dos Vice-Reis, depois Paço Imperial, prédio dos Correios e Telégrafos, atual Centro Cultural Paço Imperial, a estátua eqüestre de D.João VI. A Ilha das Cobras nos reporta para os terrenos da marinha, lembrando-nos do último baile da família imperial brasileira na Ilha Fiscal, um pouco antes da Proclamação da República em 1889. Alguns prédios de estilo, como o do Museu da Imagem e do Som - MIS, nos lembra a grande feira de Tecnologia do início do século. XX. Já naquele tempo, as atuais Rua Sete Setembro e a Rua do Ouvidor serviam para encobrir os canos que iam desaguar na Baía os mais diversos detritos, inclusive os fisiológicos. Tudo isto próximo ao antigo mercado, onde o restaurante ALBAMAR é prova inconteste de outros tempos daquela praça. Neste contexto, imagina-se o mercado quando lá existiam os escravos de ganho, porém, ainda hoje, subsistem como escravos de outro ganho - os escravos do capital celerado.
O prédio da Estação das Barcas foi pintado de ocre - a realçar suas linhas curvilíneas, onde os pombos se aproveitam para fazer de poleiros e ninhos, bem protegidos do calor e da chuva. Antes, não haviam tantos aterros, existiam os manguezais, a fauna era abundante - onde as baleias vinham ter seus filhotes. Agora, as garças sobrevivem à poluição da baía - atoladas no óleo despejado pelas mais diversas embarcações, as andorinhas fazem seus ninhos nas pilastras da ponte Rio-Niterói, as gaivotas brancas e pretas brincam com o ar e com os nossos olhos - num balé intenso, os golfinhos ainda brincam, mas não se sabe até quando.
Embarquei nessa viagem - a barca com o seu piso de madeira corrida, seus bancos, suas janelas imensas e adaptáveis conforme o vento, seus caldeirões ainda fervem e me sinto como se estivesse numa máquina à vapor. Minha mente ferve - passo pela atual Ponte Rio-Niterói e penso : - "Será quantas vidas foram ceifadas para a construção de obra tão importante e imponente?" Mas o dia clareia aquela via tão intensa da "civilização", e à noite parece um imenso colar de luzes. Atrás vai ficando Niterói com seu ar ainda provinciano, mas considerada uma das cidades brasileiras com a melhor qualidade de vida, e à frente o Rio de Janeiro com seu ar brejeiro, dinâmico, cosmopolita, mas tradicional.
A barca vem de Niterói, atraca, e lá vão novamente todas aquelas vidas em direção aos seus destinos. O vai e vem de pessoas que não olham para os lados, absortas em seus pensamentos, não há tempo de nada, só de ir em frente. Tal como os "flaneurs"do século XIX, observo os transeuntes, presos aos seus próprios tempos internos e externos. O tempo ainda é marcado - mas agora com mais precisão - marcando o controle da mão de obra - o cotidiano. Alguém fuma, e... deixa propositalmente o cigarro cair, e eu chamo sua atenção. Num outro lugar - no assento uma moça de cabelos aloirados, rosto firme, determinado. Após breve conversa, ela disse - "O amor é benigno e não maligno". Seria um sinal do além, seria o sinal de que ainda pode existir humanidade dentro de uma sociedade capitalista e selvagem? Onde foram parar todos os manguezais? Para onde foi o saudosismo das garças totalmente brancas? O que fizeram com os nossos peixes? Para onde fomos e para onde vamos?