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CHRISTINA BAUMGARTEN

...Continuação

M I L L I E

Fazenda Mount Vernon - Estado da Virgínia (Estados Unidos) - 1765

III

Naquela noite não suportou a opressão do ambiente da senzala: os cantos e batuques, o calor do fogo e o cheiro do mingau de milho misturado a fumaça dos cachimbos sufocou-a, e buscou as margens do majestoso Potomac. Quantas vezes já contemplara aquele rio, na busca incessante de reviver aqueles loucos e parcos momentos? Quantas vezes sonhara em repetir a loucura, em sentir novamente a presença do senhor junto dela, em silêncio e ímpeto? Não pedia nada, olhares, palavras, nada. Só que ele viesse novamente até ela, e usufruísse do seu corpo, com o mesmo silêncio e ânsia originais. Mas nada acontecera e, com as pernas dormentes e doloridas, voltara noite após noite para a sua enxerga de palha na úmida e fria senzala.
Naquela noite foi diferente. Ficou em silêncio e solidão durante largos momentos, admirando o rio, tão plácido e majestoso sob a luz fria da lua e já se preparava para voltar quando ouviu um som abafado e, voltando-se com alguma dificuldade, deu com os olhos lúcidos e agigantados do seu grande senhor. O coração de Millie deu um salto dentro do peito, suas pernas amoleceram e a respiração tornou-se entrecortada e arfante. Ele, sempre em silêncio, fez-lhe um gesto algo contido e foi caminhando para a cabana de pesca. O coração de Millie recusava-se a calar, e cantava hinos de louvor, iguais aqueles que ela ouvira durante anos a fio na igreja dos brancos. Obrigava-se a guardar bem no fundo do coração as cantilenas em ialorubá que faziam parte de sua própria tradição. Não sentia-se no direito de cultivar tradições tão estranhas ao seu senhor, pai do seu filho.
Neste ínterim, ele chegara a cabana alguns segundos antes dela e estacara na porta, fazendo um gesto mudo para que ela entrasse. No entanto, ao passar por ele sentiu que seu braço era segurado com uma força descomunal, desnecessária. Olhou-o bem nos olhos e no fundo deles leu desespero, medo e raiva. Ele comprimia os lábios até que as comissuras se tornassem brancas e, depois de alguns momentos, disse-lhe com voz estrangulada:
- Perdoe-me!
Empurrou-a então para dentro da cabana e ela só pode ouvir a porta bater atrás de si. Lá dentro, três homens a esperavam armados de cordas e o mais mal encarado deles portava uma enorme faca cuja lâmina brilhou à luz da lua que se coava pelas janelas mal urdidas. Millie virou-se para o olhar o senhor, e ver qual seria sua reação, mas deu de cara com a porta fria e branca, fechada atrás de si. Então compreendeu o real significado da palavra que ele pronunciara alguns segundos antes, e que ela reputara em outra conta. Virou-se de frente para aqueles malfeitores e, de repente, não tinha mais medo de nada!



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