Uma paixão chamada Studebaker

A paixão

Uma tarde de sol de 1983, na praça da Matriz ,em São José Walner Franzé e um amigo,conversavam e ele parou de repente para contemplar estranho carro que passava. Era uma Studebaker vermelha. Foi amor a primeira vista. Jurou para si mesmo que um dia teria uma igual. Walner tinha 15 anos de idade.

A busca

Os anos se passaram e a pickup não saia de seus pensamentos. Certo dia, com informações desencontradas, Walner soube, sem muita certeza, que em Araraquara havia uma Studebaker á venda. Deixou o trabalho para traz, pegou o carro e partiu. Só sabia que a pickup pertencia a um homem, dono de um bar, em um bairro popular da cidade, nada mais. Após muitas perguntas e andanças, descobriu que no tal bairro havia centenas de bares. Não esmoreceu. Perguntou então a uns meninos qual era o mais próximo. E lá foi bater. Uma senhora de cabelos brancos o atendeu:"É meu marido. A Studebaker é dele."

O encontro

A Studebaker havia fundido o motor, e o humilde homem não possuia recursos para arrumá-la. Chegaram a uma fazenda próxima, onde debaixo de uma mangueira, amargava triste, nossa ilustre dama. Pneus vazios, pintura queimada, triste fim. Nascida para o trabalho, talvez estivesse esperando se desfazer por completo, condenada pela ingratidão de maus tratos. Walner se aproximou da velha combatente, bateu a mão no capo e disse-lhe:"Seu lugar não é aqui, menina!".

A entrega

Acertado o preço, veio guinchada, recebendo pelo caminho uma outra proposta de compra. Mas José Pedro, seu ex-dono, tinha palavra.

A restauração

Paciência, carinho e muito dinheiro foram necessários. Desmontada por completo, o funileiro apaixonou-se pelo desafio. Esmerava-se em remover as sobras de tantas reformas e garibas sofridas. A mecanica veio de um Opala Diplomata, motor 4100, direção hidráulica. Muitos ajustes, muitas noites sem dormir por parte do mecânico, para adequar tantas adaptações, resultando no melhor possível.

As surpresas também não paravam. Ao desmontar a caçamba, estava imprestável. Após muitas buscas, achou-se uma empresa em São Paulo, que a fabricava artesanalmente, por encomenda.

Depois de pronta a funilaria da cabine, foi novamente desmontada e jateada, e dezenas de demãos de primer, fundo especial, e tinta, muita tinta. A grade, para-choques e detalhes foram cromados em São Paulo, por um artista, responsável pela cromeação dos para-choques da Ford no Brasil. Os vidros, feitos sob medida.

Através de fotos e filmes antigos, Walner foi resgatando o que se havia perdido. Os emblemas foram refeitos por um artesão e soluções para dúvidas, como a fechadura, uma particularidade, só existe mesmo do lado direito. E são parafusos, ajustes, alinhamentos, rodas, pneus...Ufa!

Walner não passou um dia sem visitar a "paciente". Foram doze meses de trabalho. O custo?Mais de R$25 mil. Porém, quando há amor, não se fala de preço, o dinheiro vira apenas um instrumento. Nada pode pagar uma emoção como a dele.

A primeira volta

Qual seria a emoção de dirigir a Studebaker pela primeira vez? Quando fiz-lhe esta pergunta, Walner calou. Sua voz não saiu, mas não precisava :seus olhos marejados já haviam me respondido.

Nas ruas

É um frissom por onde passam, são cutucões, olhares, perguntas, acenos, elogios, não há como negar, até os que mal-dizem, no fundo também se quebram. É de tirar o chapéu.

Hoje, vivemos o amanhã, somos insensíveis, nos atropelamos nas coisas, em uma busca sem fim. Olhar o passado, tão lindo, relusente, reconstruido com suor e lágrimas, feito a mão.

Sem palavras, eu aplaudo de pé! Parabéns Walner. E garanto-lhe: se sua Studebaker pudesse falar, diria:"Obrigado, Walner. Devolveste a mim, o brilho e o glamour, que os anos me haviam roubado".


* Antenor Jorge Fernandes F.
Jornal Democrata 20 de novembro de 1999.