Quero doar meu coração

(Fase - IV)

Doa-se um coração, ou mesmo troca-se por outro que tenha um pouco mais de juízo, mas que seja fiel ao seu utente, um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga; um coração que não seja tão inconseqüente, tão reacionário, tão pueril. Doa-se um coração cego, surdo-mudo, mas que incomoda um bocado, principalmente a maridos, noivos, namorados ou amantes possessivos, furiosos, incompetentes e inseguros. 

Doa-se um verdadeiro caçador de aventuras que ainda não foi adotado por se recusar a cultivar ares selvagens, fantasias virtuais extremadas, através de sonhos obsessivos, ou realidades racionais; por não querer perder o estilo; por viver apegado às lembranças dos olhos súplices, aquosos, oblíquos, sob sobrancelhas bem-feitas; pela excessiva afeição a um corpo tíbio aveludado, tal qual da santa Angel que se foi, como bruma do passado ao vento sinuoso e sussurrante.

Doa-se um velho coração excêntrico e, às vezes, inconveniente, que convence seu usuário a publicar seus segredos, tendo, ainda, a petulância de se aventurar como poeta, arriscando-se ao vilipêndio, por ser, quase sempre,  protervo, insolente, machista, pretensioso e malcriado.

Wilson M. Pereira

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