A Matança
Por Sandy Youko

Prólogo - A Primeira Vítima
 

O grupo permanecia num silencio atroz. Numa confusão chocada de sentimentos, eles encaravam um vulto abandonado no chão -  Um outro youko; um ex-companheiro dde bando.

A grota entre os penhascos era estreita e úmida, e totalmente escura àquela hora da noite. Mas haviam acendido uma discreta fogueira, e eram suas chamas inconstantes que os iluminavam. As sombras e o tremular do fogo parecia acentuar ainda mais o terror de suas feições. Estavam todos em pânico; não havia como negar.

Um dos cinco se agachara rente ao corpo. Se apoiava numa lança de freixo, e se mantinha de cabeça baixa, com as feições ocultas pelo seu longo cabelo negro. Estava chorando baixinho, discreta mas dolorosamente.

Inclinou-se sobre o cadáver, afastando a mortalha puída e enxarcada de sangue seco que o cobria. Mostrou o que restara de seu companheiro para os outros. Já passara vários dias desde que morrera; seu cadáver já exalava o cheiro horroroso da decomposiçao.

"Isso foi o que restou de meu amado Shizuke..."

Horrorizados, os outros se aproximaram, de olhos vidrados na forma amorfa e desfigurada que era exibida. Cochichos e comentários baixos foram ouvidos, enquanto examinavam o que restara do pobre youko branco.

O youko de cabelo negro tirou um monte de varinhas de incenso de um dos bolsos de sua túnica. Esticou-se até a fogueira para acendê-los, e se ajoelhou ao lado do corpo, segurando o incenso firme, enquanto murmurava uma breve prece. Ao terminar, espetou os incensos na terra e se levantou.

"Ele foi torturado dias a fio antes de morrer." O youko comentou, num tom baixo e cheio de dor.

Nenhum dos outros falou nada. estavam aterrorizados com a destruiço causada ao amigo Shizuke. E enquanto observavam, o youko negro, Amatsubu, continuava a falar, descrevendo tudo o que fôra feito a seu companheiro. Queria comover os outros, exortá-los a uma reaçao...

Amatsubu respirou fundo.

"Foi tudo planejado; encontrei selos mágicos perto do corpo. O caçador acuou Shizuke, deteve seus poderes com magia, e então o arrastou para o seu covil, para ser torturado até a morte."

Um dos outros se adiantou, muito preocupado; Era Minato. Deslizou as mãos pelo longo cabelo ruivo, num gesto de total desespero.

"Deve ser um inimigo dele... Não tem nada a ver conosco! Porque você nos chamou aqui, Amatsubu?"

Outro belo youko chegou mais perto - o belo e elegante Kireihana. Curvou-se para ver o estrago que fôra feito a Shizuke mais de perto. O youko branco não tinha mais rosto; fôra esfolado completamente, seus olhos furados, seus dentes arrancados...  Até seu escalpo fôra cortado. Era uma cratera de carne apodrecida, e não um rosto...

"Quem quer que seja, devia odiar demais o seu amigo..." Comentou.

Outro dos demônios-raposa, um mais velho e que parecia o mais calmo entre eles, afastou Kireihana. Chegou perto de Amatsubu e passou um braço em torno de seus ombros, num gesto amigo.

"Sabemos como você amava esse menino, Amatsubu. Conte comigo caso queira se vingar."

O magnífico youko negro assentiu. Era o mais forte, o maior de todos, porém baixou a cabeça, num gesto de humildade diante da oferta do amigo.

"Agradeço. Mas creio que não é assim tão simples; não parece ser uma mera vingança pessoal. Acho que é algo pior. Estou farejamdo encrenca."

Kireihana concordou, comuma expressão sombria.

"É... Vem encrenca da grossa por aí..."

Foi quando o líder deles se adiantou, surgindo de entre as sombras que a fogueira fazia tremeluzir na parede da encosta. Era Kurama; fôra chamado até ali, vindo de longe. Caminhou devagar, sem desviar o olhar do corpo carcomido que jazia no solo. O incenso era forte, mas não ajudava muito a afastar o cheiro de carniça. E a luz era o suficiente para analisar os ferimentos e ver o tipo de tortura que o yuko de língua cortada sofrera.

"Quem o capturou queria algum tipo de informaçao. Mesmo quando viu que Shizuke tinha alíngua cortada e era incapaz de falar, continuou torturando-o, só para se divertir." O belo youko de cabelos prateados dobrou um joelho, e ficou a contemplar o cadáver. Segurava um ramo de erva forte, e mantinha os dedos cobrindo o nariz e a boca, enquanto falava baixo, cogitando o acontecido. "E ele queria que Shizuke fosse encontrado e identificado..."

O líder respirou fundo, prendendo o fôlego. Começou a examinar o cadáver, procurando alguma pista em suas roupas, revirando o que sobrara de sua cabeleira, tentando encontrar alguma marca característica, alguma evidencia...

"Arrancaram seu rosto, queimaram sua boca por dentro com carvão em brasa. Esforalam-no vivo, bem devagar para que não morresse logo, pedaço por pedaço..."

Minato fêz uma careta de asco.

"Para Kurama! está me apavorando!"

O youko prateado nem ligou. Há muitos anos que não ligava a mínima para o que aquele ridículo Minato falava.

"Quebraram suas pernas e o mantiveram pendurado todo o tempo. Arrancaram suas unhas e garras, surraram-no, quebraram suas costelas com socos..." Os dedos longos de Kurama afastaram as roupas puidas e sujas que o cadáver vestia. Existia uma cicatriz longa, em forma de Y que cortava desde seu peito até o baixo-ventre. "Foi eviscerado vivo."

Amatsubu apertou com muita força os dedos em torno de sua lança. Encarou Kurama com uma expressão dura, de indignaçao total.

"Como sabe?"

"As costuras foram feitas enquanto ele ainda estava vivo; veja como a carne se fechou em torno das tiras de couro; o corpo tentou cicatrizar."  Kurama se inclinou, observando de mais perto. Só ele era frio o bastante para um exame tão minucioso. "As costuras foram feitas com tiras da propria pele que o bandido arrancou de Shizuke..."

Kurama não pediu licença para o que veria a seguir. Pegou uma folha de capim, trasnformou-a numa lâmina com um gesto dos dedos e um pouco de seu you-ki demoníaco, e começou a cortar as costuras.

Minato virou as costas àquela cena, e se curvou num canto, engasgando, tossindo, quase vomitando. Era horrososo demais... Kireihana também virou o rosto.

"Porque está fazendo isso, Kurama?" Maigo protestou. O youko prateado estava passando do limite - aquilo já era desrespeitar o corpo do morto.

Kurama continuou a cortar devagar. Amatsubu, que era o maior interessado não protestou, então a opnião dos outros nào lhe interessava.

"Estou seguindo minha intuiçao... Sei que vamos encontrar pistas..."

"Não roubaram nada. Sua bolsa estava intocada."Amatsubu baixou os olhos ao continuar. Não queria ver o jeito como Kurama examinava e revirava os restos de Shizuke...

Uma onda de mau-cheiro os alcançou quando Kurama terminou de desfazer as costuras. Afastou a carne putrefata,  se controlando ao máximo para não enjooar como os outros. Mas logo viu que o esforço valera a pena...

"Pedras..."

A voz do youko atraiu a atençao dos outros, que examinaram a cena, sem entender... O algoz de Shizuke abrira sua barriga, arrancara seus orgãos e enchera a cavidade com pedras, terra e selos e amuletos mágicos? Por que? Para quê?"

Uma lágrima correu pelo rosto bronzeado de Amatsubu quando ele pensou em tudo que seu delicado amante sofrera...

"Kurama... Ele sofreu demais..."

O youko prateado concordou. Revirava alguma das pedras, com a frieza e objetividade de um cirurgião.

"Sofreu sim... Ele ainda estava vivo, sentindo e vendo tudo..."

Amatsubu desabou no choro. Largou a lança e caiu no chão, soluçando e ocultando o rosto com as mãos. Kireihana sentou na terra junto do amigo, envolvendo-o num abraço.

"Por que acha que agiram com tamanha selvageria, Kurama?" Maigo indagou.

O youko prateado respondeu calmamente.

"Vingança. E creio que Amatsubu já tem idéia dos culpados. Por isso nos chamou aqui."

A robusta raposa concordou.

"Sim. Só falta um de nós, mas é melhor não tê-lo por perto."

Concordaram, todos, balançando as cabeças na penumbra. O único do bando original que ainda vivia mas não estava presente era o maldito Hiroshi.

O silencio os envolveu novamente. Aquele episódio da vida passada deles era como um segredo excuso, algo do qual não falavam, não conversavam, e tentavam não recordar. Tinham muito medo de que as consequencias os alcançassem - e parece que fôra exatamente o que acontecera.

Kurama ergueu uma pequena placa de pedra com inscriçoes de ambos os lados. Parecia algum tipo de sortilégio; Fôra fechada dentro do cadáver de Shizuke de propósito.

"Vejam! E o maldito ainda ousa nos desafiar!"

Se aproximaram, todos, curvando-se para ver as inscriçoes. A curiosidade superou o receio e o asco de todos; até Minato deixou de vomitar para vir ver.

A caligrafia era elegante; trabalho de alguém muito bem educado nessa fina arte. E o que dizia era simples e direto.

"Vocês mataram meu povo e destruíram minha cidade. Eu irei perseguir cada um de vocês. Vou torturar e matar cada um, até que estejam exterminados..." Kurama parou de ler. O resto eram ofensas, símbolos de magia, preces aos Deuses do Inferno e da Vingança...

"É um psicopata..." Maigo murmurou, receoso com as ameaças.

Kurama fechou o que restava de Shizuke, ajeitou suas roupas... A placa com as ameaças agora passava de mão em mão, enquanto os outros cochichavam e resmungavam. Estavam apavorados; principalmente Minato e Kireihana - os dois estavam quase se urinando de tanto pavor.

"Nós não conseguimos matar todos... Agora eles estão vindo atrás de nós! Vão nos matar!"

Kurama se levantou. Agarrou Minato pelos cabelos e puxou, forçando-o com a dor a voltar a realidade. Odiava histerismo - ainda mais vindo de youkos machos e adulttos.