O
VERBO NO INFINITO
Vinícius
de Moraes
Ser
criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respira, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar
Para
poder nutri-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.
E
crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e Ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito
E
esquecer tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito...
A
MULHER QUE PASSA
Vinícius
de Moraes
Meu
Deus, eu quero a mulher que passa
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!
Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pelos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.
Meu Deus, eu quero a mulher que
passa!
Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te
juro
Que te perdia se me encontravas
E me concontrava se te perdias?
Por que não voltas, mulher que
passas?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
Para o que sofro não ser desgraça?
Meu Deus, eu quero a mulher que
passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!
Que fica e passa, que pacífica
Que é tanto pura como devassa
Que bóia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.
SONETO
DO AMOR TOTAL
Vinícius
de Moraes
Amo-te
tanto, meu amor...não cante
O
humano coração com mais verdade...
Amo-te como
amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade
Amo-te enfim, de um calmo amor presente,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e cada instante
Amo-te como um bicho, simplismente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
SONETO
DA FIDELIDADE
Vinícius
de Moraes
De tudo,
ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meus pensamentos
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive)
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
SONETO
DA SEPARAÇÃO
Antologia
Poética
Vinícius
de Moraes
De
repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente
Soneto do amor como
um rio
Vinícius
de Moraes
Este
infinito amor de um ano faz
Que é maior do que o tempo e do que tudo
Este amor que é real, e que, contudo
Eu já não cria que existisse mais.
Este amor que surgiu insuspeitado
E que dentro do drama fez-se em paz
Este amor que é o túmulo onde jaz
Meu corpo para sempre sepultado.
Este amor meu é como um rio; um rio
Noturno, interminável e tardio
A deslizar macio pelo ermo...
E que em seu curso sideral me leva
Iluminado de paixão na treva
Para o espaço sem fim de um mar sem termo.
Soneto da Mulher ao
Sol
Vinícius
de Moraes
Uma
mulher ao sol - eis todo o meu desejo
Vinda do sal do mar, nua, os braços em cruz
A flor dos lábios entreaberta para o beijo
A pele a fulgurar todo o pólen da luz.
Uma linda mulher com os seios em repouso
Nua e quente de sol - eis tudo o que eu preciso
O ventre terso, o pêlo umido, e um sorriso
À flor dos lábios entreabertos para o gozo.
Uma mulher ao sol sobre quem me debruce
Em quem beba e a quem morda, com quem me lamente
E que ao se submeter se enfureça e soluce
E tente me expelir, e ao me sentir ausente
Me busque novamente - e se deixes a dormir
Quando, pacificado, eu tiver de partir...
Poema de Natal
Vinícius
de Moraes
Para
isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos -
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre o berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai -
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança do milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte -
De repente nunca mais esperaremos..
Hoje a noite é jovem; na morte, apenas
Nascemos, imensamente.
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