A LARANJA MECÂNICA
Laranja Mecânica? Não, não me refiro ao filme de Stanley Kubrick, mas à incrível seleção holandesa da Copa de 74, na Alemanha Ocidental. Este timaço treinado por Rinus Michels foi, segundo muitos, o responsável pela maior inovação jamais surgida no futebol mundial. A tática empregada chegou a ser chamada de futebol-total ou, se preferirem, de Carrossel. Por quê? É o que tentaremos mostrar a seguir. Antes de iniciar nossa viagem no
tempo, esclarecemos que uma das cores nacionais da Holanda é o laranja, proveniente da
Casa de Orange (orange=laranja) que há longo tempo reina nesta Monarquia Constitucional.
Tal é o motivo pelo qual a camisa do time holandês tem esta cor, o que dá ao uniforme
um belíssimo efeito visual em contraste com o branco dos calções. Na etapa de Qualificação, a Holanda derrotou a Islândia (5x0 e 8x1), a Noruega (9x0 e 2x1), empatando duas vezes com a Bélgica (por 0x0), como mostra o quadro abaixo.
Chegada a grande final, a Holanda era considerada favorita ao título, porém parecia estar um tanto arrogante, como a Hungria 20 anos antes, não levando em conta que a Alemanha tinha formado uma ótima equipe e jogava em seu país. Uma prova deste estado de espírito é que os jogadores holandeses, com Cruyff e Neeskens à frente, cobravam para dar autógrafos para os fãs que permaneciam na porta da concentração à espera de seus ídolos. A repercussão na imprensa da época não foi boa, tanto que os jogadores passaram até a evitar sua própria torcida. Mas, como ocorrera em 54 com os húngaros, novamente os alemães iriam surpreender. Logo de saída, Neeskens marcou 1x0 de pênalti. Parecia que ia ser fácil, mas o inesperado aconteceu: o 1o tempo terminou com a Alemanha virando o placar para 2x1 (Breitner de pênalti e Gerd Muller para os da casa). No 2o tempo, os alemães mantiveram o marcador, suportando toda a pressão imposta pelos holandeses. E a Alemanha levou a Copa. Mais uma vez, a História não soube fazer justiça à melhor equipe (como com o Brasil em 50 e os húngaros em 54). Após a final, o jogador alemão Breitner declarou: "Nossa preferência era fazer a final contra o Brasil. Afinal, eram os tricampeões , seria muito melhor ganhar de uma seleção dessas, com mais tradição. Demoramos um pouco a acordar para a Holanda. Quando eles venceram a Alemanha Oriental, fiquei impressionado. Todos começaram a comparar a Holanda com a Hungria de 54. A vitória sobre o Brasil convenceu os poucos que ainda duvidavam daquele time. Tinha medo de Cruyff (sic). Os outros eram muito bons, mas Cruyff era aquele que fazia o que ninguém esperava. Ele tinha uma visão de jogo incrível. Enxergava a jogada que nínguem era capaz de prever."
O time base da Holanda era formado por Jongbloed; Suurbier, Haan, Rijsbergen e Krol; Neeskens, Jansen e Van Hanegen; Rep, Cruyff e Resenbrink. Seus maiores craques foram o fora-de-série Cruyff, além dos excelentes Neeskens, Resenbrink, Krol, Hann e Rep. Johan Cruyff era meio-campista e atacante, grande líder, armador de jogadas, um talento excepcional. Considerado o melhor jogador europeu de todas as épocas, ganhou por três vezes a Bola de Ouro da Europa. Jogou 82 partidas pela seleção de seu país, assinalando 33 gols. Foi Vice-Campeão na Copa de 74, oito vezes Campeão Holandês, obteve três títulos da Copa dos Campeões da Europa, foi Campeão Mundial Interclubes pelo Ajax (72), Campeão Espanhol (74) e Campeão da Copa da Espanha pelo Barcelona (78). Em toda sua carreira, Cruyff fez 425 gols em 752 jogos. Tinha, curiosamente, a superstição de jogar usando sempre a camisa no14, porque com essa idade havia conquistado seu primeiro título. Rob Resenbrink era ponta de lança e armador de grande rapidez e de excelente técnica. Jogou 43 vezes pela seleção, marcando 14 gols. Foi Vice-Campeão Mundial em 74 e 78, Campeão Belga (74), três vezes Campeão da Copa da Bélgica, duas vezes Campeão da Recopa e duas vezes da Supercopa Européia. Johan Neeskens, meia-armador muito técnico, atuava tanto no ataque quanto na defesa. Jogou sempre com Cruyff, tanto no Ajax quanto no time holandês. Disputou 51 jogos pela seleção, marcando 17 gols. Foi Vice-Campeão das Copas de 74 e 78, duas vezes Campeão Holandês, duas da Copa da Holanda, três vezes da Copa dos Campeões da Europa, Campeão Mundial Interclubes (72), três vezes Campeão da Supercopa Européia e ainda Campeão da Copa da Espanha, da Recopa e Campeão Norte-Americano pelo Cosmos (80).
A tática da Holanda era, a princípio, uma espécie de 4-3-3, com uma linha de 4 zagueiros, 3 armadores de meio de campo e 3 atacantes compactos e solidários ao meio-campo e à defesa. Não eram linhas estanques, pois os jogadores se mesclavam e se distribuíam de um modo à primeira vista aleatório, tão bem treinados e conscientes que estavam. Assim sendo, não tinham posições fixas. Todos atacavam, todos defendiam. Cruyff, o homem base e líder da equipe, deslocava-se no ataque ou fazia lançamentos a partir do meio-campo. Eram muito comuns os contra-ataques rapidíssimos com 5, 6 e até 7 jogadores avançando velozes e em bloco. A defesa praticava muito bem a linha de impedimento, forçando os seus adversários a passes longos, pois eram sempre cercados por três holandeses cada vez que tentavam dominar a bola. Este futebol-total só foi possível graças à habilidade, categoria e lucidez da equipe laranja. Cite-se, além disso, um notável preparo físico para a prática deste jogo dinâmico, plástico e inovador. O esquema tático acima reproduzido ilustra apenas uma referência lembrando um 4-3-3, mas que sempre se diluía ao longo dos jogos. Os números indicativos das camisas correspondem a: 1- Jongbloed; 2- Suurbier, 5- Haan, 3- Rijsbergen, 4- Kroll; 7- Neeskens, 6- Jansen, 8- Van Hanegen; 9- Rep, 10 (14)- Cruyff, 11- Resenbrink. A Holanda seria ainda, mais uma vez, Vice-Campeã Mundial de Futebol. Foi na Copa de 78, na Argentina. Na final, contra a equipe da casa, perdeu por 3x1 na prorrogação (1x1 após os 90 minutos de jogo), tendo jogado com Jongbloed; Jansen (Suurbier), Krol, Poortvliet, Brandts; Willy van der Kerkhof, Haan, Rene van der Kerkhof; Rep (Hanninga), Neeskens e Resenbrink. O técnico era Ernst Happel. Os tempos de ouro da era de Cruyff já haviam passado, mas ainda estávamos diante de um grande time. Afinal, ali se encontravam Neeskens, Resenbrink e Rep, entre alguns outros remanescentes de 74. Cruyff, certa vez, disse: "O futebol deve ser sempre jogado da maneira mais atraente possível, objetivando-se o ataque. Um jogo deve ser como um show para os espectadores". Por esse e por outros motivos, o futebol-talento e arte da Laranja Mecânica passou a ser admirado mundialmente após a Copa de 74 e, ainda hoje, tímidas e mal-sucedidas tentativas são feitas para se adaptar aos dias atuais o que a Holanda tão bem soube fazer nos anos 70. O Carrossel marcou uma época e empolgou o mundo inteiro pela beleza proporcionada por seu esquema inovador e pelo talento de seus craques. Permanecerá para sempre como um ideal quase inatingível para os que apreciam o futebol como espetáculo e arte. * * *
Ah, sim
, a "Laranja
Mecânica"
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