Andre Medeiros


A HORA E A VEZ DO ENGLISH TEAM

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A Copa de 1966 começou com um fato curioso e inusitado. A FIFA havia escolhido a Inglaterra como a sede do Mundial. A Taça Jules Rimet fora recebida por Sir Stanley Rous das mãos do delegado brasileiro Luís Murgel (o Brasil conquistara o bicampeonato em 62). Logo em seguida, o cobiçado troféu foi colocado em exibição no Central Hall de Londres. Pois bem, em 20 de março, sem que se quebrasse nenhum vidro de proteção e muito menos fossem surrupiados outros objetos valiosos também expostos, a Taça misteriosamente desapareceu. O fato agitou o mundo do futebol, como seria de se esperar. Foram acionadas a Scotland Yard e a Metropolitan Police e nada de se encontrar o troféu, apesar de a polícia virar Londres de cabeça para baixo. Não é que tempos depois foi ela casualmente localizada por um simples e desconhecido cachorrinho chamado "Pickles", em seu farejar habitual de todos os dias? Ela estava escondida num dos subúrbios de Londres. A Casa de Windsor deve ter respirado aliviada, e desconfio que até cogitou em nomear mais um Cavaleiro Real, Sir Pickles. O torneio ficou marcado, de início, por este fato incomum e a seguir por outros, infelizmente mais comuns e polêmicos, protagonizados por "suas senhorias", os árbitros escalados para o grande certame.

 

Na luta pela indicação como país-sede, a Inglaterra argumentava que a Copa sediada em seu país seria o fecho de ouro nas comemorações do centenário da fundação da Football Association (na verdade, tal fundação se dera em 1863). Os britânicos queriam provar ao mundo sua capacidade de organizar, sempre com sua grande influência política, uma Copa nos melhores moldes gerenciais possíveis. Queriam, também, mostrar ao mundo esportivo que praticavam um excelente futebol e que o fariam com seu tradicional "fair-play". Realmente, foi uma Copa muito bem realizada, com estádios capazes de receber mais de 50.000 espectadores e com segurança e acomodações de primeira qualidade para jogadores e imprensa. O único detalhe que não estava no programa, é que o English Team jogaria sempre em Wembley, ao passo que os outros seriam obrigados a deslocamentos para realizar suas partidas (como aconteceria com a Argentina, sede em 78). E, por que não falar na ajudazinha preciosa dos juizes, quando necessário? Mas sempre foram de praxe esses favorecimentos meio camuflados aos países-sede.

 

Quinze nações africanas declaram-se fora da competição, em represália aos critérios de qualificação impostos pela FIFA. Teria o time vencedor deste continente que enfrentar o time vencedor da Ásia ou da Oceania para poder fazer jus a participar das finais na Inglaterra. Queriam os africanos ter o direito de voar direto a Londres já classificados, sem mais delongas. O Brasil, bicampeão na Copa anterior, e a anfitriã Inglaterra estavam previamente qualificados. A Suécia, por sua vez, fora eliminada pela Alemanha. Portugal, surpreendentemente deixa de fora a Tchecoslováquia, vice-campeã do Mundial anterior, graças em grande parte ao aparecimento do formidável atacante Eusébio, do Benfica. A Espanha bate, com muito esforço, a Irlanda e também se classifica. Da América do Sul, entram, além do Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Chile, terceiro colocado em 62. Da América Norte, classifica-se o México. E, pela primeira vez, um representante asiático surge no Aeroporto de Heathrow: a Coréia do Norte, que havia triunfado sobre a Austrália por 6x1 e 3x1. Quanto aos demais países, entraram os favoritos.

 

A Inglaterra havia sido duramente atingida alguns anos antes com a morte em um trágico acidente aéreo de oito integrantes do Manchester United, base da seleção. Entre eles, estava o lateral Duncan Edwards, um dos maiores jogadores de que dispunham. Felizmente, sobreviveu à grande catástrofe o ponta de lança Bobby Charlton, que se tornaria, junto com Eusébio, as figuras máximas do Mundial. Mas ainda restava bem aceso o sonho inglês de conquistar seu primeiro campeonato mundial. Tinham, realmente, uma grande equipe. A base continuava sendo o Manchester United, que além de Charlton, contava com dois expoentes: o ponta-esquerda irlandês George Best, de estilo e comportamento irreverentes e que, por seus longos cabelos, era chamado de "Beatle" e o centroavante escocês Denis Law. Formavam um ataque infernal junto com Bobby Charlton. O técnico era Matt Busby, no cargo dos anos 50 até 69. Entre as grandes conquistas do clube, cinco campeonatos inglêses (56, 57, 65, 67 e 68) e a Copa dos Campeões da Europa (68).

 

O técnico da seleção inglesa, Alf Ramsey, havia se iniciado no futebol como um jogador de meio-campo até que razoável. Encerrou sua carreira em 1954. Começou como coach dirigindo o Ipswich Town, levando o modesto clube da 2a Divisão a conquistar o Campeonato Inglês de 1962. Logo após a Copa de 62, é indicado como técnico da seleção, ocasião em que promete a todos muito trabalho, tenacidade e dedicação para levar seu país ao título mundial em 66. Declarou solenemente na época: "A Inglaterra vencerá em 1966". E ponto final. Prometeu e cumpriu. Permaneceu no cargo até 74, quando não logrou classificar a Inglaterra para as finais desta Copa (provavelmente esqueceu-se de repetir a mesma promessa para 74…). O saldo positivo de Alf Ramsey é dos melhores: disputou, como técnico de sua equipe nacional, 113 jogos, somando 69 vitórias, 27 empates e apenas 17 derrotas.

 

Na 1a fase do Mundial, os ingleses não tiveram dificuldades para derrotar a França (2x0) e o México (2x0). Empataram, a seguir, com o Uruguai (0x0), num jogo desinteressante e de baixa qualidade técnica. Na etapa seguinte, a Inglaterra se defrontaria com duas temidas equipes: Portugal, que havia eliminado o Brasil, e a Coréia do Norte (esta havia vencido a poderosa Itália) e a Argentina. O ótimo Portugal de então derrotara a Coréia por 5x3, após estar perdendo por 3x0, com quatro gols de Eusébio. Inglaterra e Argentina fizeram um jogo que entrou para a história, graças ao personagem principal da partida: o incrível juiz alemão Rudolf Kreitlein. Aconteceu simplesmente o seguinte: o argentino Rattin reclamou com bons modos, mas gesticulando muito para se fazer entender, que era necessário um intérprete, pois ambos não se entendiam. Incontinente, Kreitlein o expulsou, sem compreender o que Rattin tentava dizer. Após o jogo, o argentino declarou: "Não entendíamos o que o árbitro falava com nossos jogadores. O jogo corria violento e solto. Eu apenas pedia um intérprete para ser entendido…… E acabei indo mais cedo para o vestiário, debaixo de uma chuva de latas de cervejas. E logo eu, que não gosto de cerveja inglesa". Na verdade, a reação irada contra Rattin começou porque ele, expulso, "inocentemente" foi assistir o restante da partida sentado no tapete vermelho da Tribuna Real (a Rainha não estava presente). Claro que teve que descer correndo arquibancada abaixo… Resultado final: Inglaterra 1x0, com um gol de Hurst. Terminado o jogo, Ramsey gritou com seus jogadores: "Não troquem camisa com eles. São uns animais!", levando em conta o comportamento dos platinos, justamente revoltados ao final da batalha. Numa das semi-finais, contra o Portugal de Eusébio, tivemos, enfim, um grande jogo, em que o English Team superou os lusos por 2x1, com dois gols de Bobby Charlton e um de Eusébio para os portugueses, que se apresentaram abaixo do esperado. Na outra semifinal, em mais um jogo violento, a Alemanha superou a URSS, também por 2x1.

 

Para a esperada decisão sobraram, portanto, Inglaterra e Alemanha (sempre a Alemanha…). A Inglaterra era considerada favorita, por nunca haver perdido para os alemães, por jogar em casa e por ter uma ótima defesa (haviam sofrido apenas um gol até então). O local: o enorme Estádio de Wembley, originalmente chamado "The Empire Stadium", erigido para uma exibição internacional de indústria e comércio. O dia: 30 de julho. Campo molhado, 100.000 espectadores presentes e, como juiz, o suiço Gottfried Dienst. A multidão em vez de cantar o célebre "When the saints come marching in…", cantava "when the reds come…". O time da Inglaterra entrara em campo com camisas vermelhas. O jogo corria com ataques de lado a lado, até que Wilson erra uma cabeçada, do que se aproveita Haller para fazer Alemanha 1x0. Mas, logo após, Hurst aproveita um passe rápido de Bobby Moore num lance de falta e empata. Segundo tempo e mais chuva…. Até que Peters, aos 33 minutos, após um córner, marca Inglaterra 2x1. E, quando a fatura parecia liquidada para os ingleses, Weber, para desespero da multidão, empata aos 44 minutos, também depois de uma cobrança de falta. Haveria prorrogação. Os times estavam fisica e emocionalmente no bagaço. Iniciado o tempo extra, Stiles serviu Hurst, que, dentro da área, chutou no travessão. A bola desceu, tocou o gramado e Schulz a enviou para escanteio. Teria a bola entrado ou não? O juiz, após consultar o bandeirinha, validou o gol, ante o protesto veemente dos alemães. Após a partida, o árbitro declararou alto e bom som: "Dormirei tranquilo. Sei que a bola entrou". Em cima do término da partida, a Inglaterra assinalaria seu 4o gol: num passe de Moore, com a defesa alemã totalmente desguarnecida, Hurst recebeu a bola e, quase se arrastando em campo de cansaço, fez seu 3o gol na final, selando os 4x2 finais. O artilheiro inglês conduziu a bola tão lentamente em direção ao gol da Alemanha, que a garotada inglesa começou a invadir o gramado comemorando o título. Ficou famosa a cômica observação do comentarista Kenneth Wolstenholme, referindo-se à invasão de campo: "Eles acham que terminou o jogo" e, ato contínuo: "Terminou o jogo!". No dia seguinte à conquista do Mundial, ao ser abordado na porta de casa pelos jornalistas, ávidos por declarações de júbilo e vitória, Alf Ramsey tranqüilamente disse: "Este é meu dia de folga, não tenho nada a declarar". Nada mais britânico, não?

 

Nesta memorável final, é bom recordarmos que coube a Beckenbauer a tarefa exclusiva de marcar em cima o também extraordinário Bobby Charlton. O fato é que o ataque alemão sem dúvida sentiu muito a falta de sua forte presença ofensiva nesta partida. Moore disse que "fiquei vermelho como um tomate", referido-se a esta perseguição sem tréguas ao craque inglês. Anos depois, modestamente acrescentaria: "a Inglaterra nos venceu porque Bobby Charlton era um pouquinho só melhor do que eu".

 

A Inglaterra alinhou na decisão Banks; Cohen, Jack Charlton, Bobby Moore e Wilson; Stiles e Bobby Charlton; Ball, Hurst, Hunt e Peters. A Alemanha jogou com Tikowski; Hoettges, Schnellinger, Schutz e Weber; Beckenbauer e Overath; Haller, Seeler, Emmerich e Held.

 

O melhor jogador inglês, grande destaque da competição, foi o atacante Bobby Charlton. Sua calva acentuada e sua figura, segundo alguns algo chapliana, tornaram-no legendário. Participou de dois mundiais (66 e 70). Quase morreu no desastre aéreo que vitimou seu time, junto com seu irmão Jack Charlton. Com o impacto, foi atirado para fora do avião, com poltrona, cinto afivelado e tudo. Tinha então 21 anos. Jogou pelo Manchester United. Atuou em 106 partidas pela seleção, assinalando 49 gols, sendo o recordista de gols da equipe inglesa. Despediu-se do futebol aos 36 anos. Foi o jogador do ano na Europa em 1966. Três vezes campeão inglês (57, 65 e 67), campeão da Copa da Inglaterra (63), da Copa dos Campeões da Europa (68) e Mundial (66).

 

Outra figura inesquecível foi o fantástico Bobby Moore, centro-médio e líbero, de físico forte, duro na marcação e firme na cobertura à zaga. Diziam na época que Moore entrava em campo de "fraque e cartola", tal a elegância de seu futebol. Foi o capitão da equipe inglesa nesta Copa. Pelé o considera um de seus melhores marcadores em todos os tempos. Jogou 108 vezes pela seleção (em 90 jogos foi o capitão), atuando em três Mundiais (62, 66 e 70). Atuou pelo West Ham (Inglaterra) e pelo San Antonio Thunder e Seattle Sounders (EUA). Campeão da Liga Inglesa (64), da Recopa (65 e Mundial (66). Sua liderança e influência moral foram fundamentais na grande conquista de 1966.

 

Citemos ainda o goleiro Gordon Banks, considerado um dos melhores de todos os tempos, de uma agilidade fenomenal. Ficou nos anais da história por uma defesa que fez na Copa de 70, numa cabeçada a queima-roupa de Pelé. Banks, de início, pulou para um lado, mas, desafiando as leis da Física, mudou, ainda em pleno vôo, a direção do pulo e fez a milagrosa defesa. Mais tarde, Pelé diria que "…eu sei que fiz aquele gol. Banks é que sumiu com ele". Esta ainda é considerada a maior defesa de todos os tempos. Banks jogou pelo Chesterfield, Leicester, Stoke City e pelo Fort Lauderdale (EUA). Atuou em 73 partidas pela seleção e participou de duas Copas (66 e 70). Campeão da Liga Inglesa (66 e 72) e Mundial (66). Eleito jogador do ano na Inglaterra em 1972. Neste mesmo ano abandonou o futebol, devido a uma grave lesão no olho.

 

E ainda, Jack Charlton, irmão de Bobby Charlton. Apelidado de "Girafa"; foi um notável defensor. Alan Ball, meio campista combativo e incansável. Norbert Stiles, também meio-campista, de futebol viril e muita garra, talvez até em excesso. Era chamado de "Drácula". Por sua feiura, foi o melhor propagandista involuntário da casa funerária de seu pai. Jimmy Greaves, notável artilheiro, com 357 gols no campeonato inglês; disputou 57 jogos pela seleção, com 44 gols. Finalmente, Geoffrey Hurst, centro-avante, que jogou 49 partidas pela seleção, marcando 24 vezes.

 

 

A Campanha Inglesa na Copa

 

11/07/66

Uruguai

0x0

16/07/66

México

2x0

20/07/66

França

2x0

23/07/66

Argentina

1x0

26/07/66

Portugal

2x1

30/07/66

Alem. Ocidental

4x2 (na prorrog.)

 

O ESQUEMA TÁTICO 

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  O esquema tático inglês apresentava três linhas de jogadores: a zaga, o meio-campo e a linha de frente. Mas, quando atacado, dois atacantes voltavam em auxílio do sistema defensivo. Eles preferiam a marcação homem-a-homem, como ocorria no velho esquema WM, ao contrário dos sul-americanos, que se sentem mais à vontade na marcação por zona. Bobby Moore era uma espécie de líbero, da estirpe de um Beckenbauer. Atrás, a zaga estava muito bem orientada também por J. Charlton e no ataque havia dois grandes artilheiros, somando-se a B. Charlton. Eram eles Hunt (ou Greaves) e Hurst. O desenho ilustra a disposição básica do time em campo, uma variante do 4-2-4.

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Foi graças a um planejamento sério e competente, levado a bom termo por Alf Ramsey à frente do English Team, que os inglêses puderam, enfim, ser os Campeões do Mundo, com uma ótima equipe. Não há dúvida que foi uma Copa com alguns claros-escuros, principalmente no que se refere às arbitragens. Além disso, foi marcada por jogos violentos e alguma polêmica em torno de certos resultados. Mas, no final, prevaleceu a organização tática da seleção inglesa. O capitão Bobby Moore, exemplo de atleta e de integridade humana, pôde afinal pisar triunfante o tapete vermelho da Rainha para receber o tão desejado troféu. O comentarista da BBC, Max Marquis, resumiu tudo muito bem dizendo que "poderão dizer que ganhamos porque tínhamos o público a nosso favor, que a Alemanha era melhor, que Portugal merecia levar a Copa, que ganhamos da Argentina com a ajuda do árbitro… Admito qualquer opinião, só não aceito discussão alguma em torno do merecimento da conquista da Inglaterra, em função dos esforços e dos sacrifícios realizados". E assim, a história soube fazer sua homenagem aos pais do futebol, criadores que foram do "velho e violento esporte bretão", no dizer de nossos antigos radialistas.

 

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André Luiz Medeiros é
arquiteto e pesquisador
do futebol.

 

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