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Ao longo de minha vida, já presenciei o surgimento de muitas primaveras, mas, por mais verdejantes que sejam as lembranças deixadas, não conseguem diminuir a emoção maravilhada de assistir a cada ano à renovação da natureza.
Ainda posso sentir o cheiro da fecunda terra agrícola da Île de France a fermentar nos primeiros dias quentes do ano. Ainda me sinto deslumbrado pelas flores brilhantes que de repente brotavam do deserto, na guarrigue mediterrânea ou no sudoeste dos Estados Unidos. No vale do Hudson, nos primeiros dias de abril, ainda me entusiasmo com os tons vermelhos que brotam da vegetação dos pântanos, com as asas vibrantes dos sialídeos, os gritos fantásticos das rãs, das pombas chorosas e dos melros de asas vermelhas.

A exuberância da natureza na primavera parece quase indiferente aos perigos. Sem temor dos cortadores de grama, os dentes-de-leão retornam alegremente todas as primaveras, mesmo nos gramados mais bem aparados. Despreocupados com o tráfego dos carros, marmotas e coelhos pastam à beira das rodovias. Há anos, os falcões reais se acostumaram a trocar os penhascos das Palisades de Nova Jersey pelas cornijas dos arranha-céus de Nova York. E sobre Jamaica Bay, bandos enormes de aves levantam vôo sobre o Aeroporto Kennedy, a pouca distância das rotas de vôo dos aviões a jato.

Apesar do sofrimento, apesar do desespero e da hediondez criados pelos conflitos raciais, pelas rivalidades entre as nações, pelas crises de alimento e pela poluição, os sinos da Páscoa sempre me elevam em ondas de esperança. Experimentar um dia de primavera é bastante para assegurar-me de que a vida acabará por triunfar sobre a morte.

Nas crateras de bombas no centro das cidades, depois da segunda guerra mundial, cresceram deliciosos cogumelos silvestres, como para simbolizar que a vida continuará a gerar ordem e beleza a partir da decadência física. Os homens sabem há milhares de anos que a fênix é capaz de renascer das próprias cinzas. A nossa forma de civilização pode estar enferma e prestes a morrer mas, através do desolador clima invernal de nossos tempos, está começando a surgir uma efervescência de esperança.

A primavera está chamando e os homens de boa vontade estão prontos a proclamar mais uma vez: "O rei morreu. Viva o novo rei!"

Afirmar que há esperança quando tudo se mostra tão negro pode parecer uma ilusão ingênua e pretensiosa, mas é uma ilusão da espécie que gera a fé criadora sobre a qual Carl Sandburg escreveu:

"Creio no destino do homem,
E creio mais do que poderia provar
No futuro da raça humana,
Na importância da esperança,
E no valor das grandes expectativas."

René Jules Dubos

S A B I O