Sistema de ciclo
esconde baixa qualidade 
DEMÉTRIO WEBER
BRASÍLIA - A introdução de ciclos no ensino
fundamental é considerada, de um lado, uma tentativa de mascarar o problema da
repetência no País, e de outro um avanço para garantir a permanência e o aprendizado
dos estudantes na escola. Hoje, 8,2 milhões (23%) dos 36 milhões de estudantes do ensino
fundamental no País estão matriculados em escolas onde o sistema de ciclos substitui as
séries tradicionais e o aluno só pode ser reprovado ao fim de duas, três ou quatro
séries.
- O ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB) e consultor José Carlos de Almeida
Azevedo é um crítico contundente dos ciclos - sistema previsto na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação e incentivado pelo governo federal.
- "Foi a maneira mais fácil arranjada pelos legisladores e pelo Ministério da
Educação (MEC) para ocultar a repetência", afirma Azevedo.
- No ano passado, a taxa de alunos matriculados no ensino fundamental que tinham sido
reprovados no fim de 1998 era de 21,3%, segundo o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais (Inep). Na 1ª série, esse índice chegava a 40,1%, quase quatro
vezes maior do que na 8ª série (11,2%).
-
- Castigo para o aluno - Para a educadora e integrante do Conselho Nacional de
Educação (CNE) Guiomar Namo de Melo, o fato de um aluno repetir a série não significa
que ele vá aprender mais. "Pelo contrário, isso é um castigo", sustenta ela,
lembrando que estudantes mais velhos, provavelmente por causa da repetência, apresentaram
desempenho pior do que os demais nas provas do Sistema de Avaliação da Educação
Básica (Saeb), aplicadas pelo MEC em 1997.
- Azevedo, porém, entende que a avaliação - e a conseqüente retenção do estudante em
caso de mau resultado - é indispensável para verificar se houve a aprendizagem. Ao
permitir a aprovação em massa, segundo ele, os ciclos acabariam "sendo um
desestímulo aos bons alunos", ao abrir caminho para a progressão de quem não
domina os conteúdos.
- Guiomar, por sua vez, vê na aprovação automática dentro dos ciclos a possibilidade
de o aluno aprender de acordo com o seu ritmo, ao longo de dois, três ou quatro anos. Ela
destaca que esse sistema não leva os estudantes a saírem despreparados da escola, uma
vez que pode haver reprovação no fim de cada ciclo.
-
- Investimento - "A proposta é correta, reprovar não resolve nada, mas para
que a progressão continuada funcione é preciso investir pesado na formação de
professores, o que não foi feito na medida necessária", diz a pedagoga Noeli
Wefford, expressando opinião comum entre educadores. "A coerção tem de ser
substituída por outros estímulos, mas isso exige muito preparo do professor e uma
mudança de mentalidade que deve envolver docentes, alunos e a família." Sem isso,
na sua opinião, o sistema corre o risco de simplesmente despejar uma geração de
analfabetos no mercado de trabalho e nas portas da universidade.
- Como muitos educadores, ela avalia que o principal problema do sistema de ciclos, tal
como funciona hoje na rede estadual de São Paulo, decorre do fato de ter sido implantado
sem o devido envolvimento dos docentes.
- "Não houve nenhum trabalho de debate da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nas
escolas, muitos professores não conhecem o conteúdo da lei, quanto mais seus
objetivos", diz Noeli, que hoje dá cursos de reciclagem a professores da rede
pública.
- "Se uma reforma não tem sustentação, adesão, acaba abandonada", concorda a
professora de sociologia da Educação da USP, Marília Spósito. Sua idéia é
relativamente simples: como a mudança do sistema seriado para o de ciclos não foi
discutida pelos professores e não incorporou suas necessidades, eles acabam não apoiando
a inovação, o que tem reflexos diretos sobre a qualidade do conhecimento transmitido às
crianças.
-
- Resistência - "O professor está resistente à mudança porque foi ferido,
mas tem solução", diz. Isso não significa, no entanto, na opinião da educadora,
que o sistema antigo - baseado nas séries e na reprovação - era melhor que o atual,
pois o desempenho dos estudantes não era melhor.
- Azevedo considera o governo federal e os estaduais "incompetentes" para
resolver as mazelas da educação no Brasil. Para ele, os dois principais problemas do
setor são a falta de condições de ensino, notadamente de instalações como bibliotecas
e laboratórios, e a baixa remuneração dos professores, que acaba afastando do
magistério os melhores profissionais.
- "Se existe repetência em nível tão alto, o culpado não é o aluno", diz
Azevedo, responsabilizando os professores e as escolas pelo mau desempenho dos estudantes.
Nesse ponto, ele e Guiomar concordam: "A sociedade tem de cobrar é do professor, da
escola, da Secretaria da Educação", reforça ela.
-
- Debaixo do tapete - Ao adotar o sistema de ciclos, no entanto, os governos
estariam tentando "esconder o problema da repetência e da baixa qualidade do ensino
debaixo do tapete", segundo o ex-reitor da UnB.
- Mas, para Guiomar, o objetivo "é preservar o direito do aluno aprender".
(Colaboraram Marta Avancini e Simone Biehler Mateos) 
Alunos e pais
criticam mudança no ensino
Para muitos estudantes, sistema de progressão automática causa desinteresse pelas
aulas
LILIAN SANTOS
Karyna das Neves Ratkov, aluna da 8ª série,
não concorda com o critério de progressão automática. "Eu já passei de ano sem
saber nada de Português e de Geografia", diz. Para ela, isso faz com que os alunos
percam o interesse pelas aulas e deixa os professores sem estímulo. "Tenho a
impressão de que os professores só estão na sala de aula para marcar presença",
afirma.
- Quando tem dificuldades com alguma matéria, pede ajuda a um primo, que faz a 7ª série
na rede particular. "Ele sempre ensina coisas que nem aprendi", diz. Apesar das
dificuldades com Português e Geografia, ela diz ser uma aluna aplicada, que faz todas as
lições de classe. "São essas lições que me dão chance para passar de ano,
porque ganho conceito positivo na média escolar." Outro recurso para aumentar a
média final são os trabalhos escolares.
- "Esses trabalhos são o jeitinho do aluno ganhar média sem entender da
matéria", diz sua amiga Patrícia Callado Lopes, de 12 anos, que está na 6ª série
e assume já ter apenas digitado um trabalho de História para ficar com média.
"Não entendo nada do assunto", admite Patrícia.
- Outro problema enfrentado por Karina e alguns de seus amigos é a falta de professores
para dar aulas de reforço. "Na minha escola só há reforço de Matemática e
Português", conta. Segundo ela, são chamados apenas os alunos que ficam com notas
vermelhas e os que aumentam suas notas com os conceitos positivos não são incluídos no
reforço. A estudante diz também que alguns de seus colegas trabalham e não freqüentam
essas aulas.
- Antônio Carlos Rodrigues, pai de Elis Cristina, de 12 anos, estudante da 6ª série de
uma escola pública, disse que não entende como um aluno consegue passar de ano sem
aprender direito uma matéria. "Com essa qualidade do ensino tenho dúvidas se minha
filha vai conseguir passar num exame de vestibular." - OESP
Atualização do IGGe: o sistema de ciclos sem reprovação perdeu, desde 2001,
pelo menos dois importantes adeptos - a prefeitura de Santos (SP), uma das primeiras a
adotar o ciclo quando governada pelo PT na década anterior, implementou em 2002 as provas
bimestrais padronizadas e o fim da promoção automática, repondo o hábito da
avaliação entre professores e alunos, com um currículo básico para cada série.
Também a prefeitura do Rio de Janeiro retomou o uso das provas e da avaliação dos
alunos por conceitos, recomeçando em 2003 a avaliar seus alunos em cada série. Ambas as
secretarias justificaram o abandono do ciclo sem retenção por entenderem que os
indicadores de aprendizagem vinham caindo em suas cidades, bem como a motivação de
alunos e dos professores de suas Redes. |
- Leia mais: 1. Os
ciclos em SP e os problemas com Língua Portuguesa
- 2. Recuperação de
Verão em SP é só Brincadeira
- 3. Escola
Noturna com baixa qualidade de ensino - Notas ''boas'' aparecem para encobrir o problema
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