EDUCAÇÃO - IGGe    Instituto Galileo Galilei para a Educação

Reportagem do jornal ''O Estado de São Paulo'' - 28/set/2000

Sistema de ciclo esconde baixa qualidade Ampliar

               DEMÉTRIO WEBER

BRASÍLIA - A introdução de ciclos no ensino fundamental é considerada, de um lado, uma tentativa de mascarar o problema da repetência no País, e de outro um avanço para garantir a permanência e o aprendizado dos estudantes na escola. Hoje, 8,2 milhões (23%) dos 36 milhões de estudantes do ensino fundamental no País estão matriculados em escolas onde o sistema de ciclos substitui as séries tradicionais e o aluno só pode ser reprovado ao fim de duas, três ou quatro séries.

O ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB) e consultor José Carlos de Almeida Azevedo é um crítico contundente dos ciclos - sistema previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e incentivado pelo governo federal.
"Foi a maneira mais fácil arranjada pelos legisladores e pelo Ministério da Educação (MEC) para ocultar a repetência", afirma Azevedo.
No ano passado, a taxa de alunos matriculados no ensino fundamental que tinham sido reprovados no fim de 1998 era de 21,3%, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Na 1ª série, esse índice chegava a 40,1%, quase quatro vezes maior do que na 8ª série (11,2%).
 
Castigo para o aluno - Para a educadora e integrante do Conselho Nacional de Educação (CNE) Guiomar Namo de Melo, o fato de um aluno repetir a série não significa que ele vá aprender mais. "Pelo contrário, isso é um castigo", sustenta ela, lembrando que estudantes mais velhos, provavelmente por causa da repetência, apresentaram desempenho pior do que os demais nas provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), aplicadas pelo MEC em 1997.
Azevedo, porém, entende que a avaliação - e a conseqüente retenção do estudante em caso de mau resultado - é indispensável para verificar se houve a aprendizagem. Ao permitir a aprovação em massa, segundo ele, os ciclos acabariam "sendo um desestímulo aos bons alunos", ao abrir caminho para a progressão de quem não domina os conteúdos.
Guiomar, por sua vez, vê na aprovação automática dentro dos ciclos a possibilidade de o aluno aprender de acordo com o seu ritmo, ao longo de dois, três ou quatro anos. Ela destaca que esse sistema não leva os estudantes a saírem despreparados da escola, uma vez que pode haver reprovação no fim de cada ciclo.
 
Investimento - "A proposta é correta, reprovar não resolve nada, mas para que a progressão continuada funcione é preciso investir pesado na formação de professores, o que não foi feito na medida necessária", diz a pedagoga Noeli Wefford, expressando opinião comum entre educadores. "A coerção tem de ser substituída por outros estímulos, mas isso exige muito preparo do professor e uma mudança de mentalidade que deve envolver docentes, alunos e a família." Sem isso, na sua opinião, o sistema corre o risco de simplesmente despejar uma geração de analfabetos no mercado de trabalho e nas portas da universidade.
Como muitos educadores, ela avalia que o principal problema do sistema de ciclos, tal como funciona hoje na rede estadual de São Paulo, decorre do fato de ter sido implantado sem o devido envolvimento dos docentes.
"Não houve nenhum trabalho de debate da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nas escolas, muitos professores não conhecem o conteúdo da lei, quanto mais seus objetivos", diz Noeli, que hoje dá cursos de reciclagem a professores da rede pública.
"Se uma reforma não tem sustentação, adesão, acaba abandonada", concorda a professora de sociologia da Educação da USP, Marília Spósito. Sua idéia é relativamente simples: como a mudança do sistema seriado para o de ciclos não foi discutida pelos professores e não incorporou suas necessidades, eles acabam não apoiando a inovação, o que tem reflexos diretos sobre a qualidade do conhecimento transmitido às crianças.
 
Resistência - "O professor está resistente à mudança porque foi ferido, mas tem solução", diz. Isso não significa, no entanto, na opinião da educadora, que o sistema antigo - baseado nas séries e na reprovação - era melhor que o atual, pois o desempenho dos estudantes não era melhor.
Azevedo considera o governo federal e os estaduais "incompetentes" para resolver as mazelas da educação no Brasil. Para ele, os dois principais problemas do setor são a falta de condições de ensino, notadamente de instalações como bibliotecas e laboratórios, e a baixa remuneração dos professores, que acaba afastando do magistério os melhores profissionais.
"Se existe repetência em nível tão alto, o culpado não é o aluno", diz Azevedo, responsabilizando os professores e as escolas pelo mau desempenho dos estudantes. Nesse ponto, ele e Guiomar concordam: "A sociedade tem de cobrar é do professor, da escola, da Secretaria da Educação", reforça ela.
 
Debaixo do tapete - Ao adotar o sistema de ciclos, no entanto, os governos estariam tentando "esconder o problema da repetência e da baixa qualidade do ensino debaixo do tapete", segundo o ex-reitor da UnB.
Mas, para Guiomar, o objetivo "é preservar o direito do aluno aprender".

(Colaboraram Marta Avancini e Simone Biehler Mateos)

 

Alunos e pais criticam mudança no ensino

Para muitos estudantes, sistema de progressão automática causa desinteresse pelas aulas

LILIAN SANTOS

Karyna das Neves Ratkov, aluna da 8ª série, não concorda com o critério de progressão automática. "Eu já passei de ano sem saber nada de Português e de Geografia", diz. Para ela, isso faz com que os alunos percam o interesse pelas aulas e deixa os professores sem estímulo. "Tenho a impressão de que os professores só estão na sala de aula para marcar presença", afirma.

Quando tem dificuldades com alguma matéria, pede ajuda a um primo, que faz a 7ª série na rede particular. "Ele sempre ensina coisas que nem aprendi", diz. Apesar das dificuldades com Português e Geografia, ela diz ser uma aluna aplicada, que faz todas as lições de classe. "São essas lições que me dão chance para passar de ano, porque ganho conceito positivo na média escolar." Outro recurso para aumentar a média final são os trabalhos escolares.
"Esses trabalhos são o jeitinho do aluno ganhar média sem entender da matéria", diz sua amiga Patrícia Callado Lopes, de 12 anos, que está na 6ª série e assume já ter apenas digitado um trabalho de História para ficar com média. "Não entendo nada do assunto", admite Patrícia.
Outro problema enfrentado por Karina e alguns de seus amigos é a falta de professores para dar aulas de reforço. "Na minha escola só há reforço de Matemática e Português", conta. Segundo ela, são chamados apenas os alunos que ficam com notas vermelhas e os que aumentam suas notas com os conceitos positivos não são incluídos no reforço. A estudante diz também que alguns de seus colegas trabalham e não freqüentam essas aulas.
Antônio Carlos Rodrigues, pai de Elis Cristina, de 12 anos, estudante da 6ª série de uma escola pública, disse que não entende como um aluno consegue passar de ano sem aprender direito uma matéria. "Com essa qualidade do ensino tenho dúvidas se minha filha vai conseguir passar num exame de vestibular."  - OESP

  Atualização do IGGe: o sistema de ciclos sem reprovação perdeu, desde 2001, pelo menos dois importantes adeptos - a prefeitura de Santos (SP), uma das primeiras a adotar o ciclo quando governada pelo PT na década anterior, implementou em 2002 as provas bimestrais padronizadas e o fim da promoção automática, repondo o hábito da avaliação entre professores e alunos, com um currículo básico para cada série. Também a prefeitura do Rio de Janeiro retomou o uso das provas e da avaliação dos alunos por conceitos, recomeçando em 2003 a avaliar seus alunos em cada série. Ambas as secretarias justificaram o abandono do ciclo sem retenção por entenderem que os indicadores de aprendizagem vinham caindo em suas cidades, bem como a motivação de alunos e dos professores de suas Redes.

Leia mais:   1.  Os ciclos em SP e os problemas com Língua Portuguesa
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IGGe - São Paulo, Brasil - 2000/2001

atualização - 2003

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