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LUCI COLLIN

ALQUIME

"... o fim justifica a dignidade precária."
N. Piñon

Mentia. E era uma quantidade de dias feitos de palha e inobservâncias, feitos da tristeza única do osso. Assim a vida na verdade e não aquele aglomerado de frases bonitas que ela despejava ao telefone com as amigas. E não uma aventura cintilante como o esmalte com que pintava as unhas compridas descansadíssimas, entediadas.

Mentia com certeza quando aquele homem se aproximava noite após noite aquele cheiro desconhecido ano após ano falsificando gemidos, amarrotando lençóis com uma sofreguidão de braços e pernas que na verdade doíam de tanto estarem estáticos, ausentes de reais abraços, longos silêncios doloridos.

Mentia quando aquele sorriso dulcíssimo, azedo por dentro: cansaço de eternos discursos cheios de adjetivos. Subordinação de frases. Era para ser simples, olhar sem peso, mas decidira o destino que para ela os dias seriam intermináveis, o tempo invisível inimigo, história de um banalíssimo desfecho, acúmulo de descartáveis. Assim o resumo da vida, aprisionada em fotos de filhos na praia, bolos de aniversário, e a grama que precisa ser novamente cortada e a grama que morre com uma geada mais forte e a grama que brota. E as ervas daninhas roubando a beleza do verde, sabotando, suprimindo lentamente, escoando a força, o sentido de uma completude macia e equilibrada. Os dias.

Era assim a solidez dos definitivos; a emergência das rugas ao redor da boca, o gosto das frases engolidas, a palidez dos olhares vertendo sentenças óbvias e sutis como a poeira que se acumula por sobre os móveis antigos, infringindo o perfeito macio do veludo importado, a sobriedade da prataria parte de uma herança. Por isso mentia. Nas fotos, na hora do brinde, nos abraços, na mais sonora risada, mentia.

Por isso dizia Sim, como se tanto fizesse, o sim feito sempre qualquer outra coisa, sendo apenas som para indicar que ali alguém ainda respira, que alguém não sente saudades, que alguém, apesar de tudo, sobrevive e com certeza já não se arrepende de ter um dia escolhido aquela porta maciça. Só pela riqueza da fechadura dourada.



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