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Contam que o grande Zeus estava, uma vez, preso em uma caverna.
Parece que ele tinha uma verdadeira obsessão pela perfeição, porém como esta não se encontra fácil no mundo — nem mesmo no dos deuses gregos — , ele tentava subtrair as virtudes que lhe faltavam das deusas com quem ele se casava e ele se casou muitas vezes.
Não sei dizer como o deus chegou àquela situação, mas é certo que aqueles que cuidavam para que o usurpador ficasse ali eram uns dragõezinhos híbridos, que tinham a parte inferior do corpo em forma de serpente e o tronco de mulher: Estes — ou estas — eram delphines.
Examinemos o monstro:
A parte de cima é de mulher, o que nos evita o problema de pensar sobre seu gênero, fisicamente falando. Contudo, é importante que se observe que as "faculdades morais e intelectuais", que habitam as partes dos corpos que ficam acima de linha da cintura, se supõe que sejam assexuadas.
Estamos falando de emoções e idéias.
Porém, se não admitimos a igualdade sexual nestes terrenos, então chegaríamos à conclusão de que a metade da monstruosidade de delphines deve-se a que eles se movam com coração e pensamento femininos.
O que pensavam ou sentiam delphines, enquanto cuidavam para que Zeus não se apropriasse de virtudes alheias, não saberemos jamais, porém estamos conscientes que havia algo mais que idéias que este deus não tinha e que era próprio das mulheres.
Seria isto o que mulheres e delphines tinham em comum para que lutassem juntos?
O que é que Zeus poderia esgotar em ambos?
Pensemos um pouco.
Se Zeus conseguisse a perfeição — e ele estava perto de fazê-lo — , então ele não desejaria nada mais para sempre. Neste caso, as deusas — e quem sabe delphines, nas suas imperfeições — ficariam pela eternidade com o privilégio do desejo.
Se estivéssemos em um universo cristão, a parte inferior do monstro em forma de serpente seria uma confirmação incontestável de que delphines são, de fato, mulheres, cujo desejo degradou toda a humanidade, particularmente, as filhas de Eva. Porém, como delphines são mitos gregos que raras vezes foram vistos atuando, não se pode julgá-los tão facilmente.
Em uma outra lenda eles estavam na ilha de Delphos mantendo o deus Apolo como prisioneiro. Apolo — que é filho de Zeus e Letona — tem, até hoje, seu templo naquela ilha. Talvez venha dali o nome dos delphines, pois — como fizera antes seu pai — Apolo também venceu os monstrinhos e todos acreditaram que, com isso, eles haviam sido calados para sempre.
Apolo é o deus dos Oráculos, da Medicina, da Poesia e das Artes, senhor absoluto de todo saber que, até o final do século XIX, pertencia exclusivamente ao universo masculino.
Mais uma vez mulheres e delphines compartilharam os sentimentos de exclusão, frustração, derrota e o silêncio deles resultante.
É verdade que as escritoras do século XIX perigosamente defenderam sonhos de delphinas, expostos com sabedoria e modelados pelos seus desejos. Entretanto, eu me pergunto:
Que tipo de poder manejam os deuses para manter no inconsciente coletivo estes poderosos mitos menores que puderam negar às escritoras do XIX uma vida feliz em plena modernidade?
O filósofo Umberto Eco, dirigindo-se aos estudantes da Universidade de Harvard em 1993, ao abordar a relação dialética entre o autor e o leitor, disse: - Temos de seguir o preceito do oráculo de Delphos: "Conhece-te a ti mesmo". E como, segundo Heráclito nos lembra, "o Senhor cujo oráculo está em Delphos não fala, nem esconde, mas indica através de sinais", o conhecimento que buscamos é ilimitado porque assume a forma de uma contínua interrogação. E poucas linhas depois o autor revela: ... toda mensagem secreta pode ser decifrada, desde que se saiba que é uma mensagem.
Quais mensagens secretas nos deixaram as escritoras do século XIX em seus escritos?