© Wolfgang Kurt Schrickel, 10/7/1997
http://www.oocities.org/WallStreet/Floor/2311
Outro dia, uma analista de crédito e investimentos, atuante numa das maiores instituições financeiras do país me fez um extenso questionamento acerca da reduzida disponibilidade de financiamentos a longo prazo nos bancos em geral. Em sustentação a esta idéia central, ela apresentava uma série de ponderações que, acredito, representam dúvidas de muitas pessoas (a questão do financiamento do crescimento das empresas em geral, tornando-as, portanto, clientes potenciais dos bancos; a questão das margens empresariais e das taxas de juros num cenário de inflação inferior a 1% ao mês; o engajamento dos bancos no financiamento do desenvolvimento do país, etc.). Ainda que facilmente explicável, o tema é deveras complexo, por mais paradoxal que possa parecer, pois ele não envolve tão somente a pura e simples vontade da administração ou dos acionistas das instituições financeiras em alongar os prazos dos financiamentos. Do ponto de vista operacional, talvéz até fosse uma vantagem para os bancos fazer apenas empréstimos de longo prazo. Em tese, entre outros, por exemplo, eles poderiam atuar com quadros de pessoal mais reduzidos e especializados, logo reduzindo custos; eles teriam um fluxo de receita mais previsível; poderiam planejar melhor o seu fluxo de caixa, poderiam eliminar ou reduzir sensivelmente os índices de inadimplência; teriam garantias mais palpáveis, e assim por diante. Vejamos, pois, alguns dos aspectos relacionados à complexidade do tema suscitado pela citada analista, que procurei estruturar na forma mais ordenada possível. 1) Tipos de instituições bancárias
A estruturação do mercado bancário brasileiro remonta a 1964, quando foi promulgada a Lei nº 4.595 - Lei de Reforma Bancária. Em decorrência, as instituições financeiras podiam ser agrupadas conforme as suas funções e finalidades operacionais:
Há de se convir que esta estruturação, não obstante boa, torna a tarefa de controle do Banco Central extremamente difícil, dada a criação de conglomerados financeiros, em que operações podem migrar dentre diferentes instituições do grupo, cada qual com sua própria contabilidade e balanço. Com o passar dos anos, a aceleração da curva inflacionária, a crescente sofisticação das necessidades financeiras das empresas e pessoas, e o desenvolvimento de novos produtos pelas instituições, entre outros, começaram a descaracterizar algumas dessas instituições, fazendo-as se afastarem de suas finalidades originalmente previstas (por exemplo, Distribuidoras atuando como agência de banco comercial; financiamento de bens duráveis sendo feitos, não pelo clássico carnê, mas por cheques pré-datados, que eram posteriormente negociados com os bancos comerciais; créditos pessoais feitos no Banco Comercial e não via CDC de Financeira; operações de Finame concorrendo com Leasing e empréstimos bancários à base de penhor industrial ou alienação fiduciária; Bancos de Investimento que simplesmente não tinham como captar CDB’s com prazo mínimo de 360 dias, etc.).
Numa tentativa de racionalizar as atividades das instituições, tornando mais fáceis os controles das autoridades monetárias, foram criados, em 1988, os Bancos Múltiplos (Res. nº 1.524/88 do Bacen). Estas instituições devem possuir, pelo menos, 2 carteiras dentre: Comercial (Bancos Comerciais), Investimento (Bancos de Investimento), Crédito Imobiliário (Sociedades de Crédito Imobiliário), Aceite (Financeiras), Desenvolvimento (Bancos de Desenvolvimento) e Leasing, sendo uma delas, obrigatoriamente, Comercial ou de Investimento.
À época da criação dos Bancos Múltiplos (1988), o Brasil possuía 101 Bancos Comerciais e 5 Caixas Econômicas. No ano seguinte, o país possuía 74 Bancos Comerciais, 98 Bancos Múltiplos e as mesmas 5 Caixas Econômicas, perfazendo um total de 177 instituições, contra 106 do ano anterior. Ao final de 1995, já tendo ocorrido uma série de negociações acionárias no mercado, o Brasil possuía 35 Bancos Comerciais, 209 Bancos Múltiplos e apenas 2 Caixas Econômicas, totalizando 246 instituições. Se, em 1988, existiam 15.113 Agências e 6.967 Postos de Atendimento Bancário (PAB), em 1995 estas cifras eram, respectivamente, 17.342 e 15.058. Ou seja, de 22.070 pontos de atendimento em 1988, chegamos a 32.400 em 1995. Contudo, se em 1988 a participação do segmento bancário no PIB girava em torno de 13%, atualmente esta participação situa-se por volta de 7%. Em outras palavras, o número de garfos na mesa cresceu, mas o bolo reduziu de tamanho. Por isso mesmo, é que o movimento de fusões e incorporação de bancos é um processo que ainda se verificará por um bom período, até chegarmos ao número de instituições proporcional ao peso atual do mercado bancário no PIB. Pessoalmente, acho que este número gira em torno de 70 instituições. Nos dias atuais, dos cerca de 235 bancos existentes, cerca de 160 deles detêm menos de 2% do mercado, o que dá para cada um uma fatia de mercado absolutamente marginal. Dentro desta linha de raciocínio, a concentração bancária é uma realidade em todo o mundo, e no Brasil não é diferente.
Junte-se a isso a crescente participação no mercado de instituições não-bancárias, como, por exemplo, as empresas de cartão de crédito, fundos e o segmento de factoring. Tudo isso tem estreitado ainda mais a faixa de atuação dos bancos e está a exigir cada vez mais criatividade dos mesmos, além da clara definição do seu foco operacional (sua especialização e definição de pontos fortes, nicho de mercado, forma de atuação: atacado x varejo, pessoa jurídica x pessoa física, crédito x administração de fundos, crédito x fusões e aquisições, câmbio, etc.).
Atualmente, já não são mais os bancos, como classicamente os conhecemos, que financiam a maior parcela das vendas de veículos no mundo. Este segmento já foi há algum tempo absorvido por instituições pertencentes às próprias montadoras, sendo um prolongamento de sua estratégia operacional de escoamento da produção.
Como se nota, a questão de emprestar recursos a longo prazo, de princípio, não é simplesmente um ato de vontade de diretorias ou acionistas, mas fruto da especialização e finalidade para a qual a instituição foi autorizada a operar no mercado.
2)Captação versus Aplicação
Em cenários de economia estável será mais provável que os bancos possam promover o descasamento de prazos de captação e aplicação, eis que as diferenças de taxas não deverão ser tão elásticas como em épocas de hiperinflação. Contudo, os bancos, após muitos anos de sobressaltos (inflação em ascenção, “pacotes” econômicos, tablitas, etc.) têm enraizada a tendência de trabalhar de forma “casada”, tanto quanto possível. E é assim em toda parte. Da habilidade da tesouraria da instituição em promover descasamentos é que resultará uma maior ou menor lucratividade, e isto está fortemente relacionado a um misto de know how, disponibilidade de informações, aptidão para risco, base de capital e uma boa dose de insights.
Alguns bancos já tem oferecido empréstimos a prazos mais dilatados, mediante a contratação de linhas de crédito do exterior, por exemplo dentro da Res. 63, ou colocação de títulos no exterior. Estes recursos, todavia, são dirigidos a empresas de primeira linha, as empresas maiores e mais fortes, financeiramente, não sendo empregados no financiamento de micro, pequenos e médios empreendimentos, salvo raríssimas exceções.
3)Aptidão para o Risco
A década de 80 foi a década da escalada inflacionária e dos planos econômicos. Dos 7 planos de estabilização da economia implementados ao longo dos últimos 16 anos, 5 ocorreram na década de 80 (86-Cruzado, 87-Bresser, 88-Mailson, 89-Verão, 90-Collor I) e tivemos 3 trocas de moeda (86-Cruzado, 89-Cruzado Novo, 90-Cruzeiro), com a supressão de 6 zeros. Nos anos 90, tivemos mais 2 planos (91-Collor II, 94-Real), mais 2 trocas de moeda (93-Cruzeiro Real e 94-Real), e a supressão de mais 3 zeros. Com a inflação nas nuvens, e planos econômicos reiteradamente frustrados, sejamos justos, era muito mais conveniente deixar o dinheiro “girando” no over> do que investi-lo na criação de novas fábricas ou casas comerciais e, por extensão, na geração de empregos.
Os bancos não escaparam deste processo e se adaptaram a ele. Afinal, os bancos transacionam com a mercadoria mais desejada do planeta capitalista: o dinheiro. E sua velocidade de adaptação às mudanças é simplesmente imbatível e fenomenal. Os bancos mudam o seu modus operandi, cortam zeros de suas máquinas registradoras, abastecem agências com novas cédulas, recalculam impostos, aplicam tablitas, mudam contratos-padrão, etc. na passagem de um final de semana. Esta velocidade de adaptação é própria dos bancos. Nenhum outro setor o consegue. É simplesmente impossível mudar toda uma linha de produção de automóveis ou televisores de um dia para outro. Isto leva meses de planejamento, desenvolvimento e adaptação tecnológica.
Como conseqüência, os bancos mudaram por completo o seu foco do negócio. Deixaram de priorizar a concessão de crédito (o lado do Ativo do balanço), como faziam na década de 70, e passaram a agir como verdadeiros corretores de valores, ficando o crédito como uma atividade verdadeiramente marginal. Priorizou-se o lado do Passivo do balanço dos bancos. Os bancos corriam atrás dos recursos de depósitos a vista e a prazo e, na ausência de tomadores de empréstimos, simplesmente repassavam-nos ao governo, na forma de títulos públicos federais, estaduais ou minicipais, ou a outras instituições, via CDI. Um negócio simples, fácil, com reduzido risco (quase nenhum) e uma excelente rentabilidade, que chegou a ser de 1% ao dia!.
Os bancos simplesmente desaprenderam a emprestar. Desabituaram-se a fazê-lo em grande escala. E, no limite, pode-se dizer, os bancos criaram certa aversão ao risco, preferindo limitar os empréstimos ao curtíssimo ou curto prazo (de 1 dia a, no máximo, 30 dias). Uma ínfima parcela de recursos era canalizada para operações de maior prazo.
Quando morei e atuei profissionalmente em Nova Iorque, surpreendia-me ao ver operações de empréstimo com vencimento para 2.002, 2.005, 2.010. Eram prazos inimagináveis no Brasil. E, olha que estávamos em 1981/1982!
No Brasil, são poucos os bancos que têm mantido um contato mais contínuo e estreito com o conceito clássico de risco de crédito de médio e longo prazo, como sugere a citada a analista. São eles, a meu ver, o BNDES, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, o Banco do Nordeste, os Bancos Estaduais e de Desenvolvimento Regionais, e uns raros bancos privados de varejo, cada qual com seu nicho de mercado próprio. São estes que têm assumido a maior parcela de riscos, eis que aplicam recursos em áreas emergentes, em micro, pequenas e médias empresas, e por aí afora, através de uma série de programas e linhas de crédito específicas para tal. E, como "recompensa", também têm sofrido um impressionante aumento na inadimplência dos tomadores. Desprezados empréstimos que não deveriam ter sido feitos de princípio, sem dúvida, as instituições citadas é que tem bancado o verdadeiro risco de crédito em nosso país, sob a ótica do questionamento da analista citada ao início destas ponderações.
Vejamos, por exemplo, as operações Finame. Existe perto de 1 bilhão de Reais no BNDES à disposição dos tomadores. Contudo, os bancos não se estimulam a colocá-los no mercado. Porque? Porque o spread (del credere) é baixo (2% a.a.), mas o risco perante o BNDES é do Agente (o banco repassador) por toda a vida do empréstimo, vale dizer, 5 anos. Obviamente, não é necessariamente um estímulo aos bancos fazer esforços adicionais para a colocação dos recursos do Finame, em troca deste patamar de remuneração.
As pequenas e médias empresas, e elas são a esmagadora maioria de todos os empreendimentos no país, quando não conseguem obter empréstimos nos grandes bancos privados de varejo ou nos bancos oficiais, acabam por cair nas malhas dos agiotas, ou apelar para as operações de "factoring", um setor que tem registrado grande crescimento no país.
É totalmente anacrônico financiar a expansão dos empreendimentos industriais e comerciais via desconto de duplicatas. Isto é totalmente incompatível com qualquer manual básico de finanças. Contudo, simplesmente não havia outro meio de fazê-lo. É totalmente incongruente retirar recursos do giro para esterizá-los em ativos fixos, cuja maturação se dará em prazo muito maior. Trata-se do clássico teorema do cobertor: curto demais, ou cobre-se os pés, ou cobre-se a cabeça!
As pessoas físicas, por sua vez, voltam a ser o alvo dos bancos. Isto não é novo. Quando iniciei minha carreira no Banco Lar Brasileiro (Chase), aprendi que a grande vantagem de operar com pessoas físicas era, entre outros, a relativa estabilidade e previsibilidade dos depósitos, a prática de spreads maiores, a diluição de riscos, a possibilidade de se fazer avaliações de crédito em bases estatísticas (credit scoring), e que este mercado era fundamentalmente maior em quantidade do que o das empresas. Os bancos estão, hoje, simplesmente voltando a olhar para um segmento de mercado que foi algo esquecido até a edição do Plano Real, o que os bancos estrangeiros, entre eles o Chase, já faziam há muito tempo.
4)E o futuro?
Ainda que com certos flancos a descoberto, parece que o controle da inflação é uma etapa vencida. Foi uma batalha ganha. Mas, há outras batalhas a enfrentar, outros riscos: a questão cambial, o déficit da balança comercial e, sobretudo, o enorme déficit fiscal (gastamos mais que arrecadamos). É preciso, pois, consolidar o Plano.
Algo que nunca entendi bem é a mais correta dimensão do PIB brasileiro: seriam US$ 600 bilhões, US$ 650 bilhões ou US$ 750 bilhões, apenas para citar algumas cifras já divulgadas na mídia. Isto é tremendamente importante, quando se fala em crescimento do PIB de 4% ou 5%. Esta diferença de apenas 1% representa nada mais, nada menos, que US$ 1,5 bilhão sobre os valores citados. Pensemos por um instante que o PIB esteja próximo a US$ 750 bilhões. É preciso, pois, incluir na economia formal dos nossos cerca de US$ 750 bilhões de PIB, os estimados 50% de economia informal. Já pensou o que isso representa de arrecadação tributária? (30% do pêso dos impostos sobre o PIB x [US$ 750 bi x 50%] = US$ 112,5 bilhões). E, se apenas 50% dos 50% informais passassem para a "superfície da economia", seriam US$ 56,3 bilhões. Qualquer que seja a cifra utilizada, é um "numerão", não? Superior ao PIB da maioria dos países.
Temos hoje uma população econômicamente ativa de aproximadamente 65 milhões de indivíduos. Destes, quase 50% não tem carteira assinada, trabalhando informalmente. Mais uma evasão tributária. Como dizia o Ministro Adib Jatene: “os contribuintes são virtuais, porém os usuários dos sistemas de saúde são reais”. E a tendência é de piora, sem as reformas, pois a esperança de vida tem aumentado no Brasil e o número de pessoas que se retiram das atividades produtivas (aposentados e pensionistas) é crescente a cada ano. Dentro de algum tempo, quem é que vai pagar a conta?
As reformas, ora em discussão no cenário nacional, são inadiáveis, e devem ser acrescentadas pelo estabelecimento de uma nova política industrial (para reduzir os impactos da globalização sobre as taxas de desemprego e a absorção da mão de obra que chega ao mercado todos os anos), uma nova política agrícola - não confundir com reforma agrária, que é outra coisa - (tecnologias de produção, apoio técnico ao produtor, financiamentos, preços mínimos, escoamento da produção), uma nova política de transportes (combinação de rodovia, ferrovia, navegação fluvial e marítima), tudo com o objetivo de reduzir o chamado “custo Brasil”. Contudo, tudo isso faz parte do castelo de cartas que temos pela frente. Se se puxar a carta errada, o castelo cai. É o efeito dominó: empurra-se a primeira pedra, e todas as outras cairão ao seu tempo.
Paralelamente, é preciso investir maciçamente em educação, para preparar as novas gerações para um novo cenário, completamente distinto daquele vivido nos últimos 15 anos, e, sobretudo, para despertar-lhes o sentimento da cidadania participativa, ou seja, pensar no país globalmente, não apenas até o alcance do seu próprio nariz!
Este processo de reformas é extremamente complexo, pois envolve múltiplos interesses. É óbvio que cada parte interessada no processo procure resguardar as suas conquistas do passado. Ninguém quer abrir mão, docilmente, das suas vantagens, o que exacerba o chamado corporativismo. E quase tudo esbarra no trinômio: direito adquirido, coisa julgada e Constituição. As reformas estão, portanto, intimamente relacionadas a um amplo, profundo e extenuante processo de negociação, o que é próprio do regime democrático. A combinação de interesses é um dos maiores desafios da democracia.
De outra parte, é fundamental que se pacifiquem as relações entre os indivíduos, através de um novo pacto global, de tal sorte a que o acionamento do Judiciário se limite ao mínimo possível. Em razão de toda a balbúrdia inflacionária de anos recentes, pacotes econômicos, rompimento de relações jurídicas, etc., questiona-se absolutamente tudo Judiciário e, sobretudo, no nível do STF. É preciso, pois, encontrar uma fórmula para que estes questionamentos se limitem ao essencial e que questões já julgadas não repiquem para novas deliberações, o que apenas onera o processo e atravanca e desvia o país das questões fundamentais.
Como sempre, sou otimista. Quanto avanço já não tivemos ao longo dos últimos 40 anos? E nos últimos 3? Cedo ou tarde, os bancos voltarão a efetuar empréstimos a prazos mais dilatados. É uma questão de lógica elementar. Por exemplo, há cerca de 2 anos nem sequer existia uma taxa indicadora para operações de longo prazo. Hoje, já existe a TJLP.
Entre as diferentes idéias que têm sido incluídas no grande debate nacional sobre os rumos do Plano Real, uma questão foi, finalmente, incluída, porquanto é uma preocupação inadiável: o crescimento econômico. Se partirmos simplesmente da taxa de crescimento demográfico do país (cerca de 1.5%/1,6% a.a, conforme as últimas estimativas do IBGE, ou 2,5 milhões de patrícios), é imprescindível que o país cresça cerca de 5% a 7% ao ano. Não há escapatória. E, como e quem, financiará este crescimento de forma sustentada? O governo não tem mais como fazê-lo, daí estar, entre outros, acelerando o processo de privatizações. Alguém deverá providenciar os recursos para a implantação de novos projetos industriais e comerciais e/ou financiar o seu giro do dia-a-dia. Embora existam, hoje, muitos outros mecanismos de financiamento (por exemplo, os fundos de diferente natureza), os bancos, cedo ou tarde, terão um reencontro com sua vocação original, qual seja, o de promover a circulação da riqueza e financiar atividades lícitas, saudáveis e produtivas, não só de curto prazo, mas também por períodos mais dilatados.
A analista pondera que num cenário de inflação inferior a 1% ao mês, a geração de lucro para pagar os encargos dos empréstimos é uma questão de "mágica". Concordo. Juros de 5% ao mês, que capitalizados representam quase 80% ao ano são estratosféricos, quando comparados a uma inflação anual inferior a 10%. Porém, não são os bancos que estabelecem a taxa primária de juros do mercado.
A manutenção de um alto patamar de juros na economia (decrescentes, desde o início do Plano Real) tem sido uma das estratégias do governo para a inibição da formação (e especulação) de estoques e a aceleração do consumo, dada a inatratividade da taxa remuneratória da Poupança, que é o principal veículo de formação de patrimônio, sobretudo das classes populares, como ocorrido no Plano Cruzado. Para “enfrentar” esses juros, muitas empresas industriais e comerciais ainda praticam políticas de fixação de preços e margens verdadeiramente absurdas (“comprar por 100 e vender por 200”), como nos “áureos” tempos da inflação desenfreada, ou acabam incrementando a prática, nada salutar, da venda com nota espelhada, venda sem nota, dúzia de 18, quilo de 940 gramas, cheque pré-datado, sonegação fiscal, e por aí afora. É uma questão cultural. Precisamos reaprender tudo.
As preocupações da analista são legítimas, e certamente são preocupações de muita gente. O país tem, agora mesmo, um extraordinário potencial e oportunidade para se alavancar social e economicamente. Não é a toa que baldes de dinheiro têm sido despejados por estas paragens. Ninguém implanta fábricas ou aumenta seus investimentos num país, sem que vislumbre a sua viabilidade de médio e longo prazo. Esta é uma chance fantástica do país preparar-se para o próximo milênio, proporcionando mais e melhor bem-estar para a sua gente, ou, no limite, transformar-se num grande Haiti. Tomara que não desperdicemos a chance. A história nos ensina que as chances são únicas.
O Brasil é um país com um extraordinário poder de adaptação. Em todos os planos econômicos, em todas as crises, o país encontrou saídas. Ainda que Cabral tenha aqui desembarcado há quase 500 anos, o Brasil é, economicamente, um país jovem (cerca de 40/50 anos), com os problemas típicos de um país jovem. Há muita coisa a fazer, e pouco tempo e recursos próprios disponíveis (e à mão). Ainda que viesse a ser descoberto “um buzilhão” em ouro na Amazônia, isto não resolveria o problema, apenas depreciaria o valor do metal no mercado mundial. Mas o país tem gente e idéias. Idéias novas e criativas, que têm merecido destaque no exterior. E gente que é capaz de aprender, motivada pela ascenção social. Os automóveis, as TV’s, e até aviões, independentemente de sua bandeira ou marca, são feitos por brasileiros. No mínimo, eles aprenderam a fazer produtos cada vez melhores, ainda que a tecnologia seja daqui ou dali.
Como dizia o Presidente Juscelino Kubitscheck: "“não importa onde está o acionista; o que importa é onde está a fábrica”. Se o país cresce, instalam-se novas fábricas, criam-se postos de trabalho, aumenta-se a renda, aumenta-se o consumo, que gera mais crescimento, e tudo isso transforma-se numa roda gigante. Mas para que tal ocorra, é preciso, primeiro, fazer a lição de casa: reformas e estabelecimento de novas políticas industrial, agrícola e de transportes, e continuar a investir em educação. Daí decorrerão os efeitos na saúde, habitação, segurança, amparo à velhice, etc.
Consolidando o Plano Real com estas medidas, os bancos certamente assumirão o seu papel, auxiliando no processo de financiamento de necessidades empresariais e particulares, que acabarão por consolidar o desejado desenvolvimento do país como um todo.
|