Sorria: você está morto !
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Wolfgang Kurt Schrickel, 12/10/1998
http://www.oocities.org/WallStreet/Floor/2311
A questão central é: NÃO FAÇA 45 ANOS. Já se cantou em prosa e verso as maravilhas do Brasil; a sua beleza natural, a sua fauna, as suas dimensões continentais, as suas maravilhosas praias, que Deus é brasileiro, etc. e tal. Mas o Brasil também é um país exótico em muitas outras coisas. É forçoso reconhecer que sua realidade está entremeada de slogans, modismos, falácias, pleonasmos e eufemismos. Por exemplo, enquanto John Glenn volta ao espaço na próxima missão da Nasa (a agência espacial americana) com mais de 70 anos, aqui no Brasil você envelhece de vez, e subitamente, aos 45. Portanto, NÃO FAÇA 45 ANOS, NUNCA ! Se, no entanto, por algum motivo, você tiver que fazer 45 anos, tenha em mente algumas regras úteis (para que o futuro não lhe pareça por demais sombrio). 1°. TENHA POUPANÇAS: Esforçe-se ao máximo para acumular uma reserva financeira (antes de completar os 45 anos, é claro), que represente, no mínimo, 36 meses do seu salário atual (bruto). Não é muito fácil, mas também não é impossível. Basta ser algo disciplinado, principalmente em relação ao seu cartão de crédito e as compras de impulso. É bom notar que esta reserva deve ser em espécie (dinheiro ou ativos realmente líquidos). E eu enfatizo as palavras "realmente líquidos". Você se surpreenderá com a velocidade com que o dinheiro sai, quando você não tem entradas de caixa (em outras palavras, está desempregado). Ativos reais são, na maioria dos casos, bons ativos. Porém, numa fase de desemprego ou inexistência de entradas de caixa, o que realmente lhe permite pagar as contas é a liquidez dos ativos e não a sua riqueza patrimonial, certo? Escolha o seu banco, o seu fundo de renda fixa ou variável, a sua poupança criteriosamente. Não se deixe impressionar por taxas de rentabilidade muito altas, nem pelo papo do Gerente. Ele é treinado (será?) e pago para atraí-lo. Lembre-se, não existem milagres em economia, e "não existem almoços grátis"... 2°. NÃO CONTE, NEM DEPENDA DE HEADHUNTERS: Muito provavelmente, desde o seu descobrimento, o Brasil tem uma classe social não catalogada oficialmente, que é a dos "espérrrrtus". O que há de "esperteza" entre nós é uma grandeza. São bancos, bois, fundos, carnês, tele900, títulos de capitalização e tudo o mais que se possa imaginar. Talvez não seja exagero afirmar que, lamentavelmente, nosso país tem sido bastante generoso e pródigo para os "espérrrtus" e os golpistas. E na maior cara de pau. Em adição, tem aumentado, e muito, o número de atravessadores. São corretores, despachantes, agenciadores, lobistas, "abridores de portas", consultores e por aí afora. E há também os headhunters. Se você está por cima, está empregado, com a carreira em ascenção, você é cortejado por eles. Se você, subitamente, ficar desempregado, seja pelo motivo que for, você é sumariamente riscado da agenda telefônica. Você nem morto está. Você não existe mais. Os mortos, por exemplo, você tem a chance de relembrar ao menos uma vez ao ano, no Dia de Finados. Os que não existem, simplesmente, não existem. Seja muito seletivo a quem mandar o seu currículo. De princípio, ele não irá bater na mesa do headhunter, mas na de uma secretária, que selecionará o seu currículo a partir do seu bom humor e do tempo que quizer dedicar à leitura, ainda que "por alto" dos currículos que lhe chegam todos os dias. Este é um dos piores filtros que existem: as secretárias ou outros profissionais assemelhados, que fazem a triagem inicial do currículo. Quantas pessoas qualificadíssimas não têm seus currículos jogados na lata do lixo neste filtro. Que poder tem essas pessoas, não? Lembre-se, o headhunter não trabalha para você. Antes de tudo, ele trabalha para ele mesmo. Depois, para a empresa que contrata os seus serviços. No fundo, ele resume-se a um usuário de informações privilegiadas, obtidas de múltiplas maneiras. Identificado o profissional, ele o entrega à empresa que necessita preencher certo cargo, tudo mediante uma polpuda compensação financeira. Não é a empresa quem decide se você é ou não competente para aquele cargo. Ela nem sabe que você existe. Quem decide é o headhunter, ou melhor, aquele filtro inicial. O seu futuro depende, portanto, do filtro, da sua boa vontade, da sua dor de cabeça, da sua sagacidade em ler o seu currículo nas entrelinhas, da sua memória, da eficiência do banco de dados e por aí afora. 3°. CUIDADO COM AS FIRMAS DE RECOLOCAÇÃO: Seguindo na linha de raciocínio anterior, seja muito seletivo na escolha do seu consultor de recolocação profissional. Hoje existem muitas empresas deste tipo (de Outplacement, de recolocação de executivos, de seleção e recrutamento, etc.). Muitas delas já se utilizam com maior freqüência dos recursos da Internet. Por um custo módico, você é "anunciado" na rede. Mas, quem consulta estes anúncios? O site da consultoria é fácil de ser consultado? O seu currículo pode ser achado no meio de tantos outros? Os seus dados realmente retratam você? Você consegue "se ver" ao ler o seu sumário ou seu currículo na tela? Existem empresas de recolocação que alardeiam sua certificação pelas normas ISO, que seus candidatos conseguem tantas e quantas entrevistas, que o site é acessado tantas e quantas vezes todos os dias, que você é assessorado por tantos e quantos meses, etc. Cuidado, há muita picaretagem nisso tudo. Há algumas empresas sérias e muitas outras que não passam de autênticos caça-níqueis. E, olha, ganha-se muito dinheiro nisso. Como você está vulnerável e, invariavelmente, dotado da melhor boa-fé, você tem a tendência de achar que a consultoria vai resolver o seu problema, e em curto espaço de tempo, isto é, recolocá-lo. A coisa não é bem assim. Seja criterioso e, sobretudo, paciente e lúcido. 4°. CULTIVE OS SEUS RELACIONAMENTOS: Ao longo de toda a sua vida profissional (e pessoal) cultive o hábito de construir relacionamentos fortes e duradouros, que transcendam as portas do ambiente de trabalho. Quando você ficar desempregado descobrirá muito rapidamente que os seus "amigos" e "conhecidos" não eram tantos assim. Aliás, você descobre que não os tinha de fato. A exemplo do que fazem os headhunters, você é simplesmente riscado da agenda telefônica. A maior parte das recolocações é feita mediante o contato pessoal, a indicação de pessoas conhecidas. Assim, telefone, entre em contato com velhos conhecidos, faça cursos (seja seletivo), participe de grupos de discussão (temas não muito controversos), faça parte de alguma confraria, vá ao clube, faça ginástica ou musculação. Enfim, apareça, circule. 5°. SAIA DA CAMA E TIRE OS CHINELOS: Se você for trabalhar temporariamente em casa, saia da cama e tire os chinelos. Você talvez não precise vestir o terno, velho companheiro de tantos e tantos anos, mas não extrapole direto para o bermudão, a camiseta desbotada, cabelo despenteado e chinelo de dedo... Mantenha uma certa rotina que você tinha antes. Levante cedo da cama, faça a barba e tudo o mais recomendável para a higiene pessoal, vista-se, vá para o seu novo local de trabalho (o seu escritório, o tal dormitório reversível, ou qualquer outro local apropriado) e mãos a obra: preste os serviços para os quais você está qualificado ou faça os contatos do dia. O importante é manter o ritmo. 6°. CUIDADO NAS SOCIEDADES: Não se meta no primeiro negócio que aparecer. Seja extraordinariamente criterioso na escolha de parceiros para a formação de sociedades. Enquanto meros amigos, as pessoas mantém certo tipo de relacionamento. Tudo é leve: o papo, os encontros informais dos sábados à noite, os almoços, as idas ao clube, a pelada das quintas-feiras, etc. Quando a amizade é extrapolada para a sociedade comercial, entram em cena outros interesses que antes não existiam. O papo informal sobre mulher e futebol cede lugar para a discussão profissional sobre estratégias, metas, custos, resultados, e tudo isso pesa no bolso. É bem verdade que uma sociedade calcada numa amizada prévia e duradoura, tem bastante chance de vingar, porque as pessoas já se conhecem intimamente. Mas, se não der certo, perde-se o sócio e o amigo, certo? De outro lado, se você atuou 20 anos na Contabilidade de uma indústria, talvez você, no fundo no fundo, não tenha nada a ver com uma empresa de fotocópias ou um restaurante por kilo. Num negócio, de princípio, tudo gira em torno de aptidão, e não apenas de capital e sócios. Qualquer negócio só frutifica se você gostar do que faz. Não pode ser apenas uma forma de preencher o seu tempo ou de tentar "ganhar algum" como se diz, para poder pagar as contas no final de cada mês. Se você constituir uma sociedade (com o parceiro que o tempo dirá que não era o mais adequado), montar o negócio em si (aluguel do local, compra de equipamentos) e eventualmente não gostar do que estiver fazendo, e tudo isso for por "água abaixo", você terá consumido grande parte daquela poupança inicial de 36 meses, certo? Seja como for, tenha sempre em mente tentar construir um negócio com quem está mais próximo de você: a sua mulher/marido, seus irmãos e os seus filhos. Só eles. Outros parentes devem ser considerados como terceiros. Portanto, pense bem. Avalie muito bem as alternativas, antes de se meter no tão sonhado "negócio próprio". E mais uma coisa: salvo raras exceções, decorrentes de vocações específicas ou de grande dose de sorte, esteja preparado para viver "para" o negócio e não "do" negócio pelos próximos 12 a 24 meses. Não pense em sair retirando mais que o seu último salário já no segundo mês de atividades. Isto não existe. 7°. CUIDADO COM OS ANÚNCIOS NA INTERNET: A Internet está deslanchando no Brasil. O crescimento do número de computadores instalados e de internautas é assombroso em nosso país. Como você tem tempo disponível (está desempregado), você pode acabar aumentando os seus gastos com a conta telefônica, navegando por horas a fio na net. E navega por tudo que é possivel e imaginável. Não perca seu foco. Você precisa se recolocar. Anuncia-se de tudo na internet. E os anúncios também aparecem em jornais de grande circulação. Cuidado, há muita picaretagem nisso tudo. Desconfie dos sites que citam apenas um telefone celular e pedem pagamentos via depósito bancário. Você não consegue acessar o telefone, que apenas anuncia que a caixa postal está cheia, nem ninguém atende, e os produtos não lhe são enviados. E, misteriosamente, você não consegue mais acessar o site que havia visitado antes. Seja seletivo. Você também deve ter muito cuidado para fazer compras mediante o pagamento via cartão de crédito. Se não for possível fazer a aquisição de outra forma, só pague por meio de mecanismos seguros, isto é, aqueles que impedem o acesso de terceiros ao seu número de cartão de crédito. São seguros, mesmo? 8°. MANTENHA ALTA A SUA AUTO-ESTIMA: Depois de algumas entrevistas frustradas, em que você é considerado inapto para o cargo, seja por conhecimentos, experiências, idade, peso, cor dos cabelos e outras excentricidades dos selecionadores, existe uma tendência de você achar que tenha subitamente se idiotificado. Você acha que é realmente incompetente, inábil, uma autêntica zebra. Nada disso. Mantenha elevada (sem exageros) a sua auto-estima. Você é o melhor amigo de você mesmo. E ninguém conhece você melhor que você mesmo. Seja realista. Retire desses contatos o máximo de informações e ensinamentos. Se você notou que lhe faltam certos conhecimentos, invista neles. Faça cursos, aperfeiçoe-se. Se lhe dão dicas sobre bigode, barba e peso, mude hábitos, faça dietas, avalie se a barba e o bigode podem ser retirados. Nenhum bigode e nenhuma barba é tão importante assim, certo? Quanto à idade... bem esta você não pode mudar, nem falsificando a sua certidão de nascimento, o que também não é nenhuma vantagem... É curioso, não? Entre 45 e 55 a pessoa está no auge do seu conhecimento e experiência. Ela já não salta mais 2,15m (de altura), nem corre os 100m em 10 segundos nos campeonatos internos entre solteiros e casados do seu condomínio, nem talvéz consiga correr a maratona em menos de 2 horas (ninguém conseguiu até hoje), mas nem por isso ele é um velho decrépito. Será que a juventude dos 25 aos 35 anos é a solução para tudo? Esta gente talvéz consiga atingir as marcas acima (à exceção da maratona). Mas será que elas tem experiência para sugerir as mudanças que os tempos atuais exigem? Juventude não é tudo. Ajuda muito. O que conta é a experiência. E quantos talentos não estão sendo desperdiçados pelas empresas, por demissões ou não-contratações, só porque o indivíduo está na "faixa maldita" dos 45? Esta é uma das graves incongruências do Brasil de hoje. Ou será que estas pessoas não são aproveitadas, simplesmente pelo medo dos mais jovens ou das pessoas com idades próximas, de perderem os seus empregos? Cabe, pois, aos donos de empresas e executivos de primeiro escalão avaliar, com extremo critério, quem cortar e quem focalizar em processos de seleção e recrutamento. A sua auto-estima é uma boa ferramenta de empregabilidade. 9°. CONTINUE SENDO GENTIL: Hoje, parece que tudo gira em torno da globalização. É um modismo, como foi a reengenharia, o just-in-time (a GM já o abandonou) e outras espertezas. Se chove muito, isto tem sido debitado a El Niño, que é um fenômeno climático global. Se há fome na Somália ou em Botsuana, isto tem sido debitado à globalização. Bobagem. A fome naqueles países é secular e nada tem a ver com a globalização. Quando uma pessoa não tem conhecimentos e argumentos, ela utiliza certos jargões do tipo: certo? saca? é por aí... Os jovens fazem muito isso. Agora, o jargão da moda é a globalização. Seja como for, parece que a globalização atingiu as boas maneiras e a boa educação. Hoje, a tendência é ninguém mais responder a ninguém. As pessoas simplesmente não dão retorno às suas ligações e correspondências. Por exemplo, se você manda um currículo a um headhunter ou uma empresa de recolocação profissional, você não recebe qualquer feedback. Um primeiro pensamento que lhe pode ocorrer é que talvez a sua correspondência sequer chegou ao seu destino. E isto só vem aumentar a sua angústia. Você tem a mesma confiança nestas Agências dos Correios franqueadas do que aquela que você tem em relação a uma agência oficial? Porque elas não selam, não lhe entregam o selo ou não passam a sua carta na máquina franqueadora no momento em que você está no balcão, deixando para fazê-lo mais tarde a um só tempo (segundo alega o funcionário)? Tudo é decorrente da globalização. (?) Não entre nessa. Continue a ser educado e gentil. Responda os seus emails, faxes e telefonemas em não mais do que 24 horas. Porque, nestes tempos da comunicação e tecnologia, as empresas não conseguem desenvolver algum meio eletrônico de, no mínimo, acusar o recebimento da sua correspondência? Se isto for de todo impossível pela quantidade de correspondências recebidas a cada dia, pelo menos aquelas que, numa triagem inicial e rudimentar, merecessem algum tratamento diferenciado. Lembre-se: seja gentil e educado. Palavras como "por favor" e "obrigado" são mágicas. E dê retorno a quem se comunica com você. Atrás de cada contato pode estar uma nova oportunidade. 10°. SEJA PERSISTENTE, PACIENTE E NÃO PERCA SUA FÉ: A persistência, paciência e a fé são os verdadeiros combustíveis da alma. Não os perca nunca. Sempre lembro de minha mãe quanto a isso. Ela sempre me dizia: por mais difíceis que sejam os tempos, por mais obscuro que seja o futuro, por mais intransponíveis que sejam as portas à sua frente, você não deve desistir nunca. Nunca. Muitas coisas são apenas aparências. Continue a insistir. Mude sua estratégia. Mude os meios. Mude o seu caminho. Mas, continue em frente. Se seus objetivos e valores forem honestos e positivos, você, cedo ou tarde, encontrará a porta certa para bater e entrar. E, nesta hora, poderá abrir o sorriso dos vencedores. Na verdade, você poderá rir de tudo o que ficou para trás, mas tirando desta experiência toda um ensinamento valioso para o futuro. Toda a nossa vida é um constante aprendizado e preparo para algo maior, mais profundo, que não está nesta dimensão. Mantenha a fé, e siga adiante, com a cabeça erguida, o peito aberto e estufado e com um pensamento: eu posso, eu consigo, eu não envelheci, eu não morri aos 45. Se você não atender plenamente a algum dos 10 pontos anteriores, não se preocupe, não há problema. Sorria, você está morto... |