Profissionalismo e "jeitinho":

©Wolfgang Kurt Schrickel, 22/7/1997
http://www.oocities.org/WallStreet/Floor/2311

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Esta página objetiva tecer considerações sobre um tema de importância primária em qualquer economia desenvolvida. Nestes tempos de globalização da economia, acirramento da concorrência, ganhos de escala e fatias de mercado mediante acréscimos marginais, baseados em qualidade, preço e prestação de serviços na fase pós-venda, o conceito de profissionalismo é, sem dúvida, um fator diferencial entre sucesso e fracasso. Não basta ser “profissional”. É preciso agir com profissionalismo.

Talvéz, ao ouvir o termo profissionalismo, muitas pessoas imediatamente pensem numa atividade esportiva. Com efeito, desde tenra idade associamos o termo “profissional”, do qual deriva a palavra profissionalismo, com o esporte e, principalmente, o futebol, o qual rende ao seu praticante uma compensação financeira. Contudo, o alcance destes conceitos é, infinitamente, mais amplo. Tanto “profissional”, quanto profissionalismo, são características que se somam a uma série de outras dos seres humanos, não se limitando ao esporte e ao recebimento de dinheiro.

Diz-se “profissional”: a pessoa dotada de habilidades e/ou experiências, que a habilitam a desempenhar determinadas tarefas específicas, recompensadas materialmente, ou não. O conceito envolve, pois, know how, isto é, um misto de conhecimento teórico e prático. Sempre que chamado a agir, e em decorrência da utilização das suas habilidades, adquiridas por meio de estudos teóricos (formação escolar), adestramento ou treinamento (cursos profissionalizantes específicos) e/ou experiência prática (atividade rotineira e continuada), o “profissional”, até por dever de ofício, deve apresentar resultados concretos, ou seja, soluções que, literalmente, resolvam o problema.

O profissionalismo diz respeito à atitude do ser humano, seja como ser “profissional”, ou na qualidade de pessoa, pura e simplesmente. Sào características associadas ao profissionalismo: a seriedade (sem ser, necessariamente, apenas uma pessoa de semblante sério ou sisudo); o comprometimento (commitment); a ética (aqui tomada sob a ótica restrita de honestidade); aceitação de desafios e de novas responsabilidades (convivência com o conceito de risco); cumprimento de prazos; atenção a detalhes, a princípio considerados irrelevantes: aversão a disperdícios e gastos, ou custos, facilmente “economizáveis”; interesse em promover o upgrading cultural e funcional de seus colegas; esforço para encontrar continuamente soluções criativas para novos problemas, na medida em que surjam; priorizar o cliente ou usuário dos seus serviços, entre outros.

Pensemos um instante numa situação qualquer para diferenciar os conceitos de “profissional” e profissionalismo.

Sempre fui um grande aficcionado do esporte, especialmente o basquete. Cheguei, inclusive, a praticar o basquete por um bom período, numa época em que se vivia um autêntico eufemismo no que tange ao conceito ’profissional”. Naquela época não se recebia um salário propriamente dito, como hoje, mas uma generosa “ajuda de custo”, que permitia cobrir os gastos com locomoção, lanche, mensalidade escolar, etc. No fundo, no fundo, era a mesma coisa (salário x ajuda de custo), porém, em razão dos ideiais olímpicos, não existia a figura do “jogador profissional” naqueles tempos. Dividindo os praticantes entre os fora-de-série, bons jogadors, regulares e medíocres, eu me encaixava, modéstia à parte por um instante, na segunda categoria, a dos bons jogadores. Chegei a ser campeão metropolitano e estadual juvenil, campeão de lance-livre infantil, campeão universitário, entre outros. E como? Chegando mais cedo e saindo mais tarde dos treinamentos. Horas e horas de prática extenuante conduzem ao aprimoramento. Fazer 30 pontos numa partida, ou não errar nenhum lance-livre durante o jogo, não era (nem nunca foi) uma questão de calendário ou sorte (estar “naquele dia”), mas fruto de treino.

Ainda que os conceitos não se limitem ao esporte, mas por entender que é bastante intuitivo o entendimento sob esta ótica, vamos cogitar que estamos assistindo a uma partida de basquete. O placar aponta Azul 95 a 93 Amarelo, faltam 2 segundos para o término da partida, e a equipe amarela, que está em desvantagem no placar, tem uma falta a seu favor. Serão cobrados dois lances livres, e seu jogador R.Lutante não pode nem cogitar em errar um dos arremessos. Ele deve apresentar-se no garrafão, arremessar e converter os dois lances, empatando a partida e forçando a prorrogação. Sendo um jogador da equipe, ele é um atleta treinado e, portanto, habilitado para atingir o objetivo: converter os dois lances-livres. Neste momento crítico, ele deve possuir o equilíbrio emocional para superar as tensões e o nervosismo, “desligar-se” do ruído ambiental e das pressões e, simplesmente, fazer o que tem que ser feito.

Isto não quer dizer que mesmo o jogador de basquete R.Lutante, “profissional”, isto é, habilitado, seja infalível, que não cometa erros. Ele, antes de tudo, é um ser humano, emotivo, e sujeito a falhas. Contudo, ele é habilitado e, certamente, terá mais que 90% de chances de atingir o objetivo da equipe. O que quero contrastar é que, se nesse instante, fosse chamado qualquer espectador da torcida, que não praticasse o basquete, suas chances de acertar os dois lances-livres seria, com toda a certeza, inferior a 5% ou 10%. Não é a toa que nos intervalos de alguns jogos de basquete da NBA, são convidados torcedores para acertar a bola na cesta, arremessando-a do meio da quadra, pagando-se aos acertadores uma bolada de muitos milhares de dólares. Pouquíssimos o conseguem.

Suponhamos, agora, que faltem os mesmos 2 segundos, mas o placar aponta Azul 95 x 92 Amarelo. A diferença na pontuação é de 3 pontos, e a equipe amarela só tem dois arremessos. Neste momento surge o profissionalismo. O que fazer? O atleta R.Lutante poderia simplesmente converter os 2 lances, estabelecendo o placar em 95 x 94. A rigor, ninguém poderia criticá-lo. Ele fez o que tinha que fazer (converter os dois lances). Mas fez mesmo? Certamente que não. Naquela situação crítica ele deve pensar na equipe, no conjunto, e encontrar uma solução, que envolve risco, mas que é a mais adequada. Ele deve converter o primeiro lance e, na seqüência, arremessar de tal forma que sua equipe retome o rebote em condições para um arremesso de quadra (que vale 2 pontos), ou que o jogador que tem a posse da bola sofra uma nova falta, que lhe propiciarão mais dois lances-livres (lembrando que faltavam apenas 2 segundos).

No futubol, um jogador que não esteja em perfeitas condiçòes físicas, deve informar a sua condição ao técnico, de tal sorte a que este providencie a sua substituição. Isto é uma atitude de profissionalismo, já que a sua permanência em campo poderia prejudicar o time como um todo.

Infelizmente, decorrente da economia fechada em que vivemos por muitos e muitos anos, e um nível de educação, menor que o desejável ou necessário, o nível de profissionalismo em nosso país é, ainda, baixíssimo. Em certas atividades chega a ser caótico, com as naturais exceções (serviços públicos, atividades envolvendo mão-de-obra pouco especializada - pedreiro, eletricista, encanador -, corretagem de imóveis, comércio, motorista de taxi, etc.). Só muito recentemente, e decorrente, em grande parte, da Lei de Defesa do Consumidor, é que surgiram nas empresas o serviço SAC-Serviço de Atendimento ao Consumidor. Falta know how, comprometimento e, sobretudo, interesse em bem-servir. Em muitos casos parece que a atuação destes “profissionais” é “de favor”, um verdadeiro aborrecimento (para eles).

Sem grande esforço de memória, dois exemplos claros da combinação entre “profissional” e profissionalismo e que é notável há muitos e muitos anos, antes da abertura da economia, da globalização e quetais, são a Viação Cometa (ônibus sempre limpos e motoristas impecavelmente uniformizados) e os comandantes da nossa aviação civil (identicamente, impecavelmente vestidos e altamente qualificados).

Outro dia estive numa agência de um grande banco numa das cidades da Grande São Paulo. Esta instituição tem uma agência numa cidade do sul do país, cujo prédio tem 3 andares, estando dois disponíveis para locação, sem interessados. Figuradamente, a agência “é maior que a cidade”. Aquela agência é uma herança dos tempos da inflação. Agora, com a redução de custos, a agência simplesmente “ficou grande demais”.

Pois bem, na cidade da Grande São Paulo acontece exatamente o contrário: a agência é pequena demais. Tanto, que não cabem todos os clientes na agência a um só tempo. Qual foi a solução encontrada? Os clientes aguardam a sua vez de adentrar nas dependências da agência, aguardando na calçada, sob o sol escaldante do meio-dia. O tempo de espera não é inferior a 45 minutos. Como arma mercadológica esta estratégia é simplesmente um desastre. Porém, e tudo é possível, talvez o banco não necessite de clientes...

Uma vez dentro da agência, de imediato notei o balcão de Caixas, com 4 funcionários, dos quais, dois atendiam o público (um para clientes e outro para não-clientes), e outros dois não atendiam o público, limitando-se a fazer serviços internos. Sempre achei isso uma falta de respeito ao cliente. Se o funcionário não atende o público, então essa atividade interna deveria ser feita em outro local. Não é difícil instalar terminais de Caixa em qualquer lugar, fora do recinto do balcão de Caixas. Afinal, tem-se a impressão de que há vários Caixas atendendo o público, quando, de fato, isto não corresponde à realidade.

Nenhum dos funcionários utilizava gravata. Não que isso seja de importância fundamental, principalmente num país tropical. Porém, quando os funcionários utilizam camisas multi-coloridas, talvéz mais apropriadas para o ambiente descontraído de um bate-papo de bar, chega a ser estranho notar aquele arco-íris indumentário. Adicionalmente, nenhum funcionário utiliza crachá (e sabemos que, naquela instituição, o crachá foi instituído há muitos anos). À exceção das pessoas que estão atrás do balcão de Caixas, que presumo sejam funcionários, pelo simples fato de estarem atrás do balcão, simplemente não há como saber quem é funcionário e quem são os outros (clientes e público em geral). Ainda que exageradamente pequena, e limitando a entrada de pessoas na base do “conta-gotas solar”, a ambientação na agência é caótica.

Mas o que me chamou mais a atenção foi o aparelho de TV colocado acima do balcão de Caixas. Em vez de estarem sendo veiculadas mensagens institucionais do banco, chamando a atenção do público para seus produtos e serviços, o que seria algo mais apropriado para um ambiente profissional, o canal sintonizado na TV transmitia desenhos do Pica-Pau. Desculpem-me, mas por mais informais que queiramos (ou devamos) ser, isto é simplesmente uma esculhambação. Trata-se de uma claro exemplo de falta de profissionalismo. A agência apresenta desenhos do Pica-Pau, mas ninguém teve a idéia de afixar um aviso na porta da agência, informando que clientes do banco não têm necessidade de aguardar na fila da calçada, tendo preferência de atendimento em relação ao público em geral. Só quando adentramos na agência é que fomos informados deste detalhe pela Segurança (não sou cliente daquela agência, mas de outra, em outro ponto da cidade).

Já encontrei exemplos notáveis de profissionalismo, mesmo naquelas atividades citadas anteriormente. Estamos aprendendo e evoluindo. Mas ainda nos falta muito.

Em shopping centers, então, as situações chegam a ser hilárias. Quantas vezes já não aconteceu de a gente entrar numa loja, de roupas esportivas, por exemplo, (os vendedores estão “batendo papo” lá no Caixa), olhar e tocar mercadorias, para ter uma maior sensibilidade sobre a qualidade de uma camiseta ou informar-se sobre preços, por exemplo, e sair da loja, sem que ninguém tnha notado. Será que, se saíssemos da loja com uma camiseta debaixo do braço, eles notariam? No mínimo, aquela loja, por pura desatenção de seus funcionários, pode ter perdido uma venda.

Quantas vezes já não lhe aconteceu, numa loja de eletro-domésticos: você faz uma pergunta simples e elementar ao vendedor sobre uma característica do produto, por exemplo, a potência do amplificador do conjunto de som, ou a diferença no consumo de energia entre o modelo de 110V ou 220V, e o vendedor simplesmente não tem a menor idéia do que você está falando. Isto é falta de instrução, de treinamento. O vendedor apenas vende; o importante é “tirar o pedido”, todo o resto é detalhe. Será que é?

Em meus seminários costumo dizer que existem poucos vendedores em nosso país (vendedores, realmente vendedores, desculpem a redundância). Em geral, somos nós que compramos, não os vendedores que nos vendem o produto. Já chegamos à loja com a idéia e a pretensão acabados. Queremos uma geladeira, porque precisamos de uma geladeira. Então, vamos à loja e compramos a dita cuja. Se o vendedor é atencioso ou mal-educado, se conhece o produto ou não, se é rápido ou lento, tanto faz. Queremos a geladeira, e pronto. Compramos. No limite, será que o vendedor faz efetivamente jús à comissão?

Os verdadeiros vendedores, e talvéz haja outros exemplos, são: o vendedor de enciclopédias e o vendedor de Bíblias. O vendedor de enciclopédias “ganha o cliente” pela persistência e insistência; acaba-se comprando a enciclopédia para “livrar-se” do vendedor. O vendedor de Bíblias tem contra si a falta do argumento da novidade: você nunca verá um vendedor de Bíblias anunciando “uma versão atualizada” das sagradas escrituras, ou uma “versão 3.02” da Bíblia. São, pois, vendedores de fato.

Nós, consumidores, também temos nossa parte de culpa no processo. Só agora estamos aprendendo a reivindicar direitos, a exigir produtos melhores, a questionar características dos produtos.

Seja como for, temos que incrementar dramaticamente nossos níveis “profissionais” e de profissionalismo, isto é, nossos níveis de seriedade, ética, comprometimento e interesse. Só assim conseguiremos atenuar as rupturas nos relacionamentos inter-pessoais, deixando os eventuais questionamentos no nível jurídico para as situações realmente excepcionais e irreconciliáveis. Só assim conseguiremos atingir o nível adequado de respeito e atenção que cada pessoa merece. Afinal, “atrás” daquela pessoa pode residir uma excepcional oportunidade, para um simples negócio, mutuamente vantajoso, ou uma duradoura amizade, o que, de qualquer forma, só vem a contribuir para o incremento da fraternidade entre as pessoas. Até que ponto o tal do “jeitinho brasileiro” que tanto tem encantado os estrangeiros, não é uma simples e pura demonstração de falta de profissionalismo, um mero “empurrar problemas com a barriga”? Até um certo ponto pode funcionar, mas certamente não é o remédio para toda e qualquer situação.

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