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Política e Trabalho 15 - Setembro / 1999 - pp. 229-231


IMAGEM: PRODUÇÃO
E USO QUE NOS DESAFIAM

Teresa Cristina Furtado Matos (1)


FELDMAN-BIANCO, Bela & LEITE, Míriam L. Moreira (orgs). (1998). Desafios da imagem: fotografia, iconografia e vídeo nas ciências sociais. Campinas: Papirus.


Imagine por alguns instantes essas imagens: uma colônia portuguesa nos EUA, tapetes e seus produtores de uma cidade mineira, barracos de uma favela em tempos distintos (antes e depois), iconografias de D. Pedro II, iconografias de índios brasileiros.

O que evocam essas imagens? O que significam, ou o que se pode extrair delas em termos de significação? O que têm a dizer as ciências sociais a dizer à respeito delas?

Essas imagens e essas reflexões estão contidas no livro Desafios da Imagem. Nele, um grupo de pesquisadores reflete sobre o uso da imagem nas ciências sociais. De modo interdisciplinar, esse grupo descreve e revela os bastidores de trabalhos pioneiros nas ciências humanas no Brasil, que têm na utilização da ima-gem um de seus instrumentos. Reflete, também, o uso da imagem enquanto objeto de investigação.

Um livro que discute o estatuto e a dignidade da imagem nas ciências sociais. Imagem que para nós, homens e mulheres do século XX, aparece com algo presente e cotidiano, quase natural, inflacionado nossas vistas: fotografia, vídeo, iconografia, cinema, TV, etc.

Mas como as imagens entram na produção das ciências sociais?

A resposta à essas pergunta aparece no livro em cinco blocos temáticos. Nesses, o leitor pode perceber a variedade de problemáticas e possibilidades postas pela produção e pelo usos das imagens em ciências sociais. Eles passeiam pela sua utilização como objeto, como estratégia de ensino, e por fim, sua produção como instrumento de pesquisa e como forma de comu-nicação intercultural.

No primeiro bloco os autores discutem as relações entre textos verbais e visuais. Mírian L. Moreira Leite trata dessas relações dando ênfase à cooperação e complemen-taridade dessas linguagens. Explora a potencialidade da iconografia como fonte primária e, ao fazê-lo, realiza também um balanço da produção brasileira que se dedica a pensar o uso da imagem nas ciências sociais. Chama atenção para a necessidade de uma preparação para a leitura de imagens o que "implica uma ordenação e um tempo de observação para a legibilidade visual adequada" (p. 40). Etienne Samain trata das questões heurísticas que cercam o uso de imagens. No momento de tantas matrizes visuais e de suportes técnicos, que produzem linguagens portadoras de singularidades, o autor propõe que nos perguntemos sobre a lógica de cada meio ou forma de comunicação e sobre as operações cognitivas que despertam, enfim, "o que cada uma delas nos propõe em termos da maneira de ver e do modo de pensar" (p. 56).

Esse bloco, introdutório, poder ser lido como um fio condutor do livro, a partir dos textos desses dois autores, que discutem as mudanças que se processam com a entrada das imagens no corpo das pesquisas, e como se relacionam, nelas, imagem e escrita, tratando simultaneamente das repercussões cognitivas, teóricas e metodológicas dessa entrada. Discutem, ainda, a polissemia e a [fim da página 229] singularidade das imagens, o que exige uma educação dos sentidos e da razão dos pesquisadores para a leitura de artefatos imagéticos. Essa discussão, fundamental, reaparece, com matizes diversos, nos relatos de pesquisa. Percebe-se, assim, as incertezas colocadas por um caminho novo.

Esse bloco comporta ainda as reflexões de Maurício Lissovsky sobre fotografia e história, onde o autor busca em Benjamin a noção de história, temporalidade e memória expressas ou evocadas pela fotografia.

No segundo bloco, encontramos trabalhos de pesquisa que se debruçam sobre imagens para lê-las, tendo-as como objeto. Através de uma foto, anônima, de caixões infantis expostos, Mauro Koury revela muito sobre o significado simbólico da morte num Brasil miserável. O olhar do pesquisador encontra e revela sentidos e significações para essa foto, feita pela "viagem do olhar ensandecido pelas portas da imaginação trazidas à luz pela foto, ao lidar com a dor e com ela preencher as imagens e lidar com os invisíveis, como representações de elementos que estão ausentes" (p. 72). Silvia Porto Alegre trabalha, através da leitura de iconografias de viajantes do século XIX, com o olhar sobre os índios, do que se pintou ou pensou deles. A autora atenta - nesse processo de compreensão da leitura imagética - para os cuidados na diferenciação de linguagens e técnicas de composição de imagens. Em sua hermenêutica visual dedica-se à atribuição de signi-ficados suscitados pela própria imagem, criando para a análise grupos temáticos. Lília Schwarcz retoma a história na leitura da iconografia de D. Pedro II, onde busca perceber as construções simbólicas criadas em torno da figura do imperador, em diferentes momentos, através da "arquitetura iconográfica" que dele se fez.

O terceiro bloco dedica-se à narração e reflexão de experiências que aliam o uso de acervos visuais ao ensino. Patrícia Mont-Mór retrata seu trabalho como curadora da I Mostra Internacional do Filme Etnográfico, e a vinculação desse tipo de filme com o ensino de antropologia. Rocha-Trindade discorre sobre a (sua) expe-riência na pesquisa e produção de artefatos visuais para o uso em estratégias de ensino de sociologia e antropologia à distância. Revela as etapas que envolvem a produção desses filmes e o alcance do objetivo pedagógico, terminando por discutir as relações entre novas tecnologias informativas e interativas que também envolvem imagens como tática de ensino. Ana Maria Galano discorre sobre os desafios de constituição do Núcleo Audiovisual de Documentação (NAVEDOC), ligado à UFRJ, que inicia estudantes de sociologia no universo de uso da imagem. Trajeto cheio de percalços mas envolvente, que diz muito do processo que é se lançar no mundo da imagem, tendo-a como instrumento de pesquisa.

O quarto bloco é dedicado à produção de imagens como instru-mentos de pesquisa. Fotografia e vídeo são as linguagens utilizadas nessas pesquisas. Ana Maria Niemeyer reflete sobre o uso que fez da fotografia, ao utilizá-la como meio de registro das mudanças espaciais de uma favela de São Paulo, e como elemento capaz de evocar, juntamente com desenhos, a interpretação de seus moradores sobre essas mudanças e a representação que tinham de uma mordia ideal. Luciana Bittencourt, em seu trabalho sobre artesãos do Vale do Jequitinhonha, [fim da página 230] utiliza-se da fotografia não apenas como registro, mas também instru-mento de apreensão das mudança no processo de trabalho e na organização social dessa comunidade, através da interpretação das imagens feitas pelos artesãos, também participantes de sua produção. O registro imagético do objeto estudado e a evocação de percepções e representações dos pesquisados são as possibilidades exploradas por essas pesquisadoras ao lidar com fotografias. Clarice Peixoto discute, a partir do impacto e da crítica do uso da imagem nas ciências sociais, a contribuição do vídeo na análise das relações sociais, refletindo sobre as condições da elaboração de um vídeo científico.

A quinta parte do livro termina com uma discussão sobre comunicação intercultural. Três experiências de vídeo mostram como essa relação pode se desenvolver. Eles aparecem enquanto instrumentos de pesquisa ou meios de comunicação utilizados para divulgar os resultados. Os vídeos de Bela Feldmam-Bianco, que "recria" em vídeo a saudade portuguesa, e o vídeo de Cardello, Rosa, Godolphim e Fonseca, que visa divulgar o resultado de uma pesquisa sobre crianças em Porto Alegre-RS, são exemplos da divulgação de resultados obtidos. Dominique Gallois narra as experiên-cias do projeto Vídeo nas Aldeias, que se utiliza da imagem para dar voz aos índios, em projeto que é também de intervenção política.

Temos enfim, nos ensaios desses quinze pesquisadores, um panorama da pesquisa com imagens no Brasil. Ao lê-lo percebemos como enfrentam os desafios teórico-metodológicos e trazem questões e respostas instigantes a esse desafio.

Um livro fundamental para quem quer se aventurar pelo uso das imagens nas ciências sociais.

NOTA

1) Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba (Campus I - João Pessoa).

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Número 15 - setembro de 1999  |   Universidade Federal da Paraíba  |  Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFPb


Este site foi modificado pela última vez em 01 de setembro de 2001, por Carla Mary S. Oliveira.

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