O Mundo desconhecido - I

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A biodiversidade é nosso recurso mais valioso, mas um dos menos apreciados. Seu potencial é ilustrado de maneira brilhante pela espécie de milho silvestre Zea diploperennis, descoberto por um estudante universitário mexicano na década de 70 no estado de Jalisco, ao sul de Guadalajara. A nova espécie é resistente a doenças e é única entre as formas vivas de milho pelo seu crescimento perene. Seus genes, se transferidos para o milho comum, Zea mays, poderiam aumentar a produção do cereal em bilhões de dólares. Mas o milho de Jalisco foi encontrado literalmente em cima da hora. Ocupando não mais do que dez hectares de terreno montanhoso, estava a apenas uma semana de ser extinto por machete e fogo. É seguro supor que existe uma vasta gama de outras espécies benéficas ainda desconhecidas. Um besouro raro sobre uma orquídea num remoto vale dos Andes talvez secrete uma substância que cure o câncer do pâncreas. Uma gramínea da qual só restam vinte plantas na Somália talvez possa oferecer cobertura verde e forragem para os desertos salinos do mundo. Não há como avaliar esses tesouros selvagens. Só podemos admitir que são imensos e que têm pela frente um futuro incerto. De início, precisamos reclassificar os problemas ambientais de uma maneira que reflita a realidade com maior precisão. Há duas, e somente duas, grandes categorias. A primeira são as alterações no ambiente físico que o tornam pouco congenial para a vida: a síndrome já familiar da poluição tóxica, a deterioração da camada de ozônio, o aquecimento atmosférico pelo efeito estufa, o esgotamento das terras aráveis e dos estratos aqüíferos - tudo isso acelerado pelo aumento constante da população humana. Essas tendências podem ser revertidas se tivermos força de vontade para tal. O meio ambiente físico pode ser reorientado de volta e mantido firme num estado próximo ao ideal para o bem-estar humano.

A segunda categoria é a perda de diversidade biológica. A causa fundamental é também a espoliação do meio ambiente físico. Mas, afora isso, é radicalmente diferente em qualidade. Embora as perdas não possam ser recuperadas, a sua velocidade pode ser desacelerada até atingir os níveis quase imperceptíveis da pré-história. Se o que restar for um mundo biótico inferior ao que a humanidade herdou, pelo menos um equilíbrio terá sido atingido quanto ao nascimento e morte de espécies. Além disso há um aspecto positivo que não existe na reversão da deterioração física: a mera tentativa de resolver a crise de biodiversidade oferece grandes benefícios nunca antes auferidos, pois salvar espécies é estudá-las de perto. e conhecê-las bem é investigar suas características de maneiras inéditas.

Uma revolução no pensamento conservacionista ocorrida nos últimos vinte anos, um Novo Ambientalismo, levou-nos a perceber o valor prático das espécies selvagens. Exceto em bolsões de ignorância e malícia, não há mais uma guerra ideológica entre os defensores do meio ambiente e os agentes do desenvolvimento econômico e tecnológico. Todos estão hoje cientes de que a saúde e a prosperidade sofrem num meio ambiente deteriorado. Todos também compreendem que nenhum produto útil pode ser obtido de espécies extintas. Se as terras selvagens em degeneração forem exploradas por seu material genético em vez de destruídas por alguns metros cúbicos a mais de madeira ou alguns alqueires a mais de roça, seu potencial econômico será imensamente maior ao longo do tempo. Espécies recuperadas podem ajudar a revitalizar a própria indústria madeireira, a agricultura, a medicina e outros setores. As terras selvagens são como um poço mágico: quanto mais é tirado delas em conhecimentos e benefícios, mais há nelas para ser tirado.

A maneira antiga de encarar a conservação da biodiversidade consistia em uma mentalidade de bunker: fechar as terras selvagens mais ricas, transformá-las em parques e reservas, e colocar guardas na entrada. A humanidade que resolvesse seus problemas nas terras não protegidas e aprendesse a apreciar o enorme patrimônio preservado lá dentro - como dá valor a suas catedrais e templos nacionais. Parques e guardas são necessários, sem dúvida. Essa postura funcionou em certa medida nos Estados Unidos e na Europa, mas não tem como ser bem-sucedida no grau necessário nos países em desenvolvimento. O motivo é que são os povos mais pobres e com o maior crescimento populacional que vivem próximos dos depósitos mais ricos de diversidade biológica. Um agricultor peruano que derruba a floresta pluvial para alimentar sua família, avançando de trecho em trecho e de lote em lote à medida que os nutrientes do solo vão se exaurindo, cortará mais tipos de árvores do que existem nativos em toda a Europa. Se ele não tiver outra maneira de ganhar a vida, não há como impedir a derrubada das árvores.

Os partidários do Novo Ambientalismo partem desta realidade. Eles reconhecem que somente novas maneiras de obter renda de terrenos já roçados, ou das terras selvagens intactas em si, poderão salvar a biodiversidade de ser triturada pela pobreza humana. Já foi dada a largada para se desenvolverem novos métodos, para se obter mais renda das terras selvagens sem destruí-las e para conferir à mão invisível da economia de mercado um dedo verde.

Esta revolução foi acompanhada por uma outra mudança na maneira de pensar a biodiversidade: o enfoque principal deixou de ser as espécies e passou a ser os ecossistemas em que elas vivem. Espécies luminares, como os pandas ou as sequóias, não se tornaram menos consideradas que antes, mas passaram a ser vistas também como agentes protetores de seus ecossistemas. Aos ecossistemas, por sua vez, que contem milhares de espécies menos evidentes, atribuiu-se um valor equivalente, suficiente para justificar esforços intensos para conservá-los, com ou sem as espécies luminares. Quando o último tigre de Bati foi morto a tiros, em 1937, a diversidade restante da ilha não perdeu nada da sua importância. Na realidade, as espécies humildes e ignoradas são freqüentemente as verdadeiras espécies luminares. Um exemplo de uma espécie que passou da obscuridade para a fama graças às suas características bioquímicas é a pervinca rósea (Catharanthus toseus) de Madagascar, uma planta discreta com uma flor rosada de cinco pétalas. Mas ela produz dois alcalóides, a vimblastina e a vincristina, que curam a maior parte das vítimas de dois dos mais mortíferos canceres, o mal de Hodgkin (que afeta principalmente jovens adultos) e a leucemia linfática aguda, que costumava ser uma verdadeira sentença de morte para crianças. A renda obtida com a produção e venda dessas duas substâncias ultrapassa 180 milhões de dólares por ano. E isso nos traz de volta ao dilema da intendência das riquezas biológicas do mundo pelos povos economicamente mais pobres do mundo. Cinco outras espécies de pervincas ocorrem em Madagascar. Uma delas, Catharanthus coriaceus, está próxima da extinção, pois seu último habitat natural, a região de Betsileo, no planalto central, está sendo desflorestado para a agricultura.

Poucos estão cientes do quanto nós dependemos de organismos silvestres para medicamentos. A aspirina, a droga mais usada no mundo, foi obtida do ácido salicílico descoberto na Ulmária (Filipendula ulmaria) e mais tarde combinado com ácido acético para criar o ácido acetilsalicílico, um analgésico mais potente. Nos Estados Unidos, um quarto das receitas médicas aviadas em farmácias são substâncias, extraídas de plantas. Outros 13% vêm de microorganismos e 3% de animais, totalizando 40% de medicamentos provenientes de organismos. Mas todos esses materiais são apenas uma fração ínfima da enormidade disponível. Menos de 3% das plantas floríferas do mundo, cerca de 5 mil de 220 mil espécies, foram examinadas à procura de alcalóides, e mesmo assim de maneira limitada e aleatória. O poder anticancerígeno de pervinca rósea foi descoberto por mero acaso, simplesmente porque a espécie era encontrada em profusão e estava sendo estudada por sua suposta eficácia como antidiurético.

A literatura científica e o folclore estão cheios de outros exemplos de plantas e animais valorizados na medicina popular que ainda não foram objeto de pesquisa biomédica. A margosa (Azadirachta indica), uma árvore parente do mogno nativa da Ásia tropical, é praticamente desconhecida do mundo desenvolvido. Mas o povo da Índia, de acordo com um relatório recente do U. S. National research Council, dá grande valor à espécie. Durante séculos, milhões de pessoas têm limpado seus dentes com galhinhos de margosa, besuntado afecções de pele com suco da folha de margosa, tomado chá de margosa como tônico e colocado folhas de margosa em suas camas, livros, despensas, armários e guarda-roupas para manter os insetos afastados. A árvore já aliviou tantos tipos diferentes de dores, febres, infecções e outro males que foi chamada "farmácia de vila". Para milhões de indianos, a margosa tem poderes milagrosos, e agora cientistas de todo mundo começam a achar que os indianos talvez tenham razão.

Nunca se deve relegar notícias de tais poderes a superstição ou lenda. Os organismos são químicos exímios. Em certo sentido, coletivamente eles são melhores que todos os químicos do mundo na síntese de moléculas orgânicas para uso prático. Ao longo de milhões de gerações, cada tipo de planta, animal e microorganismo experimentou substâncias químicas para satisfazer suas necessidades específicas. Cada espécie sofreu um número astronômico de mutações e recombinações gênicas que afetaram seu mecanismo bioquímico. Os produtos experimentais assim obtidos foram testados pelas forças implacáveis da seleção natural, uma geração por vez. A classe especial de produtos químicos em que a espécie se tomou mestra é determinada precisamente pelo nicho que ela ocupa. A sanguessuga, que é um verme anelídeo vampiro, precisa manter o sangue de suas vítimas circulando depois de morder-lhes a pele. Da sua saliva obtém-se o anticoagulante hirudina, que os pesquisadores médicos isolaram e é usado para tratar hemorróidas, reumatismo, trombose e contusões, condições em que a coagulação do sangue é às vezes dolorosa ou perigosa. A hirudina dissolve rapidamente coágulos sangüíneos que põem em risco os transplantes de pele. Urna outra substância obtida da saliva do morcego-vampiro da América Central e do Sul está sendo desenvolvida para prevenir ataques do coração. Ela abre as artérias bloqueadas duas vezes mais depressa que os remédios farmacêuticos comuns, além de ter sua ação restrita à área do coágulo. Uma terceira substância chamada quistrina foi isolada do veneno da víbora da Malásia.

A descoberta dessas substâncias em espécies selvagens é apenas uma fração das oportunidades que nos aguardam. Uma vez identificado quimicamente o composto ativo, ele pode ser sintetizado em laboratório, freqüentemente a um custo menor que o da extração de tecidos in natura. No passo seguinte, o composto químico natural fornece um protótipo a partir do qual uma classe inteira de novos produtos químicos pode ser sintetizada e testada. Algumas dessas substâncias quase naturais podem se revelar ainda mais eficientes em pacientes humanos do que o protótipo, ou então curar doenças que nunca foram combatidas com produtos químicos de sua classe estrutural na natureza. A cocaína, por exemplo, é usada como um anestésico local, mas também serviu de ponto de partida para sintetizar em laboratório um grande número de anestésicos especializados que são mais estáveis, menos tóxicos e viciam menos do que o produto natural. Ao lado está uma breve lista de produtos farmacêuticos obtidos de plantas e fungos:

DROGA

PLANTA DE ORIGEM

UTILIZAÇÃO

Atropina

Beladona (Atropa belladona)

Anticolinérgico

Bromelaína

Abacaxi (Ananas comosus)

Controla inflamacão de tecidos

Cafeína

Chá (Camelia sinensis)

Estimulante do sistema nervoso central

Cânfora

Canforeira (Cinnamomum camphora)

rubefaciente

Cocaína

Coca (Erythroxylum coca)

Anestésico local

Codeína

Papoula do ópio (Papaver somniferum)

analgésico

Colchicina

Acafrão-do-outono (Colchicum autumnale)

Agente anticancerígeno

Digitalina

Dedaleira (Digitalis purpurea)

Estimulante cardíaco

Diosgenina

Inhame silvestre (gênero Dioscorea)

Fonte contraceptivo feminino

L-dopa

Fava (Mucuna deeringiana)

Supressor para mal de Parkinson

Ergonovina

Centeio espigado (Claviceps purpurea)

Controle de hemorragia e cefaléias

Escopolamina

Estramônio (Datura metel)

Sedativo

Estricnina

Nôz-vômica (Strychnos nuxvomica)

Estimulante do sistema nervoso central

Glaziovina

Ocotea glaziovii

Antidepressivo

Gossypol

Algodoeiro (gênero Gossypium)

Contraceptivo masculino

Mentol

Menta (gênero Menta)

Rubefaciente

Monocrotalina

Crotalaria sessiliflora

Anticancerígeno (tópico)

Morfina

Papoula do ópio (Papaver somniferum)

Analgésico

N-óxido de indicina

Heliotropium indicum

Anticancerígeno (leucemias)

Papaína

Mamoeiro (Carica papaya)

Dissolve excesso de proteína e muco

Penicilina

Fungos Penicillium (espécie Penicillium chrysogenum)

Antibiótico geral

Pilocarpina

Gênero Pilocarpus

Trata glaucoma e boca seca

Quinina

Cinchona amarela (Cinchona ledgeriana)

Antimalárico

Reserpina

Serpentária índia (Rauvolfia serpentina)

reduz alta pressão sanguínea

Taxol

Teixo do Pacífico (Taxus brevifolia)

Anticancerígeno (especialmente câncer do ovário)

Timol

Tomilho (Thymus vulgaris)

Cura infeccões fúngicas

D-tubocuranina

Gêneros Chondrodendron e Strychnos

Componente ativo do curante; relaxante muscular cirúrgico

Vimblastina, vincristina

Pervinca rósea (Catharanthus roseus)

Anticancerígeno

 

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