O Mundo desconhecido - III
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Um bom exemplo da superioridade das espécies selvagens é o das tartarugas fluviais do Amazonas do gênero Podocnemis. As sete espécies conhecidas são altamente valorizadas como fonte de proteína pela população local. A carne é de excelente qualidade, constituindo a base da saborosa cozinha local. À medida que as ribanceiras foram sendo mais povoadas, as tartarugas passaram a ser caçadas em excesso e agora diversas espécies estão ameaçadas. Mas é fácil criá-las. Cada fêmea põe ninhadas de até 150 ovos, e os filhotes crescem rapidamente. Urna espécie, a gigante. Podocnemis expansa, chega a atingir quase um metro de comprimento e cinqüenta quilos de peso. Pode ser confinada em tanques de cimento ou nas lagoas naturais que se formam nos igapós, alimentando-se de frutas e vegetação aquática, tudo a um custo mínimo. Sob tais con-dições, as tartarugas produzem anualmente cerca de 25 mil quilos de carne por hectare, mais de quatrocentas vezes a produtividade do gado para corte criado em pastos abertos nas florestas das proximidades. Como os igapós constituem 2% da superfície terrestre da região amazônica, o potencial comercial da espécie é enorme. Os efeitos sobre o meio ambiente são muito menores que os do gado e outros animais exóticos que estão sendo agora impostos àquela região com resultados desastrosos. Vantagens semelhantes são oferecidas pela iguana verde, a "galinha das árvores", um lagarto grande de carne leve e saborosa há séculos considerado uma iguaria pelos fazendeiros das regiões tímidas das Américas Central e do Sul. É verdade que a iguana não deixa de ser um lagarto, e muitos poderão estremecer diante da idéia de comer um réptil. Mas é tudo uma questão de perspectiva cultural. Num sentido filogenético, as gatinhas e outras aves não passam de répteis de sangue quente com asas. E, seja como for, nossa culinária já está repleta de criaturas visualmente muito mais horríveis, das lagostas aos cações-raposas. Mas estou digressionando. As iguanas tornaram-se escassas em quase toda a sua distribuição geográfica por causa da caça excessiva. Uma iguana hoje alcança 25 dólares no mercado negro do Panamá. Embora protegidos por lei em diversos países Latino-americanos, os grandes répteis estão em perceptível declínio por causa da destruição cada vez mais acelerada de seus habitats florestais. Se os fazendeiros deixas-sem mais florestas intactas, haveria mais iguanas para a panela. Mas, como observaram Chris Wille e Diane Jukofsky, se você for um agricultor com uma família para alimentar, mesmo que seja uma família com paladar para a carne da iguana, você provavelmente estará mais interessado em derrubar ou queimaras árvores do seu terreno a fim de abrir espaço para gado ou plantações - algo que possa vender. Afinal, as iguanas podem se tornar uma refeição deliciosa, mas não se transformam em roupas para as crianças. Embora o resultado seja uma espiral descendente tanto para as florestas como para os fazendeiros, ela pode ser revertida. Como mostrou Dagmar Werner em uma impressionante série de experimentos de campo é possível fazer com que as iguanas produzam dez vezes mais carne do que o gado no mesmo terreno se administradas com cuidado, deixando-se grande parte da floresta intacta. O segredo consiste em criar uma raça para reprodução, incubar os ovos e proteger os filhotes nesta fase mais vulnerável da vida antes de soltá-los na floresta. Basta deixar as iguanas alimentando-se de folhas da abóbada das árvores, oferecendo talvez um pouco dos restos da cozinha, até que estejam do tamanho adequado para o abate. Seria necessário também cultivar um mercado de exportação mais amplo e, nas áreas onde fossem criadas, abrandar as leis que as protegem. Aqui estão em resumo alguns animais selvagens que poderiam ser criados comercialmente para consumo alimentar: |
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ESPÉCIE |
DISTRIBUIÇÃO |
UTILIZAÇÃO |
babirussa (babyrussa babyrussa) |
Indonésia: Moluscas e Sulawesi |
Proco-do-mato quase glabro; alimenta-se de vegetação rica em celulose; menos dependente de grãos |
capivara (Hydrochoeris hydrochoperis) |
América do Sul |
maior roedor do mundo; carne apreciada; fácil de criar em habitats abertos com água próxima |
Chachalaca (Ortalis, muitas espécies) |
Américas Central e do Sul |
"Galinhas tropicais"; grandes populacões; adaptam-se às habitacòes humanas; crescimento rápido |
Gauro (Bos gaurus) |
Da Índia à malásia peninsular |
parente ameacado do gado doméstico; espécie alternativa de gado |
Guanaco (Lama guanicoe) |
Dos Andes à patagônia |
Espécie ameacada parente do lhama; excelente fonte de carne, pele e couro; criacão potencialmente lucrativa |
Iguana verde (Iguana iguana) |
Trópicos da América |
"Galinhas das árvores"; tradicioanl fonte nativa de alimento hà 7 mil anos; cresciemtno rápido; baixos custos de criacão |
Paca (Cuniculus paca) |
Trópicos da América |
Roedor grande; carne apreciada; geralmente capturada em estado selvagem, mas pode ser mantida em pequenos bandos em área florestal |
Porco pigmeu (Sus salvanus) |
Nordeste da Índia |
Uma das espécies de mamíferos mais ameacadas da Terra; possível fonte de novos genes para o porco doméstico |
Tartaruga-oliviácea (lepidochelys olivacea) |
Praias da Índia, costas do Pacífico no México e América central |
Tartarugas saem o mar para pôr ovos; colheita dos ovos lucrativa se praias forem protegidas |
Tetraz-da-areia (Pterocles, várias espécies) |
Desertos da África |
Aves semelhantes às pombas adaptadas aos mais inclementes desertos; domesticacão talvez possível |
Vicunha (Lama vicugana) |
Andes centrais |
Espécie ameacada parente do lhama; valiosa fonte de carne, pele e couro; pode ser criada comercialmente |
O objetivo de todas essas inovações é aumentar a produtividade e a riqueza com um mínimo de perturbação dos ecossistemas naturais e um mínimo de perda de diversidade biológica. Escolhidas e gerenciadas com prudência. as espécies exóticas podem se tomar conhecidas e apreciadas - e permanecer ambientalmente benignas. Às tartarugas fluviais e iguanas na categoria de elites em potencial podemos acrescentar a babirrussa, um animal semelhante ao porco que habita as florestas tropicais de Sulawesi, das ilhas Sula e Togian, e de Buru, no Leste da Indonésia. A babirrussa é uma criatura bizarra do tipo que normalmente só encontramos em zoológicos delgada, de pele cinzenta quase sem pêlo, os machos possuindo caninos superiores que se curvam para cima como colmilhos perfurando a carne do focinho e voltam a se curvar em direção à testa sem jamais entrarem na boca. Os parentes mais próximos da babirrussa, todos extintos, vagaram outrora pelas florestas da Europa. Um adulto é maior do que a maioria dos seres humanos, pesando até cem quilos. A despeito da sua semelhança com um demônio hindu, a espécie foi domesticada pelos povos das florestas indonésias e constitui lá uma importante fonte de carne. Sua característica comercial mais promissora é, no entanto, a sua condição de possível porco ruminante. Seu estômago é grande e compartimentado como o do carneiro, um traço singular que aparentemente permite-lhe se alimentar extensivamente de folhas e vegetação rica em celulose. Com sorte, a babirrussa poderia entrar no rol dos porcos domésticos em todo o mundo, mantidas com uma ração barata e universalmente disponível. A meta de crescimento econômico com conservação do meio ambiente poderia ser melhor atingida criando-se e cultivando-se espécies em seus próprios ecossistemas naturais, à maneira das tartarugas fluviais, iguanas e babirrussas, ou então mediante a transferência de espé-cies resistentes para terras marginais com poucas espécies endêmicas. A maior expansão potencial de produção é feita por meio de aquicultura, isto é, a criação de peixes, ostras e demais moluscos, e outros organismos de água doce e salgada em lagoas artificiais - ou, no caso dos moluscos, nas superfícies de armações de apoio colocadas em estuários. Mais de 90% dos peixes consumidos pelos seres humanos em todo o mundo são obtidos pela pesca de espécies selvagens em ambientes inteiramente naturais. Essa indústria primitiva prevalece a despeito do fato de haver sofisticadas técnicas de piscicultura disponíveis. Os peixes, em particular, têm sido criados em lagoas e outras estruturas fechadas há 4 mil anos. Se desenvolvida agressivamente, a produção de proteína animal em aquicultura poderia facilmente ser multiplicada várias vezes em urna ou duas décadas. "Há dois motivos para este vasto potencial", escreveu Norman Myers: Primeiro, as criaturas da água gozam de uma vantagem distinta sobre seus parentes terrestres; a densidade de seu corpo é quase a mesma da água em que vivem, de modo que não precisam dedicar energia para sustentar o peso do corpo; isso significa, por sua vez, que podem alocar mais energia alimentar ao crescimento do que os animais terrestres. Segundo, os peixes, sendo criaturas de sangue frio, não consomem grandes quantidades de energia para se manter aquecidos. A carpa, por exemplo, é capaz de converter uma unidade de alimento assimilado em carne uma vez e meia mais depressa que os porcos ou galinhas, e duas vezes mais rápido que o gado ou os carneiros. Os minúsculos crustáceos Daphnia, que parecem camarõezinhos, quando criados em ambientes com nutrientes geram quase vinte toneladas métricas de carne por hectare em pouco menos de cinco semanas, dez vezes a taxa de produção da soja - e a um décimo do custo por unidade de proteína produzida. Hoje em dia, as aquicultura se assemelham às culturas convencionais de plantas e animais por utilizarem apenas uma pequena fração da diversidade disponível. Elas dependem enormemente das espécies encontradas ao acaso pela primeira vez por aqueles povos que inventaram a prática. Cerca de trezentos tipos de peixes - peixes com nadadeiras, para ser mais exato, não mariscos - são criados como alimento em algum lugar do mundo. Mas 85% da produção envolve apenas algumas espécies de camas, enquanto as tilápias são responsáveis pela maior parte do restante. Há outras 18 mil espécies conhecidas da ciência, e sem dúvida milhares de outras ainda desconhecidas. No final, somente uma pequena minoria há de revelar valor comercial, mas, mesmo que sejam apenas 10%, aumentariam extraordinariamente a diversidade utilizada. Está nas mãos da indústria aumentar a produtividade ao mesmo tempo que protege a diversidade biológica. Proceder de uma maneira levará à outra. As florestas do mundo, por exemplo, estão sob a pressão de uma crescente demanda de polpa de papel. Matas com mil espécies em Bornéo e antigas florestas da América do Norte vão sendo convertidas em polpa num ritmo cada vez mais rápido. que deverá alcançar 400 milhões de toneladas métricas anuais no fim do século. Mas há maneiras melhores de fazer jornais e caixas de papelão do que a conversão de terras selvagens. O cânhamo brasileiro (Hibiscus cannabinus), urna planta do Leste da África aparentada com o algodão e o quiabo, é superior às tradicionais plantas lenhosas em quase todos os aspectos. Cresce de maneira semelhante ao bambu, mas ostenta flores brancas parecidas com o hibisco, atingindo uma altura madura de cinco metros em apenas quatro ou cinco meses. No Sul dos Estados Unidos, o cânhamo brasileiro produz três a cinco vezes mais polpa do que as árvores, e basta um tratamento químico mínimo para embranquecer as fibras. As plantas jovens podem ser cortadas e recolhidas por urna máquina semelhante à colhedeira de cana-de-açúcar. Polpa e fibra também podem ser produzidas em massa de rebentos cultivados de uma maneira notável chamada "capim lenhoso" [wood grass]. Neste procedimento, ainda em fase experimental, as árvores são plantadas em agrupamentos densos, sendo cortadas como se fossem capim quando ainda são jovens e flexíveis. A vegetação é então convertida em polpa, combustível ou ração de gado. Quando as espécies corretas de árvores são escolhidas, os arbustos crescem rapidamente e brotam da própria raiz, como o capim, não precisando ser semeadas novamente. E, quando são predominantemente leguminosas, nitrificam o solo, reduzindo a necessidade de fertilizantes. O cânhamo brasileiro e as plantações de capim lenhoso estão entre as mais recentes descobertas de uma saga que começou com os primórdios da agricultura. A inovação crucial consumada há 5 mil ou 10 mil anos foi o cultivo de certas espécies de alimentos que já eram colhidos em estado silvestre, seguido de uma seleção das melhores variedades dentre essas espécies. Há milênios que os caçadores-colhedores devem saber que as plantas produzem sementes e que as sementes, por sua vez, crescem e se transformam em plantas. Foi apenas um pequeno passo para começarem a plantar as sementes em lugares convencionados. Quando, além disso, aprenderam a cultivar plantas em solo preparado. selecionando as melhores para darem continuidade à geração seguinte, eles se tomaram fazendeiros, e a agricultura nasceu. Iniciou-se uma cadeia de acontecimentos que, para usarmos a imagem de Erich Hoyt, acabou levando as plantas e seus descendentes a uma estranha e maravilhosa jornada até a história moderna. |