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SENGHOR, O BRASIL E PORTUGAL:
ALGUNS MARCOS CULTURAIS LUSÓFONOS

("Esse texto também aparece na Revista Veredas N° 3")

 
Benjamim Pinto Bull
Lisboa

Antes de mais nada, queremos apontar para as duas razões que nos levaram a optar pelo tema da nossa comunicação; destacaremos seguidamente a personalidade de Senghor, que, na verdade, não carece de apresentação. Será depois o momento para nos debruçarmos sobre alguns marcos culturais lusófons de que Senghor é o protagonista, e que o ligam afectuosamente ao Brasil e a Portugal. Como conclussão, citaremos o saudoso Jacinto Prado Coelho.

As duas razões.

1- Tivemos o privilégio de, durante 20 anos, colaborar com o Presidente Senghor. Cito:

"Pinto Bull é um amigo de longa data. Foi nosso colaborador preciosíssimo na área do ensino do português." (1) E, acrescentaríamos, em tudo quanto se relacionava com o então Mundo Português. Traduzíamos e resumíamos-lhe cartas e livros vindos das ex-colónias portuguesas, de Portugal e do Brasil, nomeadamente do então governador de Guanabara, Carlos Lacerda.

2- Antes de deixar livremente a Presidência da República do Senegal - ( dizia ele, com certo humor, que preferia partir de livre vontade, antes de ser derrubado... por um sargento )- numa das audiências que nos concedeu em 1980, pedimos-lhe para nos dedicar um livro, que levávamos, dos seus Poemas traduzidos em Portugal - Editora Arcádia, 1977 .- Resposta, com um sorriso:"Não será uma simples dedicatória, como as outras. Vou incumbi-lo de uma missão. E escreveu, no estilo senghoriano:"Ao Professor Benjamim Pinto Bull para cantar a minha gota de sangue português. Em homenagem cordial Léopold Senghor. Uma fotocópia desta dedicatória faz parte integrante desta comunicação. Uma missão honrosa que temos tentado cumprir pela vida fora, e é com orgulho e prazer que vamos falar hoje, perante a Associação International de Lusitanistas, deste Homem que se preza de ter ascendência portuguesa. Citamos:

"Ouço no mais íntimo de mim o canto de voz umbrosa das saudades.
Será a voz antiga, a gota de sangue português que ascende do fundo dos tempos?
O meu nome que remonta às suas fontes?
Gota de sangue ou então Senghor, a alcunha que um capitão pôs outrora a um bom de marujo?
Reencontrei meu sangue, descobri meu nome o ano passado, em Coimbra, em plena selva dos livros
(2)
Senghor.

Chefe de Estado, Humanista, Homem de Cultura, Poeta, Escritor e Académico, Léopold Senghor assumiu todas essas funções a um nível tão alto que é difícil, mesmo aos seus colaboradores mais directos, dissociar essas funções, ou pretender estabelecer entre elas uma hierarquia sistemática. Africano, definiu e, ipso facto, fez existir e expressar-se a Negritude, essa Negritude, que o Escritor elogiou nas suas obras, e que o Poeta engastou nos seus versos, como um diamante que hoje brilha pelo Mundo.. Senghor gostava de lembrar a frase do escritor francês Jean-Claude Rénard que dizia: "Senghor é um francófono, amante de outras culturas", e ele -Senghor- acrescentava: principalmente da cultura portuguesa..Vale a pena, pois, recordar alguns marcos culturais lusófonos, realçando, como é óbvio, a sua visão. já em 1964, da reintegração de Portugal na Europa,da lusofonia,de uma CPLP e dos PALOP’s.

Marcos culturais lusófonos.

1- Ensino do português em Dacar- 1961.

Em plena tempestada colonial portuguesa - 1961 -Léopold Senghor, teve, como Chefe de Estado, a coragem política de criar o ensino do português, primeiro, em dois Liceus de Dacar, com um total de ... 8 alunos, e mais tarde, na Universidade da capital senegalesa," num momento, escreveria mais tarde, em que falar de português era tabú. Porém, soubemos distinguir a política colonial do Doutor Salazar, que condenávamos, da língua e cultura portuguesas, que continuamos de admirar."(3) Hoje, no Senegal, país francófono e muçulmano, há mais de 8.000 Senegaleses que aprendem nos Liceus a língua de Fernando Pessoa com 60 professores de português, de nacionalidade senegalesa, e cerca de 200 alunos na Universidade, com 4 professores senegaleses e 1 Leitor enviado pelo Instituto Camões.

2- Visita oficial ao Brasil. Apesar desta sua paixão pela cultura lusa, segundo nos confiou um dia, decide ,para já., não visitar Portugal, como Chefe de Estado, para não caucionar a política colonial do Doutor Salazar, mas aceita o convite do Governo brasileiro para uma visita oficial, em Setembro de 1964

No seu discurso na Academia de Letras do Rio de Janeiro, Senghor afirma:

"... O que descobri neste génio brasileiro é uma vontade tripla de fidelidade à Latinidade, à Africanidade - mais exactamente à Negritude - e à Indianidade."(4)

E mais adiante:

...O que eu admiro, para além da mestiçagem biológica, é a simbiose cultural que conseguiram realizar. O que é admirável é que o sangue negro ou indiano corre nas veias de grande número dos vossos escritores como Machado de Assis, Gonçalves Dias, e Cruz e Sousa, para só citar os que já não são deste mundo. O que é ainda mais admirável, é que graças a esta simbiose, cada um dos melhores escritores brasileiros traz, em si, como frutos requintados de um enxerto, as virtudes complementares das três etnias : das três civilizaçõesdiferentes, que compõem a cultura brasileira."(5)

Senghor não esquece de mencionar nomes de historiadores, filósofos, etnólogos, arquitectos, esculptores e pintores: Óscar Niemayer, Lúcio Costa, Cândido Portinari, e fez questão de recordar o pioneiro, o grande esculptor que foi Aleijadinho.(6) Faz referências elogiosas ao seu amigo Gilberto Freyre. No dia seguinte- 21 de Setembro - assiste-se na Universidade de Bahia, à Oração de Sapiência de Senghor sobre Latinidade e Africanidade. "... Uma das nossas primeiras preocupações, no Senegal, foi de alargar a Francofonia à Lusofonia - note-se que é a primeira vez que Senghor, como Chefe de Estado, se refere oficialmente ao vocábulo Lusofonia - foi de alargar a Francofonia à Lusofonia, introduzindo nos ensinos secundário e universitá rio, o português ao lado do espanhol e do italiano." (7) Expõe, seguidamente, as razões que o levaram a criar o ensino do português, para além da sua admiração pela língua e cultura portuguesas: é que milhares de Senegaleses, com nomes ou apelidos de origem lusa, falam o crioulo-português, como língua materna, nomeadamente nas regiões da Península de Cabo Verde e da Casamança, para além da situação geográfica do Senegal, à proximidade da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. " Porém, a nossa razão primordial era, e, hoje, a nossa convicção é ainda mais forte - que o Brasil, pelas suas dimensões continentais e pela sua tripla revolução política, industrial e cultural, deve contribuir com Portugal para, com honra, não deixarem naufragar a Lusofonia.(8) Segunda referência à Lusofonia. Senghor recebe o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Bahia.

Senghor em Portugal

Logo após o 25 de Abril, Léopold Senghor foi, salvo erro, o primeiro Chefe de Estado Africano a pegar no seu bastão, não de peregrino, mas sim de Humanista africano e de Homem de diálogo, para transmitir aos Portugueses, ao fio dos anois, a sua fé inquebrantável na Civilização do Universal, e a fazer-lhes descobrir os valores da Negritude e manifestar-lhes a sua admiração e apreço por Portugal e pelo seu povo. Em 1975, é convidado pela Academia Nacional das Ciências de Lisboa. O tema do seu discurso: Lusitanidade e Negritude. Depois de fazer referência aos milhões de Lusófonos - mais de 150 milhões, espalhados pelo Mundo, sendo 90 milhões de negros ou com sangue negro nas veias, Senghor debruça-se sobre uma das cinco palavras queridas - saudade; as quatro outras são : delicadeza, doçura,(com) licença, ( por) favor.

"...Retomo dicionários portugueses para notar os diversos sentidos e interpretações que
pode ter a palavra saudade Diz uma quadra açoreana:
Tenho tantas saudades
que já nem as sei contar;
são tantas como as estrelas
mais do que as areias do mar.(9)

Notei, além desta, é Senghor quem fala, sete acepções para a palavra saudade (10)

1º. Para Afonso Lopes Vieira ( "Os Versos" ) é um sentimento agridoce:

Esta palavra saudade
aquele que a inventou
A primeira vez que a disse
Com certeza que chorou

2º. a melancolia, a lembrança de um bem que se perdeu:

O meu amor escondi-o
Numa cova ao pé do mar
Morre o amor, vive a saudade
Morre o sol, olha a lua.

como diz Guerra Junqueiro em Os simples.

3º. e também o desgosto pela ausência de uma pessoa ou um objecto querido, como naqueles três versos de Os Lusíadas

Ela com tristes e piedosas vozes
Saídas só da mágoa e saudade
Do seu Príncipe e filhos, que dexara.

4º. e ainda sob o sorriso a tristeza - a agridoce recordação de alguém que nos foi simpático. É o trecho de Camilo Castelo Branco nas suas Memórias do Cárcere, quando começa a ter saudades de uma jovem de Arcos de Valdevez, imaginando-a " na sombra do crepúsculo e à luz do poente".

5º. também - mas aparentemente com menos frequência - a palavra é usada como forma de saudações para alguém ausente, sinal de amizade. Digo "aparentemente" - quem fala é sempre Senghor - porque não é raro ouvir-se:" Saudades ao teu Pai. Diz-lhe que qualquer dia vou lá dar-lhe um abraço."

6º. no sentido mais vigoroso da palavra, a nostalgia causada pelo afastamento da família ou da pátria:" Nunca esqueci, afirma Jaime Magalhães Lima, em A Língua Portuguesa", as saudades que me assaltaram quando, muito novo ainda, acordei pela primeira vez em terra de Espanha e ouvi falar uma língua que não era a minha."

7º. finalmente, a palavra no seu sentido mais forte, constantemente reactivada pela lembrança de pessoa querida, já morta, como também escreveu Camilo Castelo Branco em " Vulcões de Lama": "... estas lágrimas que a inundavam, a mais lancinante saudade".

A Língua e a Poesia Portuguesas

"... Os Portugueses, depois de terem realizado a mestiçagem biológica, fizeram a mestiçagem cultural, obra essencial da antiga Lusitânia, antes mesmo de a terem praticado no Brasil e na África. Em primeiro lugar a língua portuguesa é disto o mais belo testemunho.. Insistimos na importância da poesia na vida dos Portugueses. Desde os Cancioneiros, sempre neste país a poesia foi considerada instrumento do mais alto saber e, como tal, os poetas aqui são respeitados. Não é por acaso que se deve ao Rei-Poeta, D. Diniz, a fundação, em 1307, da Universidade de Coimbra nem que os arredores de Coimbra viram acender-se, devorar-se extinguir-se uma das mais fervorosas paixões de todos os tempos. Titus e Berenice são figuras apagadas ao lado de D. Pedro e Inês de Castro, dos dois amantes que, no Mosteiro de Alcobaça, jazem reunidos na morte por um artista de génio, cada um em seu túmulo frente ao outro, para que no dia do Juizo Final possam reencontra-se, olhos nos olhos, alma com alma. E também, não é por acaso que os maiores nomes da Literatura Portuguesa dos séculos XIX e XX são, quase todos, de poetas. António Nobre, Eugénio de Castro, Afonso Lopes Vieira, Teixeira de Pascoais, Fernando Pessoa, Mário Beirão, Miguel Torga, Vitorino Nemésio, David Mourão Ferreira(11).

A Arte e Os Monumentos

"...E também na arte portuguesa encontrámos mestiçagem - melhor os hinos de pedra - que são os Mosteiros da Batalha e de Alcobaça, a Torre de Belém, o Mosteiro dos Jerónimos, que são testemunhos dos mais autênticos do estilo manuelino... Porque é, em primeiro lugar, pela alma que o barroco português se distingue do clássico, dando prioridade à sensibilidade e à imaginação. Se esses monumentos são tão belos, é precismente, por unirem liberdade e rigor, simplicidade e esplendor. E o próprio da mestiçagem é resolver as contradições não pela violência da confrontração, mas pela doçura da simbiose, pela ternura da simbiose (12).

Amália Rodrigues

"... E quando reparo na dignidade da atitude do cantor do fado ou na de uma cantora como Amália Rodrgues, quando observo os seus gestos despojados ou a ausência de gestos, a aspereza magoada da sua voz, o vigor dos ritmos pontuado pela síncope - não posso deixar de pensar na África Negra.(13)

25 de Abril

"...A doçura do português, outro aspecto da sua delicadeza, está também na sua recusa à violência, no respeito pela vida humana. A revolução de 25 de Abril de 1974 fez-se sem efusão de sangue, o que honra Portugal... Se bem compreendi, o Movimento das Forças Armadas, a Revolução de 25 de Abril, para além do seu significado político, é uma revolução cultural, tendente a restituir ao Homo Lusitanus as suas liberdades, mas também, o que é mais importante, os seus valores próprios de civilização".(14)

Visão da reintegração de Portugal na Europa, da CPLP e dos PALOP’s .

Senghor visiona já, em 1964, como um verdadeiro profeta, as bases das futuras relaões de Portugal com a Europa, de uma CPLP e dos PALOP’s. Oiçamo-lo:

" O Portugal de hoje - estamos em 1975, recorde-se - O Portugal de hoje vai avançar numa dupla direcção: por um lado, para reintegrar a Europa, em construção, e, poroutro lado, para contribuir, com o Brasil, para a criação de um Mundo Lusófono, designadamente, na sequência do nascimento de novos Brasis, cheios de forças, re-sultantes de uma mestiçagem, prefigurando o mundo de amanhã.(15)

Entenda-se, como é óbvio, por "Mundo Lusófono",uma CPLP - Comunidade dos Países de

Língua Portuguesa - e por "novos Brasis", os PALOP’s - Países Africanos de Língua Portuguesa. Senghor recebe o título de Membro Correspondente da Academia das Ciências de Lisboa.

Em Junho de 1980, a Universidade de Évora organiza um Congresso Internacional sobre " Convergências de Raças e Culturas: Biologia e Sociologia da Mestiçagem." Na sua intervenção de alto nível, Senghor afirma designadamente:

" ... Temos, pois, que voltar a esta ideia que estamos a construir a Civilização do século XXI., graças à mestiçagem, mas sobretudo, graças ao diálogo das Culturas. Querendo ser fiéis ao nosso ideal, resolvemos, com efeito, enraizar-nos, o mais profundamente possível, nos valores da Negritude, para depois nos abrimos aos valores das outras Civilizações. Trata se de construirmos um Mundo mais humano, porque mais complementar na sua diversidade."(16)

No dia seguinte, os Congressistas seguiram, atentos, a "aula magistral" de História e de Cultura, de Linguística, com referências pertinentes, em latim e em grego, e de Literatura de Portugal por, segundo um Diário de Lisboa, " um Africano da envergadura do Prof. Doutor Leopoldo Senghor".. Depois de lembrar - citamos Senghor - que "os Lusitanos constituíam , segundo Estrabão, a mais forte das nações ibéricas, e que Viriato, o chefe, era conhecido por " o Anibal dos Ibéricos", ele debruça-se sobre as invasões sucessivas muito depois dos Romanos, e suas nsequências. Falando seguidamente, "ex-cathedra" da cultura árabe em Portugal, da miscegenação cultural, Senghor sublinha:

"...Porém, a mestiçagem biológica e cultural ía continuar com os Árabes... A influência dos Árabes, cuja presença no solo português durou mais de cinco séculos (711-1249) deve ser realçada: a agricultura, a poesia, as matemáticas, a filosofiae a astronomia. Se o maior filósofo da Ibéria foi Averroys, que soube tão bem comentar Aristóteles, no território português, distinguiram-se Ibn Amar e o historiador Ibn Baçame de Santarém."

Mais adianta, recorda que:

"... A língua portuguesa, que já é riquíssima, herdou dos Árabes cerca de 700 vocá bulos, refrentes à guerra ou à marinha, à administração, à agricultura, à ciência e a apelidos."

No fim do Congresso, o Humanista recebe o título de Doutor Honoris Causa da Univesidade de Évora.

Três anos depois - é um outro marco cultural lusófono - mais exactamente em Novembro de 1983 - o Centro de Estudos dos Povos e das Culturas de Expressão Portuguesa

( CEPCEP) e o International Africa Institute organizam na Universidade Católica de Lisboa um Seminário Internacional sobre o tema : "Religião em África". Da sua intervenção, intitulada :"Cultura e Religião em África", com os seguintes sub-títulos:

- Da Biologia à Cultura e à Religião Africanas;
- A arte em serviço da Religião
- A Revolução de 1889.

citamos a seguir um trecho::

" ... Com a experiência e no contexto actual mundial do diálogo das civ lizações, eu diria que a cultura é o conjunto dos valores de criação de uma civilização. Quanto à Religião, como é sabido, é o conjunto das crenças e dos ritos que re-ligam o visível ao invisível, o homem a Deus."

É a vez do Porto de convidar Senghor, em Abril de 1987 para o Congresso Internacional, comemorando o 75º. aniversário da sua Universidade. Tema do Congresso: A Universidade e a Construção da Europa". Toda a Imprensa escrita da cidade invicta cobre o evento. Citaremos apenas 2 Jornais:

- O Comércio do Porto, do dia 3 de Abril, escreve:

"A Universidade do Porto, ao organizar este Congresso Internacional, quis celebrar os seus 75 anos, na prsença de amigos europeus, brasileiros, africanos e americanos"

- O Jornal de Notícias ( JN ) de9 do mesmo mês, realça a alocução de encerramento do Humanissta:

Lê-se:

"... Senghor, lembrando com orgulho a sua gota de sangue português, afirma : o negro não é uma cor, é uma das qualidades do Homem."

O mesmo jornal põe em relevo os sub-títulos seguintes da intervenção de Senghor:

- Conhecer a África
- Poesia e Negritude

- Prever uma simbiose das culturas

- Os Negros trouxeram um contributo fundamental ao espírito de criatividade do Humanismo
- Todo o progresso espiritual,moral e artístico passa pela mestiçagem
- O caso português

O Jornal prossegue, citando palavras de Senghor:

"Não há hoje um biólogo ou antropólogo capaz de negar que é a mestiçagem que realiza o ideal do Homem. Neste capítulo, os portugueses "já deram um exem plo. Já deram uma resposta precisamente ao preconizarem uma mestiçagem biológica e cultural, alicerçado no vosso passado histórico. Os portugueses foram os únicos europeus que ousaram organizar, em Évora, há alguns anos atrás, um congresso sobre a mestiçagem. Muitos europeus ficaram então afastados e enfadados com esse congresso."(17)

Senghor aproveita a sua estada no Porto para visitar a Fundação Engº. António de Almeida, cada vez mais aberta à difusão da cultura luso-africana, cujo Presidente é o Dr. Fernando Aguiar-Branco.

O Instituto dos Estudos Clássicos da Faculdade de Letras de Coimbra tem, em Abril de 1988, a feliz iniciativa de reunir personalidades dos 4 cantos do Mundo para participarem no Congresso Internacional: As Humanidades greco-latinas e a Civilização do Universal. Senghor está presente. O Humanista africano aproveita o ensejo para reafirmar mais uma vez e solenemente os valores culturais arabo-berberes e negro-africanos, entre outros, a solidariedade, a hospitalidade, complementares dos valores da civilização ocidental, para que tudo isso nos abra a porta para a Civilização do Universal. Quanto à importância do ensino do latim e do grego, que Senghor defende sem reticências, ele precisa na sua alocução:

" Nos anos após a Primeira Guera Mundial, nos países desenvolvidos, a começar pela Europa Ocidental, para formar homens de cultura, ensinavam-se nas classes secundárias os Studia Humanitatis: as Humanidades greco-latinas. E isso, mesmo em África, é preciso dizê-lo. Na verdade, após a Segunda Guerra Mundial, verificou-se, mesmo nos países latinos da Europa e, naturalmente, nos países Latino-Americanos, um recuo do ensino do latim e do grego. Reflectindo bem, esse desdém era devido essencialmente à prioridade dada, na vida dos homens, às ciências e à tecnologia. Paradoxalmente, é o desenvolvimento destas últimas, mas sobretudo as suas aplicações nos serviços, numa palavra, na vida, que se está a dar um novo arranque às Humanidades greco-latinas.

Senghor vai mais longe, e dá um exemplo prático que ele julga ,com razão, revelador.

" Quando, nos anos 1970, recebi o título de Doutor Honoris Causa de Harvard, o Presidente das Universidades dos U.S.A. explicou-me a razão por que o ensino do latim, mas sobretudo do grego tinha progredido muito após a Segunda Guerra Mundial."É que, precisou, desenvolvendo a imaginação, o ensino do grego permite formar melhor os bons businessmen. Por razões idênticas, ou melhor, complemantares, os alunos do ensino secundário optam pela secção clássica, que aumentou de alguns anos para cá." O mesmo se dá num país como a França, não esquecendo a África francófona."

Senghor, latinista e helenista, lança então um apelo a todos os Congressistas de Coimbra para trabalharem, de mãos dadas, para o desenvolvimento do ensino do latiom e do grego e, para que se concretize o seu leit-motiv, "o dar e o receber" , e conclui, dirigindo-se ao povo português:

"Gostaria de agradecerao povo português. Este povo, mais do que qualquer outro na Europa, ignora os ódios de raça e de cultura. Este povo que, desde os Ibéricos, realizou uma das simbioses, biológica e cultural, mais completa, visto ter estado presente, no decorrer dos séculos, em todos os continentes do planeta Terra. É que pautou sempre essa rica simbiose à luz do humanismo greco-latino."(18)

Conclusão.

Apoiando-nos em alguns marcos culturais lusófonos, tentámos apresentar um Senghor, amante da língua e cultura lusas. Em abono de tudo o que acima ficou dito e escrito, recorremos às palavras do saudoso Jacinto do Prado Coelho:

" Se a condição de ser amigo de Portugal, de ser lusófilo, se avalia pela capacidade de compreender e amar - amar até saber perdoar - Senghor é um dos maiores lusófilos, não só de agora, como de sempre." (19)


Notas

1- In Prefácio da sua autoria do nosso livro.O crioulo da Guiné-Bissau: Filosofia e Sabedoria.

2- In Poemas:Léopold Senghor - Editora Arcádia, Lisboa 1977. Os seus Poemas foram traduzidos no Brasil - Grifo Edições, Rio de Janeiro,1969

3- In Prefácio do nosso referido livro

4- Senghor: Liberté 3: Le Brésil dans l’Amérique Latine - Le Seuil, 1977

5- Idem, ibidem

6- Idem, ibidem

7- Idem, ibidem: Latinité et Négritude - Le Seuil, 1977

8- Idem, ibidem

9- In Lusitanidade e Negritude, Editora Nova Fronteira - Botafogo - Rio de Jaaneiro, RJ - Brasil, s/d, p. 35

10- Idem,ibidem, pp. 35-37 e 39

11- Idem, ibidem, p. 45

12- Idem, ibidem, p. 47

13- Idem, ibidem, p. 43

14- Idem, ibidem, pp. 25 e 51

15- Idem, ibidem, p. 53

16- Obra cit. p. 17

17- JN,9/4/987

18- In Sobre o Autor - Prefáco dos Poemas - Editora Arcádia, Lisboa, 1977.