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ROMANCE DAS MANS
DE DOMINGO

Anibal Beça
.
para o poeta Elson Farias
.


As manhãs da minha infância
chegavam sempre serenas
levadas de claridade
roçando as manhas do sol
nos meus olhos de menino.

E só viam o que viam
por que só queriam ver
o que no olhar revelava
novidade e descoberta
para os meus olhos de festa.
Por que de festa se faz
toda manhã temporã
das cidades acanhadas
perdidas em suas sestas
como a Manaus dessa época.

Manhãs que se embandeiravam
no descanso colorido
dos andaimes de domingos
construindo em algazarra
os sons nos pés dos moleques
com seus folguedos alegres:
coquinhos de tucumã
no futebol de botão;
pelada para os mais hábeis;
carrinhos de rolimã;
papagaios de papel;
língua do pê, canga-pé,
macaca e barra-bandeira;
pedrinhas e manjalé.

Fora outros passa-tempos
(em que nós todos torcíamos
para que nunca passassem)
partilhados em segredo
com meninas assanhadas
bem mais do que curiosas
unidas num só desejo
de pulsão interior:
sussurros umedecendo
os mistérios revelados
(que não eram os gozosos
das ladainhas das missas)
nos arrepios dos pêlos
(ainda ralas penugens)
na pressa dos batimentos
dos corações pequeninos.
Sal na saliva furtiva
no toque breve dos lábios
língua lúdica e cândida
de leve inocência lúbrica
na respiração molhada.

Ciclo regido nas águas
cheiro agreste de alfazema.
No talhe corpos franzinos
adocicando a paisagem
de surpresa e descoberta:
corpos deitados nas tábuas
dos escondidos porões
fugindo aos olhos contrários
de tias e avós zelosas
anjos com suas verdades
(que nunca eram as nossas)
de labareda e pecado.
Querendo aplacar a febre
da nossa chuva de fogo
neblina de suor úmido
de chuva fina na pele
lavando instintos ocultos.

E tudo era muito simples
como as coisas das crianças.

Nada para complicar
a nossa fala em silêncio.
Fala de olhos espertos
na parceria de cúmplices
quebrada só pela voz
da menina impaciente
sempre mais experiente:

-- Põe o teu dentro do meu
não diga nada a ninguém.

Tudo ficava sereno
nos meus olhos de menino.

Depois as águas do banho
gelavam nossos desejos
e o cheiro do peixe frito
era o sinal para o almoço.
E todos sentavam à mesa
com olhos apreensivos
os ouvidos afinados
à espera de algum resmungo
ou de um olhar mais severo
da autoridade paterna
cofiando seu bigode
afiando os mesmos ralhos
cobrando as nossas posturas
de toda semana inteira
como se aquele domingo
fosse o dia do juízo.

Mas em minha cabecinha
uma lembrança aflorava:
-- Põe o teu dentro do meu
não diga nada a ninguém.

Tudo ficava sereno
nos meus olhos de menino.
CASA