TEXTOS SELECIONADOS

THE BIRTH CAUL (A COIFA)

A raiz da Arte é distante e obscura. Os primeiros poemas, danças, imagens e sons estruturados não foram registrados exceto em lendas e tradições; na nódoa ocre da parede de uma caverna que, de certa forma, foi a espinha arqueada de um bisão para sua platéia inicial. Não podemos mais calcular o impacto que esses saltos de abstração devem tem tido sobre as mentes paleolíticas: os súbitos significados pelos quais se compreendia um campo novo e fabuloso de pensamentos e conceitos, tão verdadeiro e imediato quanto os caminhos sujos e abarrotados percorridos pelo homem primitivo diariamente, embora menos substancial e, portanto, menos vulnerável ao tempo e às estações.

A primeira codificação da dura realidade do homem primitivo através de sons ou símbolos deve ter oferecido um poder de comunicação tão alienígena e sem precedentes ao seu usuário, talvez o equivalente ao que a telepatia pareceria para nós hoje. O primeiro a captar alguma verdade inata do mundo humano dentro das linhas de um desenho ou da dança que impulsionaria sua platéia através de um plano diferente de compreensão e percepção, mais extremo do que os efeitos de qualquer droga. Os desenhos nas paredes das caverna de Lascaux, à parte de qualquer significado ritual que pudessem ter, são em sim mesmos um ato de magia: para aqueles que não tinham o conceito prévio de uma imagem manufaturada, deve ter parecido que animais saltitantes foram conjurados em carne e osso e manifestaram-se dentro da própria caverna. As raízes da Arte e de toda abstração estão na magia, na luz do fogo e no mundo oculto.

Se isto parece uma interpretação extrema de nossa primeira resposta para Arte, considere um exemplo mais recente: quando Winsor McCay, um artista creditado com a invenção do desenho animado, exibiu pela primeira vez seu protótipo Gertie, O Dinossauro, em 1914, a reação das platéias foi instrutiva. Sem o aparato perceptivo necessário para aceitar a noção de um animal de desenho animado, grande parte da platéia, ao contrário do que se poderia pensar, acreditou que tinham testemunhado a aparição de um dinossauro real, de carne e osso, sobre a tela à sua frente. Ainda que o animal se movimentasse através de uma paisagem que incluía um lago e montanhas, onde os espectadores devem ter claramente percebido que existiam apenas na tela real do teatro, eles evidentemente ficaram tão desorientados pela completa proximidade desta desconhecida forma de arte que, de algum modo, eles rearranjaram suas próprias percepções tal qual um papel sobre suas discrepâncias.

Se esta foi a reação a um século atrás, então quão mais severa foi a resposta de nossos antecessores mais distante às novas e sem precedentes tecnologias de arte e linguagem? Em um certo ponto de seu desenvolvimento, o artista e o xamã são indivisíveis, ambos tirando algo do mundo invisível dos conceitos e idéias e dando-lhe forma. Toda arte e todo impulso criativo humano então devem ter dado seus primeiros passos dentro da esfera da magia, sendo inicialmente percebidos como tal. As Artes e a Magia, conhecida tradicionalmente como A Arte, têm em comum suas tentativas em manipular uma espécie de meta-espaço; um reino imaterial de pensamentos e inspirações. Se as primeiras raizes da arte podem então ser descritas como mágicas, é necessário realizar um esforço para primeiro localizar e compreender essas raízes, para que sejam genuinamente reconhecidas como radicais dentro das artes.

Com isto em mente, e em colaboração com os músicos Dave J e Tim Perkins, tentei construir um processo e um contexto para arte de performance e poesia que cria e utiliza-se da visão de mundo shamânica para direcionar a platéia através de uma paisagem mental estruturada à um nível predeterminado de consciência. Cada performance que emerge deste processo é considerada um evento único para que seja desempenhado em uma única ocasião e em um local específico, o qual sentimos ser apropriado à intenção do trabalho, em uma data específica, a qual é considerada igualmente significativa.

Com isso, pretende-se intensificar o sentido de ritual e aura de ocasião, necessários para envolver a platéia dentro do glamour do trabalho, mas também serve para remover instantaneamente toda a experiência do artificialmente criado regime de escrita, publicação e excursão que é associado com a maioria das áreas de performance, da música pop à poesia. A energia da performance aqui apresentada não é diluída por repetições prévias ou subseqüentes, mantendo-se como um evento singular com sua força inicial intacta.

O principal assunto do trabalho e significados de execução são igualmente derivados de ritual; busca-se uma interação mais ativa com o mundo de conceitos e idéias onde as força são conjuradas, e embora percebido como completamente imaginário, no contexto de espaço conceitual, tal mundo é tratado como sendo real. Na prática, esta aproximação tem se provado eficiente e veloz, rendendo um trabalho duplamente extensivo e complexo, durante o intensivo período de duas semanas.

Depois do primeiro e evidentemente oculto trabalho que foi desempenhado no Teatro Bridewell, quase fora da Fleet Street, em Julho de 1994, uma aplicação bem mais enfocada do princípio pareceu necessária. Newcastle ofereceu uma oportunidade para afiar o processo em um corte mais preciso, dentro de um ambiente controlado.

O trabalho resultante, entitulado A Coifa e apresentado pelos processos descritos acima, foi uma tentativa de atrair a platéia ao longo da espiral de um texto curvo e umbilical, nos sucessivos estados de existência pré-púrbere, pré-verbal e finalmente pre-natal. Uma paisagem contínua e emotiva foi fornecida musicalmente, através da qual um caminho de narrativa foi traçado, e todo o romance foi desempenhado de forma bem sucedida dentro da fronteira atmosférica do século XIX da Old County Court de Newcastle, construída sobre os restos da Muralha de Adriano. Julgado em termos criativos, classificamos este evento único como sendo um trabalho que de outra forma não poderia ser feito. É sobre este princípio de alguma coisa saindo do nada que todos os nossos processos criativos, toda arte e feitiçaria, estão edificados.

Alan Moore


A SEGUIR: A TRANSCRIÇÃO DE THE BIRTH CAUL