ENTREVISTAS

ENTREVISTA COM ALAN MOORE

Por Benoît Mouchart

BM: Você disse na Tabu que todo os eventos descritos em Do Inferno podem tem acontecido. Mas não acho que você teve a intenção de uma reprodução exata de história.

AM: Enquanto estava fazendo Do Inferno, tive uma pequena revelação sobre a natureza da história. Eu estava escrevendo uma ficção. Entretanto, eu tinha imposto certas regras a mim mesmo. Eu poderia incluir muita evidências, mesmo que fossem conflitantes, e poderia tentar encaixá-las tanto quanto fosse possível. Assim que eu tivesse esse enorme amontoado de fatos ou semi-fatos separados, lendas, rumores, mentiras, toda essa informação espalhada na minha frente, eu faria uma ficção que incluiria tudo isso. Eu comecei a pensar, O que mais é História? História é uma disseminação de informações, algumas são fatos, algumas são ficção, e nós tentamos colocar tudo isso dentro de um modelo que faça sentido. É tudo uma ficção, seja estarmos falando sobre a história das nações ou dos indivíduos. Quando falamos sobre a história global, é muito comum fazermos erros terríveis. Nós repentinamente compreenderemos que alguns de nós que tinham previamente pensado estar diante de dois faraós egípcios diferentes estavam de fato diante de uma pessoa que era conhecida por dois nomes, assim ocultamos um reino de trinta anos em nossa história. De certo modo, tudo é ficção, e tudo é um estado de mudança, a ciência e a história que me ensinaram tem sido revisadas por muito tempo, nossa nova teoria é somente nossa ficção mais recente. Havia alguma coisa em Do Inferno que me fez compreender isso. Eu estava tentando tantos fatos quanto possível e basicamente isso é tudo o que podemos fazer com a história. Nós até mesmo eliminamos muito de nossa própria e particular história; nós editamos coisas em nossa memória para satisfazermos a nós mesmos. Acho que em Do Inferno eu estava tentando obscurecer um pouco essa linha divisória.


BM: O charlatanismo do Robert Lees, por outro lado, é a leitura cabalística da História e dos poderes de adivinhação. Isso não é contraditório?

AM: Quando lidei pela primeira vez a personagem de Robert Lees, olhando as evidências, parecia haver uma forte possibilidade que um sensitivo tivesse descoberto a identidade do assassino, e era possível que aquele sensitivo fosse Robert Lees. Ele certamente nunca negou isso. Ao mesmo tempo, isso ia combinando com a hipótese de William Gull, então isso levantou certas questões. Se Lees era realmente o sensitivo da Rainha Victoria, então ele certamente deve ter encontrado seu médico, que era William Gull, o que é um tanto estranho que ele veja este homem e repentina e psiquicamente saiba que é Jack, o Estripador. Assim, comecei a pensar na natureza das forças psíquicas de Robert Lees - se é que ele possuía alguma.

O que fez sentido para mim foi que ele deve ter inventado tudo, e tudo acabou se realizando. É por isso que ele estava tão surpreso, em ter guiado o inspetor até a casa do Doutor Gull. Sua única intenção era embaraçar o Doutor Gull, pois ele não gostava dele. Sua conversa de premonições psíquicas é completamente reiterada, ainda mais quando o Doutor Gull confessa o crime, o que o coloca numa posição interessante, porque ele não pode dizer que as previu. Eu me recordo de um incidente de minha própria infância, e tento baseá-lo em um nível pessoal. Eu estava de férias com meus pais, nós estávamos em frente a um pub, e eu era muito jovem.

Meu pai foi para dentro do pub comprar bebidas. Quando ele voltou, ele disse que o filho do proprietário desapareceu, e gostaria de saber se nós o tínhamos visto. Em um impulso momentâneo, só para chamar atenção, eu disse Eu vi um menininho indo por aquele caminho quando nos aproximávamos do pub e forneci uma descrição que estava longe de ser detalhada, e se meus pais estivessem mais atentos, eles saberiam que eu estava mentindo. Meu pai entrou para contar ao proprietário, ele voltou e disse O proprietário diz que é ele, e que ele não está mais preocupado porque seus amigos vivem naquela direção e que ele deve ter ido visitá-los. Eu fiquei assustado, porque agora o filho do proprietário estava perdido, e porque eu tinha dito uma mentira, e o proprietário acreditando que ele estava em segurança quando tudo que eu sabia era que ele podia ter sido seqüestrado ou fugido. Mais Tarde, o filho voltou, ele tinha ido visitar seu amigo, e eu ainda não podia falar nada, pois teria de admitir a mentira. Eu imaginei tudo aquilo, e tudo acabou se realizando, o que foram as palavras que coloquei na boca do Robert Lees.

Imaginei que se seus dons psíquicos eram reais, ele não acreditava neles. As visões finais de William Gull podem apenas ter sido as alucinações de um homem agonizante. Por outro lado, eu quis juntar todos esses eventos do passado e do futuro para obter a sensação de um evento que ondula através do tempo. No momento de sua morte, o espírito de Gull ondula através da história, afetando Robert Louis Stevenson em 1888, afetando os assassinatos em séries de Ian Brady na Inglaterra dos anos 60; isso é um onda de influência e de informação terrível. Eu não acho que há qualquer paradoxo genuíno. O livro não nega que há um componente de magia na vida, mas apenas que Robert Lees não crê nisso, ele pensava que ele era uma fraude.


BM: Por que você adicionou os apêndices?

AM: Os apêndices estão lá por algumas poucas razões. Por um lado, porque eu tinha escolhido incluir tantos fatos relatados quanto possível. Achei que seria muito justo que eu deveria explicar ao leitor exatamente o que foi fato e o que foi ficção. Do Inferno tem muitos e fortes elementos sobrenaturais para isso, e ainda assim todos os elementos sobrenaturais estão apoiados em detalhes e fragmentos de fatos relatados e coincidências assustadoras. Eu queria fazer um romance de horror sobrenatural que o leitor não pudesse libertar-se tão facilmente quanto podia com um romance de Stephen King, por exemplo. Em um romance de Stephen King, quando você fecha as páginas, aquele mundo pode ser escondido no bolso ou engavetado. Não há a menor possibilidade que ele exista, e você está de volta são e salvo em seu próprio mundo, e todos os horrores do romance estão presos dentro dele. Mas escrevendo todas essas notas e apêndices, quis fazer que leitor achasse mais difícil fechar o livro e esquecer a história.


BM: Suas histórias são freqüentemente baseadas em conspirações secretas. Em Do Inferno, você utiliza a Maçonaria. Você realmente crê na força dessa organização?

AM: Com relação a conspiração em meu trabalho, em Watchmen há um enredo, para uma personagem, que não é realmente uma conspiração, mas um super-vilão louco. Em V de Vingança, ele é um governo fascista. Há obviamente elementos de conspiração em Do Inferno. O trabalho que eu fiz em meu livro Brought to Light (Trazido à Luz, ainda inédito no Brasil), que foi uma história da CIA desde o fim de Segunda Guerra Mundial, havia não uma teoria de conspiração, mas fatos que foram colocados juntos num resumo de uma equipe de investigação guarnecida com imensas quantidades de informação. Sim, há uma conspiração; de fato há muitas. Quase qualquer agência de inteligência, seja ela britânica, americana, francesa ou alemã equivalentes, por sua própria natureza, são organizações secretas que trabalham para afetar a administração do estado, a administração do mundo. Claro que é uma conspiração. Tendo feito Brought to Light, comecei a compreender o quão ineptas essas conspirações são. Elas matam muitas pessoas; elas são responsáveis por guerras, comércio de drogas e tudo relacionado com a miséria humana. Elas não resolvem. Caso a CIA esteja a sua procura, você não tem com o que preocupar. Alguém que possui um nome parecido com o seu, ou que vive em um apartamento no qual você uma vez viveu, é que deveria se preocupar, pois é quem pode ficar encrencado por acidente.

Como há provavelmente mais de uma dúzia de conspirações, tudo se conduz ao caos. Se você deixa cair uma pedrinha em uma piscina, você obterá ondas, isso é muito natural e facilmente previsível. Você deixa cair duas na piscina, o modelo ainda será previsível, mas um pouco mais complexo, pois as ondas se sobrepõem. Se você deixa cair cinqüenta pedrinhas, não haverá um modelo; o sistema se tornará tão complexo que será caótico. Nenhuma das ondas ou conspirações podem manter sua forma original, basicamente acaba do mesmo modo se não houvesse essas coisas. Assim não, não sou um teórico de conspirações, não acredito que os estrangeiros estão conspirando para nos dominar, não acredito que o maçons ou os Illuminati estão conspirando para dominar o mundo. O que foi dito é que há grupos maçônicos com natureza conspiratória, assim como muitos outros grupos também. Quanto à natureza maçônica nas teorias de conspiração de Do Inferno, Eu não sei, não faço qualquer senão. É uma ficção. É interessante conflitar os pequenos pedaços de evidências no livro. Soube que os próprios maçons disseram que William Gull nunca foi um maçom. Esse é o problema com as sociedades secretas; ninguém acredita em nada do que elas dizem.

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