|
PRÓLOGO Um dos pecados imperdoáveis numa turma de adolescentes é ser dos mais novos. Penaram nas mãos da Turma, por conta disso, Marcelo, Olegário, e outros. Mas nenhum teve a honra de protagonizar duas lembranças tão interessantes como nosso querido e sério Carlos Matheus.
EPISÓDIO 1 : HOCHE CHA CHANTEI A CHACA Era Festa de Santana. A cidade engalanada para comemorar sua padroeira, tinha a Praça da Catedral apinhada de gente. Caetiteenses do mundo inteiro que para o torrão natal acorrem nesta época, e passeiam por dentre as barracas de bebidas, distribuídas ao redor do largo da matriz.
Eu saí de casa, a noite estava começando. Atravessei a rua e já estava chegando no local onde a parte profana tem lugar, quando Mateuzinho me aparece, o olhar súplice, seguido de perto por outros integrantes da Turma que piscavam-me os olhos para entrar na brincadeira. Desesperado, o amigo me perguntou: _ André, me diga, eu falo ou não direito? Escute: Jorgina, Jorgina, viu? Não falei certo?!
Acostumado a estas armações, mesmo sem entender o que estava ocorrendo, respondi: _ Ué, por que você tá falando errado?
Matheus tinha arrumado uma namorada com este nome. Para sua infelicidade, a Turma combinara que ele não conseguia pronunciar o nome da menina, dizendo "na verdade" CHORCHINA - incapaz que era de dizer o jota que, segundo tentavam convencê-lo, era dito "chota"...
Moço, devem ter sido momentos torturantes aqueles. O garoto perguntara já a vários amigos, e todos lhe deixavam inda mais confuso: _ Fala aí, Matheus - pedi - HOJE...
Ele repetia corretamente, mas eu consertava, já cientificado do engodo: _ HOCHE, não, Matheus: HOJE!
Ele então, agoniadíssimo, dizia várias vezes, para provar a si mesmo que falava correto: _ HOJE, HOJE, HOJE! Viu? Falei direitinho!
Mas não tinha jeito (ou seria "cheito"?). A coisa durou um bocado, eu já com pena do sofrimento que aquilo causava nele, até que felizmente Cecília, sua irmã, saíra da missa, e desmentiu tudo.
EPISÓDIO 2 : O CONTADOR DE PARALELEPÍPEDOS Era uma tarde modorrenta. Eu e Gilson sentados na esquina do Padre. Não, não estou repetindo história - essa era a rotina que provocava na gente o despertar da imaginação e de idéias nem sempre cristãs. Mateuzinho nos aparece. É estranho como a convivência minha com o Boli permitia uma espécie de telepatia que, nesse dia, foi caminhando sozinha: era como se a gente estivesse buscando inspiração no mesmo demoniozinho.
Os três ali sentados, nada pra fazer ou falar. Tudo uma pasmaceira. De repente um começou e o outro foi emendando: _ Que dia a gente começa a contar os paralelos da avenida? _ Que tal amanhã? _ Não... acho melhor na segunda, tem menos movimento... _ Rapaz, é muito paralelepípedo... Será que num dia só a gente acaba?
Matheus quis saber que invenção era aquela de contar paralelos, sem dar crédito na coisa. Mas então construímos, no improviso, a convincente história de que a Prefeitura contratara Seu Gilson, que é topógrafo, para contar quantas pedras calçavam a Avenida Santana. Para que? Ora, a Prefeitura ia asfaltar a via e queria aproveitar os paralelos para outras ruas, então necessitava saber quantos haviam, para calcular quantas ruas poderia pavimentar depois. Seu Gilson - continuamos - profissional atarefado, nos subempreitara. Então convidamos o amigo para nos ajudar, pois o trabalho era muito. Com tantos e tão bons argumentos o mais novo acreditou, mesmo com dúzias de pulgas atrás da orelha. Combinamos então que o melhor dia seria mesmo na segunda-feira próxima. Mais tarde cada um tomou seu rumo.
Os dias se passaram. Nem eu nem o Bolivar lembrávamos mais daquela invencio-nice, criada para passar o tempo. Então um dia, à noite, encontramos o Matheus, irado, nos esperando: _ Seus mentirosos! Eu sabia que era tudo mentira!
O que será que provocara aquela reação no amigo? A gente não se lembrava mais. Instado, ele disse: _Seus tratantes! Não disseram que iam contar os paralelos hoje?!
Ao nos recordar da combinação adrede estabelecida, tivemos de segurar o riso. Mas falamos, seriamente: _ Ué, a gente contou, sim! Você foi quem não apareceu! _ Apareci, sim senhor! E não vi nem sombra de vocês dois! _ Ah, Matheus, você olhou no resto da Avenida? Vai ver quando você chegou a gente já tinha começado... _Conversa! Eu subi e desci a Avenida e não vi nenhum dos dois. _ Você então chegou muito tarde... _ Mentira! Não dava tempo de terem terminado de contar tantas pedras!
Foi então que minha inspiração brilhou: _ Mas Matheus, você tá pensando que a gente contou paralelo por paralelo? _ E não foi? _ Claro que não! A gente não é bobo! A gente contou quantos paralelos tinha num metro e depois, com uma trena que Seu Gilson nos emprestou, medimos os metros da Avenida, e depois foi só fazer a conta. _ Ah, bom! Tá explicado! Me desculpem...
Pois é, amigos, assim como a Avenida Santana não foi até hoje (ou seria hoche?) asfaltada, também a gente nunca contou o seu calçamento... |
|