Marion Gomes
Patrona da Cadeira 23
Biografia
  A cidade baiana de Santo Antônio de Jesus hoje pouco guarda em suas lembranças o fato de haver um dia abrigado a família Gomes. Não há mais ali muito desta gen, nem lembranças que resguardem o parentesco de Almiro Gomes e sua primeira esposa, Maria José Gomes. Ele, nascido em Itaparica, a bela ilha do Recôncavo baiano, a 13 de janeiro de 1892, veio a ser coletor federal naquela cidade, onde apaixonou-se pela bela jovem Maria José. Ela fora madrinha do time de futebol local, e "Seu" Almiro era um esposo ciumento.
   Apesar do mesmo sobrenome, não eram parentes. Deste casal nasceu Marion Gomes, em 12 de dezembro de 1931, quinta filha, que tinha ali um seio familiar bastante estável. As lembranças da infância que mais lhe marcaram foram as idas para o sítio da família, as brincadeiras com os irmãos José Almiro ("meu irmão mais velho"), Maria Almira("minha irmã mais velha"), Almira Maria e Nessis; a passagem do trem de ferro, cuja linha ficava nos fundos da grande casa onde moravam, na principal avenida...
   Quando contava apenas 6 anos, sua mãe tem o sexto filho, Ari. Um ano antes da descoberta da penicilina, morre em conseqüência do parto, deixando uma lacuna e uma dor, que a menina nunca soube preencher... As poucas lembranças da mãe, marcantes, eram dos castigos que teve - algo que a psicologia entende como um mecanismo a justificar a perda, este de fixar-se nos aspectos negativos: mas boas recordações de uma mãe zelosa ficaram.
   Com seis filhos pequenos, Seu Almiro veio a casar-se novamente, com Glória Gomes, a quem seus filhos chamavam de "Dinda". Foi uma madrasta amiga, que soube lidar com a difícil tarefa de assumir os filhos alheios. Com o pai um relacionamento afável, onde ela o chamava de "
Senhor Paizinho" obtendo a resposta: "O que é, Senhora Filhinha?"
   Marion foi, ainda menina, mandada para Salvador, estudar num internato de freiras. Inquieta, aquele não era um ambiente que lhe agradasse. A experiência não durou um ano, e acabou vindo morar com a irmã, Almira Maria (Mirinha), em Caetité.
   Mirinha casara-se com o Dr. Hernani Veloso Viana, também viúvo, professor da Antiga Escola Normal de Caetité, da qual foi também o diretor. Aqui a jovem veio a concluir o curso de Magistério, àquele tempo chamado Normal, justo no colégio mais abalizado do interior baiano. Moravam na "rua do Colégio das Freiras", atual rua Ruy Barbosa.
   Ainda estudante foi a uma festa que reuniu toda a cidade: a inauguração da ponte da "Candonga", local de difícil passagem na estrada principal, a alguns quilômetros da sede. Convidada para dançar por um dos jovens galãs de então, moço de boa família, teve um beijo roubado em meio ao baile, que respondeu com um tapa. Começara ali o namoro que redundou em seu casamento com Luiz Otto Rodrigues Lima Koehne.
   Filho do alemão Otto Koehne e de D. Alice Rodrigues Lima Koehne, era um ano mais velho que a namorada. "Luizinho", assim, representava o coroamento da juventude que, logo, remeteria para a fase adulta.
   O romance parecia ter tudo para dar certo. Mas uma separação foi inevitável: a fim de trabalhar, ela retorna para a cidade natal e, 1950, consegue ser contratada como estagiária e no ano seguinte é designada para lecionar nas Escolas Reunidas, ainda em Santo Antônio.
   A distância não impediu o namoro, feito através de centenas de cartas, em que o jovem apaixonado chamava-a de "Maringá", apelido derivado de uma música da época. Conseqüência inevitável, ficaram noivos e casaram-se, finalmente, em 1955, vindo então residir em Caetité, no velho casarão que pertencera ao Cel. Cazuzinha. No ano seguinte tem o primeiro filho, George. Muito sociável, o casal tem ativa participação na vida comunal, e a jovem esposa granjeia fama por suas recepções.
   Com a mudança, foi transferida para Caetité, servindo como Bibliotecária na Escola Normal. Com o nascimento do segundo filho, Hermann, acaba pedindo sua exoneração, em 01.08.1957 - com o único fito de cuidar da família. Mas retorna ao ensino, no mesmo ano, como "Instrutora de Português - extranumerária mensalista" da Escola Normal.
   Muda-se para a rua Barão de Caetité, onde tem mais 3 filhos: Maria Helena, Maria Luiza e André Luiz.
   A condição de "mensalista" perdura até 1969, quando finalmente é contratada pelo Estado, como professora do Ensino Médio, agora no Instituto de Educação Anísio Teixeira, onde laborou toda a vida. O IEAT herdara o corpo docente e a fama da Escola Normal, e a Profa. Marion veio a ser de todas a que granjearia a fama de maior rigor e exigência.
   Ensina Português e Literatura, e aos poucos vai se conscientizando de que o problema da educação é maior e mais grave: aos poucos passa a cobrar dos alunos não o simples aprendizado das regras de ortografia, gramática e simples análises de períodos literários, mas uma visão holística, que lhes permitisse compreender a própria realidade. "Vidas Secas", de Graciliano Ramos, passa a ser sua obra mais adotada.
   Os cursos noturnos do IEAT passam a ser muito procurados: alunos que, conhecendo a própria limitação, fugiam dos rigores da professora. Como orientadora do Centro Cívico do colégio, organiza atividades voltadas para despertar a cultura nos jovens, e suas gincanas marcaram época, lotando o imenso auditório do Cine Pax. Em 1979 um susto: vai às pressas para Salvador, com a suspeita de câncer no útero. Em fevereiro deste ano sofre uma histerotomia radical, para a retirada do mioma.
   As gerações se sucedem, enquanto o regime proporciona uma gradual perda de qualidade no ensino: alunos chegam ao segundo grau sem sequer saberem a ordem das letras no alfabeto, e Marion se adapta, seguindo um programa que visava "recuperar" nos jovens aquilo que lhes fora sonegado nas séries anteriores, sem contudo perder de vista o ideal de educar para a consciência.
   Episódio marcante foi quando soube que havia ocorrido a invasão do terreno do colégio, no começo dos anos 80: largou tudo e foi para a frente do trator, impedindo o esbulho. Logo os alunos vieram e, solidários com a mestra no exercício da cidadania, postaram-se ao seu lado. Após uma passeata que organizou, em protesto, a direção da escola finalmente agiu, obtendo a posse do terreno, anos depois, na Justiça.
   Sua índole era esta: lutadora, contestadora, brava mesmo. Quando convicta de suas idéias, defendia-lhes com ardor, granjeando assim muitos adversários que, infelizmente, tinham quase sempre os meios oficiais a respaldá-los. Uma vez foi contratado um indivíduo para lecionar no ginásio, por ingerência política. Sendo contestada por este, numa reunião de professores, ela de imediato cobrou-lhe a habilitação para o magistério - o que nunca restou comprovado...
   No final dos anos 80 um problema de voz afasta a mestra das salas de aula. Volta, então, a cuidar da Biblioteca do IEAT. Com o nome de Edgard Pitangueiras, primeiro Diretor da Escola Normal, guardava um rico acervo bibliográfico que ela diligentemente catalogou segundo as normas de Dewey, orientando as pesquisas, num trabalho incansável.
   Em 1991, após mais de 30 anos de casamento, separa-se do marido, de forma um tanto traumática.
   Estava chegando o final desta trajetória. Sonhava com a aposentadoria onde viesse a realizar os sonhos de leitura, aprender música, "curtir" os netos... entretanto, mal obtém o direito, após meses de espera em que o pedido emperrava na viciada máquina burocrática, que nunca a teve em boa conta, sofre em 1996 um derrame que lhe tolhe não apenas os movimentos, mas sobretudo o raciocínio, a capacidade de tirocínio... fruto de lutas, de incompreensão, de seu temperamento...
   Escrevia como poucos, mas destruía seus escritos... Talvez isto não tenha tanta importância, muitos foram os que com ela aprenderam a desvendar o mundo das letras, e hoje semeiam pelo mundo afora as lições aprendidas. Forasteira em Caetité, poucos a amaram como ela, nem lutaram por sua gente com tanto denodo e moral.
   Sobre este legado, a certeza de que sua memória estará não apenas nas mentes de seus alunos, mas nos corações de quantos compreenderam a importância do Magistério, tal como ela o vivenciou.
Uma Professora...
Marion Gomes
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Índice:
ENSAIO
BIOGRAFIA

POESIA
DEPOIMENTOS
IMAGENS
COMBATE
Em julho de 2004, a Câmara de Vereadores de Caetité concedeu à Profa. Marion o título de "Cidadã Caetiteense".
No domingo, 06 de novembro de 2005, faleceu a Professora Marion.
Esperamos com o tempo trazer aqui um pouco das homenagens recebidas.