Marion Gomes
Patrona da Cadeira 23
Depoimentos
Artigo publicado nos anos 90, por um jornal da região:
Marion Gomes
Índice:
ENSAIO
BIOGRAFIA

POESIA
DEPOIMENTOS
IMAGENS
COMBATE
Marion
Uma educadora à frente do seu tempo
  São muitos os educadores que passam pela nossa vida, uns passam quase que despercebidos, outros deixam marcas altamente positivas. Tomo como exemplo ímpar a professora de Língua Portuguesa Marion Koehne. Lembro-me do primeiro dia em que ela entrou na sala de aula e já de cara fugia, por assim dizer, aos padrões a que estávamos acostumados: jeans surrado, carteira de Free na mão, cheirava a nicotina e a inteligência, com seu jeito despojado e autêntico, acabava por se misturar com os estudantes nos corredores do Instituto de Educação Anísio Teixeira, seu perfil traduzia a linguagem de toda aquela juventude (anos oitenta).
  E não foi diferente. Suas aulas eram muito mais modernas e anticonvencionais, não se pautando apenas em meras regras gramaticais. Aprendíamos vida, despertar do pensamento crítico, política, filosofia e até mesmo a idéia de um Deus menos intocável. Prevalecia a conversação, o discurso livre, o diálogo, o debate, e com isso, o aluno passava a ser o sujeito central no processo de aprendizagem. Com o seu jeito todo peculiar de ser, o que denotava personalidade forte, Marion criticava (sem denegrir) certas leis impostas e certos falsos valores, traduzindo na íntegra a beleza do vocábulo "cidadania". Suas aulas eram muito mais do que reprodução dos livros didáticos, o conhecimento era passado com emoção, consciência e sabedoria, eram aulas plenas pois ao pensar por si mesma, incutia nos alunos a arte de pensar, criar e, até mesmo, recriar as suas próprias histórias. Marion tinha uma capacidade inigualável de olhar o aluno como gente, como um ser político em formação, pois mostrava realidade de forma não fragmentada, não abstrata, coisa própria daqueles que não se alienam nunca.
  Tive muitos professores, antes e depois dela, e nem mesmo na faculdade onde me deparei com graduados, pós-graduados, doutorados... nenhum com seu poder intelectual e humano de fazer brotar o fruto e a flor.
  Obrigada, Marion! O pagamento, só na eternidade (aprendi com você que a fé não pode ser cega ou pouco raciocinada). Sua história, como ser humano, foi além da gramática normativa. Será sempre a síntese do verdadeiro educador. Só me perdoe pelo 10 que não consegui tirar. Ele é todo seu.
Miriam Almeida Sampaio.*
*Miriam Almeida Sampaio é professora em Caetité - Bahia.
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  Nasci no município de Brumado. Aos 16 anos (1966) fui viver em Caetité, pois a minha família, por necessidade, claro, emigrava, com certa freqüência, como se pertencesse à etnia cigana.

   Juntamente a algumas vantagens, sobrava-nos (aos filhos) o prejuízo no desempenho escolar. As mudanças eram feitas em pleno ano letivo o que nos levava a recomeçar sempre o mesmo ano escolar a cada lugar que chegávamos.
Prova disso era que aos 16 anos ainda freqüentava eu o 3º ano primário, na antiga Escola Normal de Caetité. Contudo, em Fevereiro de 1967, por sugestão de um professor de Educação Física do IEAT, Prof. Abelardo, preparei-me para os exames de admissão ao Ginásio (2a. época). Fui aprovado para a freqüência do 1º ano ginasial, porém tive de o repetir no ano seguinte visto não ter obtido notas suficientemente altas em História do Brasil que me permitissem passar para o 2º ano.

   Estudei, portanto, no IEAT de 1967 a 1971, ano em que emigrei-me para o sul - São Paulo - e anos depois para a Europa.

   Bem, tudo isso para dizer que durante o período em que estudei no IEAT fui presenteado com a honra e a grande satisfação de ter sido aluno da Profª Marion Gomes, vossa Mãe e Patrona da cadeira nº 23 da ACL. Creio ter sido em 1970 e 1971, uma vez que nos anos anteriores tivera sido aluno da Profª Irany de Castro Muniz Teixeira.

   De modo geral, fui um bom aluno, mas o meu forte era a Língua Portuguesa.
Hoje, considero que a Profª Irany construiu em mim o alicerce e a Profª. Marion edificou as paredes da minha aprendizagem. O teto, nunca o terei terminado, pois cabe a mim construir, num exercício constante e interminável, já que a língua é uma matéria viva, sempre em transformação.

   Mas isso não me preocupa, pois é tão bom estar no cimo de paredes tão seguras, sustentadas por um sólido alicerce e ver o céu salpicado de estrelas!
Devo, a ambas, o meu interesse pela Língua Portuguesa e a partir daí por outras que depois aprendi, o gosto pela leitura, pela poesia, pela literatura, pelas artes de um modo geral... e pelas estrelas. A Profª Irany e a Profª Marion não somente me ensinaram a técnica da Língua Portuguesa mas também o despertar da minha sensibilidade para as coisas belas que só os olhos do espírito conseguem enxergar. Em classe, eram verdadeiras mestras. Amigas dos alunos, não mediam esforços para que todos chegassem ao mesmo nível, respeitando, contudo, as limitações de cada um.

   Os anos que no IEAT passei foram de enriquecimento incalculável. Os professores formavam um grupo coeso de invulgar qualidade. A Profª Marion cativava pelo seu conhecimento e pela maneira alegre, humorada e paciente com que nos tratava a todos, sem distinção.

   Permito-me dizer que a Profª Marion levava para a sala de aula o seu amor de mãe e distribuía-o por todos nós, sem contudo alterar o amor que sentia pelos seus próprios filhos. Tive a graça de "beber" desse amor e por isso guardo tão gratas recordações.

   A última vez que estive com a Profª Marion foi em Outubro de 1986.
Vivia eu em Paris e fora visitar a minha família em Caetité. Num final de tarde dirigi-me à sua casa que faz esquina com a rua General Argolo e fiz-me anunciar.

   D. Marion (como a tratava) mandou-me um recado a pedir-me para esperar porque estava a ver a novela. Acomodei-me no hall de entrada e esperei.
De costas para mim, entretida com a novela, não percebera quem ali estava.
Num dos intervalos, porém, olhara para trás e só então dera-se conta de quem a esperava. Reconhecera em mim o antigo aluno de 15 anos atrás. Com a sua costumeira forma gentil de ser e um sorriso grande veio ao meu encontro e trocamos um abraço. Meio sem jeito, desculpara-se por me ter feito esperar, pois imaginara que eu fosse "um vendedor de livros". Rimos bastante. A novela tomara segundo plano e D. Marion dedicou-me toda a sua atenção.
Foi um belo reencontro!

(...)

   Bem, acho que já me estendi demais. Corro o risco de estar a ser cansativo.
Agora só me resta agradecer por esse presente e também por ter recebido, como vós, a semente do conhecimento, com a qual D. Marion, minha PROFESSORA e vossa MÃE nos presenteou.
Agnaldo Lima Silva.*
*Agnaldo Lima Silva, escritor, autor de "Ventre Aberto" (São Paulo, 1981), mora há 16 anos em Portugal. Este depoimento é parte de uma correspondência que nos enviou, em março de 2004.
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Trecho do discurso do Mons. Antonio Raimundo dos Anjos*, Vice-Reitor da Universidade do Estado da Bahia, por ocasião da Abertura da I Semana de Letras do Campus VI da UNEB, em Caetité (31/03/04):

   "Faço um retrospectivo para os tempos passados, na pessoa da Prof.ª Marion Koehne, a quem nós devemos, assim carinhosamente, o seu trabalho, a sua dedicação na área de letras. Foi uma batalhadora. Foi uma pessoa que deu tudo de si para os nossos alunos, naquela época, mostrando assim, abrindo um campo social, um campo crítico, no seu trabalho. Na pessoa dela eu reconheço também o trabalho carinhoso daqueles que fizeram educação em Caetité - todos aqueles que se distinguiram naqueles momentos em que nós nos preparávamos para, com seu apoio, abrir a unidade de Caetité."
*Mons. Antonio Raimundo dos Anjos, é vigário da Diocese de Caetité. Fundador da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caetité, da qual foi Diretor; foi Reitor da Universidade do Estado da Bahia e Vice-Reitor quando desta fala.
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