A concepção que se faz de Lúcifer, Satanás, Satã, etc., da forma
como ele é conhecido no Ocidente, chegou até nós de tempos mais antigos
da História, através das escrituras do povo judeu, cuja terminologia
e imagens sofreram influências das civilizações mais antigas que os
circundava.
Babilônios -
Uma das civilizações foi a dos babilônios – os mitos e simbolismos predominantes
na Babilônia influenciaram bastante os textos do povo judeu, e palavras
e imagens vinculados aos símbolos babilônios podem ser encontrados no
Velho Testamento.
O que encontramos de mais óbvio neste sentido é a imagem de Leviatã
, o Dragão ou o monstro:
" Naquele dia, punirá Yaveh (o Senhor), com sua espada dura, grande
e forte, Leviatã , serpente veloz, e o dragão serpente sinuosa, e matará
o monstro que está no mar " (Isaias 27,1)
Foi a partir de símbolos como este que nasceram as imagens formadas
mais tarde ao redor do conceito de um "Ser Maligno", o provocador da
desordem e do caos.
Persas -
Outra cultura religiosa dos tempos primitivos, que acabaria por exercer
uma poderosa e duradoura influência sobre os autores judeus, foi a dos
persas. Foi da Pérsia que surgiu uma teologia inteiramente baseada nas
forças oponentes do bem e do mal.
O dualismo existente na religião persa, exerceu sobre os judeus uma
influência que durou muitos séculos.
Zoroastro, ou Zaratustra , tornou-se conhecido na antigüidade como
o fundador do sistema de magia, a religião dos magos, que depois acabou
sendo aceita como a religião do povo persa-iraniano.
No sistema que ele desenvolveu, o princípio do mal era inteiramente
separado do princípio divino. Afirmava-se então que tudo tinha uma causa,
e, como o bem não podia causar o mal, deduzia-se que o mal tinha que
ser um princípio separado.
O mundo natural teria surgido do Senhor da Sabedoria, Ahura-Mazdâ
ou Ormazd, o Ser Espiritual primordial. Seu espírito orientador, vivia
produzindo o bem de maneira constante, mas sofria restrições por parte
de seu próprio irmão gêmeo, o espírito do mal, Arimã. A essência de
Arimã era a falsidade, enquanto a de Ormazd era a verdade.
Foi esta concepção do conflito eterno, elemento que dava o significado
central à própria religião, que teve efeito tão profundo sobre as doutrinas
dos tempos posteriores.
E Arimã, o grande enganador, que foi expulso do "Paraíso" e lançado
no "Inferno", tem um parentesco bastante claro com a concepção judaica
do Inimigo (Satan), o arquienganador.
Egípcios -
Apesar de aparecer na mitologia de tantas das primitivas civilizações,
o princípio sobre a existência de uma força do mal no Universo, a qual
está sempre em luta contra o bem, os mais antigos textos religiosos
conhecidos referentes a essas civilizações, em geral mostram uma concepção
diferente do bem e do mal.
Segundo tais narrativas, tudo surge a partir das mãos do Senhor e
Criador Supremo, e assim, tanto o que nós parece ser bom como aquilo
que para nós tem a aparência de mau, seria mandado por Ele.
Os deuses do Egito antigo tinham esta mesma ambivalência. Todos comungavam
da majestade de um Deus Supremo, que distribuía tanto o bem como o mal,
sendo portanto o autor de todas as coisas.
Em sua mitologia primitiva, o deus Seth identificava-se com a destruição,
com a morte do Sol, através do assassinato de Osíris. Mas ao mesmo tempo,
era também venerado como um grande e poderoso deus criador.
Mas depois, nos mitos do Egito, em tempos posteriores, a história
de Seth foi simplificada, de modo que ele se tornou apenas um ser cheio
de maldade e hostil a todos os homens. Na verdade, ele acabou se transformando
em uma personificação da maldade.
E esta concepção pode ter servido também como inspiração para idéias
bíblicas posteriores a respeito do "Inimigo", por intermédio da influência
do Egito sobre o povo judeu.
Hindus -
A ausência de um princípio do mal único é vista mais especialmente no
hinduismo, que sempre foi e continua sendo uma religião bastante metafísica.
Não devemos nos esquecer de que se trata de uma religião muito antiga,
talvez a mais antiga de todas as religiões conhecidas.
Apesar de seu enorme panteão de deuses, o hinduismo interpreta suas
divindades como manifestações de um Deus Único, atribuindo a elas poderes
tanto de destruição como de criação, tanto de morte como de vida. A
maior parte da mitologia hindu, como acontece em muitas outras mitologias,
gira em torno de uma batalha cósmica, e de um combate espiritual entre
luz e trevas.
Mas apesar disso, não existe a imagem de uma figura sobre a qual
estaria o "ponto focal do mal".
Kali, a deusa da morte que tudo devora, representa o inverso da deusa
mãe que alimenta todos os seres vivos. Mas na mitologia hindu, ela está
bem longe do que poderíamos considerar como uma concepção do Diabo.
Não se manifesta ali qualquer tendência ao dualismo.
Budismo -
No Budismo que teve seu começo no sexto século A.C. , o Ser Maligno
é mostrado antes de mais nada, como tentador.
Segundo alguns dos textos que narram episódios da vida de Buda, Mara
o grande tentador, teria aparecido a ele no céu e tentado evitar que
ele renunciasse à vida mundana e de se tornar um andarilho. As palavras
de Mara não tiveram efeito algum, mas a história acrescenta que, do
mesmo modo que uma sombra segue o corpo, ele também, a partir daquele
dia, sempre seguiu o Abençoado, fazendo tudo que era possível para lançar
obstáculos em seu caminho na busca da condição da perfeição.
Mara também é chamado de Varsavati, "aquele que satisfaz os desejos"
. Porque o desejo ou a sede pelo prazer, pelo poder e até mesmo pela
existência terrena, vincula os seres humanos à roda da vida que gira
eternamente (princípio da reencarnação), impedindo a liberação do verdadeiro
ser, ou Nirvana.
Hebreus -
A idéia de um Deus Único e Supremo também era o centro de toda fé judaica,
e serviu inclusive para diferenciar a primitiva religião hebraica, das
religiões de todos os povos vizinhos que contavam com inúmeros deuses
tribais.
Nas mais antigas escrituras judaicas, Yaveh aparecia como o Senhor
do Universo, e tudo o que acontecia, tanto de bom como de mau, era causado
por Ele.
Em Isaias (45,7) escrito no sexto século A.C., Deus diz:
" Eu formo a luz e crio as trevas, asseguro o bem estar e crio a
desgraça: sim eu Yaveh, faço tudo isto "
Mais tarde, começou a surgir o sentimento de que Deus, o autor de
todo o bem, não deveria ser escrito como a causa do mal; era preciso
encontrar uma causa separada.
A religião persa, com a qual os judeus entraram em contato durante
o exílio na Babilônia, foi uma clara influência que se manifestou por
trás deste tipo de pensamento.
O mal era visto cada vez mais como sendo causado por um inimigo que
se opunha a Deus e ao homem - o adversário - que na verdade é o significado
preciso da palavra hebraica Satan.
Nos livros apocalípticos dos séculos imediatamente precedentes à
era cristã, os nomes dados ao "Inimigo" já começavam a ser combinados.
Pela primeira vez na literatura, a serpente do Livro do Gênesis identificava-se
com Satanás, O Diabo.
A própria palavra "Diabo" deriva do grego "diabolos", que significa
"o acusador ou agressor"
Entre os anos 285 e 247 A.C., quando o Velho Testamento foi traduzido
para a versão grega conhecida como "Os Setenta", "diabolos" foi a palavra
usada para a tradução do vocábulo hebraico Satan.
No Livro de Jó, Satan aparece como acusador e tentador do homem, mas
ainda é visto como um "súdito" do Soberano. Ele apresenta-se diante
da corte celestial e age conforme as instruções do Senhor.
No Livro de Samuel, compilado no décimo século A.C. , está escrito
que o Senhor tentou Samuel.
Mas no primeiro Livro de Crônicas (21,1), um texto bem posterior do
Velho Testamento, é Satan quem tenta Davi para que desobedeça a Lei
e seja alvo da ira de Deus.
Segundo esta interpretação, o perigo passava a vir por meio do Inimigo
(Satan), e não mais através do próprio Deus.
Baal Zebub foi outro nome usado para a mesma figura de Satanás no
período apocalíptico das escrituras hebraicas.
O nome Baal Zebub é mencionado apenas no Velho Testamento. Em 2Reis
1, o rei de Israel manda mensageiros para perguntar a Baal Zebub, o
deus de Ecrom, se ele se recuperaria de sua enfermidade. O anjo do Senhor
diz a Elias que vá ao encontro dos mensageiros do rei e lhes diga :
"Porventura não há um Deus em Israel, para irdes consultar Baal Zebub,
rei de Ecrom ? Por isso… com certeza morrereis ".
"Baal", isto é, "senhor", era o título dado a uma divindade local:
"zebub" significa "moscas".
Portanto, Baal Zebub poderia representar o Baal para quem as moscas
são sagradas - o Senhor das Moscas.
Hoje se sabe que a divinização por intermédio das moscas era praticada
na Babilônia.
Em algumas versões do Novo Testamento, é encontrado o nome "Bellzebu".
A palavra "zebul" aparece no Livro dos Reis, significando altura: "belth-zebul"
é a casa elevada, ou templo, de modo que Bellzebu poderia significar
o "Senhor da Casa Elevada"
Em Mateus 10,25 lemos : " Se chamaram Bellzebu ao chefe da casa,
quanto mais chamarão assim aos seus familiares".
Mas independente da grafia de "Baal Zebub" ou "Bellzebu", nada se
sabe quanto a maneira ou ao momento preciso em que este deus pagão em
particular, teria passado a ser visto como "o príncipe dos demônios"
(Marcos 3,22), apesar de ser coisa comum para os judeus dos tempos do
Velho Testamento encararem os deuses pagãos de seus vizinhos, como representação
do Ser Maligno.
Apócrifos da Bíblia –
Pelo o que sabemos hoje, a história de como Satanás foi expulso do Paraíso,
teria tido a sua origem nos livros judeus apócrifos. Tratam-se de textos
que circulavam entre os judeus durante os séculos imediatamente anteriores
e posteriores ao início da era cristã.
O mais importante de todos estes era o Livro de Enoch.
Na verdade o Livro de Enoch era uma coletânea de diversas obras literárias,
que apareciam todas sob o nome de Enoch, mas que teriam sido escritas
por diferentes autores. Tudo indica que o livro era bastante conhecido
até o século VIII.
A história da queda dos anjos não é propriamente uma doutrina das
escrituras, já que nunca fez parte do organismo ortodoxo dos textos
do Velho Testamento.
No entanto, acabaria tornando-se a base principal dos ensinamentos posteriores
sobre Satanás e sobre o seu lugar em nosso mundo.
Segundo o mito apócrifo, a história dos anjos teria sido revelada
a Enoch. Em uma visão, ter-lhe-ia sido mostrado como um grupo de anjos,
encorajados por seu líder, teria descido da corte celestial para a Terra.
Em nosso mundo, eles teriam "desejado as filhas dos homens" e rejeitado
o Paraíso, tornando-se, após sua queda, seres maus, os Anjos Sentinelas,
que teriam produzido uma raça de gigantes em sua união com as "filhas
dos homens". Esta parte da história tem bastante semelhança com o capítulo
6 do Livro do Gênesis.
Os Sentinelas teriam ensinado aos homens muitas artes e ciências,
mas também o vício.
Seus descendentes "espalharam a iniquidade sobre a Terra" até o dia
em que Deus teria decidido provocar o Dilúvio, como forma de punição
contra os pecaminosos seres humanos, condenando os anjos a viver nos
lugares mais escuros da Terra, até o dia do Juízo Final.
Mas os gigantes teriam produzido seus próprios descendentes, espíritos
maus que teriam permanecido sobre a Terra, continuando a liderar os
homens pêlos caminhos do mal.
O outro livro, que trata dos Segredos de Enoch e que foi provavelmente
escrito no Egito no princípio da era cristã, fala da viagem de Enoch
através das diferentes cortes do Paraíso. A ele são mostrados os Grigori
na prisão. Estes eram anjos rebeldes que, juntamente com seu príncipe,
chamado Satanael, tinham rejeitado o Senhor Deus.
No Livro dos Doze Patriarcas, um de outros livros apócrifos, o chefe
dos anjos caídos tem o nome de Belial. Ele é o principal antagonista
de Deus, e compete em busca da lealdade dos homens.
O livro apocalíptico dos Jubileus afirma que os Sentinelas vieram
para Terra e depois pecaram, mas que seu príncipe , Samaael, teria tido
a permissão de Yaveh para atormentar a humanidade.
Conclusão -
Ao poucos, os diversos nomes usados para descrever os líderes dos anjos
rebeldes acabaram se combinando no nome de um único ser espiritual,
que personificava a origem e a essência de todo o mal.
Satan (Satã), o adversário, tornou-se o mais importante e o mais usado
de todos os nomes dados a este Ser. Para poder expressar as idéias a
respeito dos acontecimentos cósmicos, numa escala gigantesca, sobre
a qual é impossível se ter conhecimento direto, todas as grandes religiões,
sem exceção nenhuma, têm recorrido a esse ser.
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