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CHICO BUARQUE
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Nasce o poeta

 

            Corria o ano de 1965. O país já estava sob as botas da ditadura, quando Roberto Freire, diretor do TUCA (Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) encomendou à um quase desconhecido compositor as músicas para a peça "Morte e Vida Severina", de João Cabral de Mello Neto. Não foi a primeira encomenda que o jovem compositor recebeu. Nem a última. E também não foi a primeira vez (e diga- se passagem, também não foi a última) que o artista deixou tudo para a última hora. Na véspera da data marcada para a entrega das músicas, o quase desconhecido compositor se trancou em uma sala na casa da rua Buri, no bairro do Pacaembu, em São Paulo, e, nervoso, compôs as 21 músicas daquele que seria um dos maiores autos do teatro brasileiro.

            "Morte e Vida Severina" foi um sucesso. Ganhou festival de teatro na França.

            Muitos poderiam pensar que aquele artista era um gênio, por conseguir criar em apenas um dia de trabalho, 21 músicas. Estes estariam certíssimos. Outro sem número de pensamentos iria afirmar que ele era um irresponsável, por deixar tudo para a última hora. Este outro sem número de pensamentos estaria igualmente certo. O quase desconhecido compositor era tudo isso. Um misto de genialidade e inconseqüência fizeram dele, aquele quase desconhecido compositor, um dos maiores músicos do país: Chico Buarque de Holanda.

            Nessa época, ninguém poderia imaginar que a música do pequeno Francisco acabaria tendo cores e tamanhos brasileiros. Os bêbados zonzos, dançando trôpegos no meio da rua; os malandros, pobres, acabrunhados; os meninos lépidos e tristes, são paisagens da música de Chico, mas, são antes, momentos dos olhos de Chico. Cenas que começaram, desde cedo a ser impressas em sua alma branca como papel - e nela se pode imprimir quase tudo. Inclusive a realidade latente de um Brasil doente da alma, no seu mais íntimo.

            Um Brasil que Chico conheceu desde cedo, apesar de sua condição social. Chico sempre foi da classe média carioca, paulista, e depois carioca de novo. Muitos anos mais tarde ele se lembraria de uma noite em que ele e alguns colegas do Colégio Santa Cruz, em São Paulo, saíram em direção à estação da Luz, no centro da cidade. Ali, tentaram dar cobertores aos mendigos que dormiam, mas eles fugiram assustados e o único jeito foi deixar os cobertores lá, na calçada, e sair para que os pobres se aproximassem.

            E foi essa mistura que lhe aguçou a vista e lhe abriu a alma. Foi essa mistura que o foi transformando no Chico "brasileiro, graças à Deus", capaz de reunir a poesia ao futebol, a feijoada à música, a solidariedade ao bom humor. Assim, 1965 viu nascerem os sessenta versos de "Pedro Pedreiro". O menino Chico já tinha algum prestígio no mundo da música em São Paulo. Ele gravara seu primeiro compacto com esta música. Seus sambinhas, tocados no Juão Sebastião Bar, no Quitanda e no Sambafo (bares que ficaram na história como os lugares onde aconteciam as reuniões de estudantes universitários na década de 60) já haviam lhe garantido participação na efervescência musical daquela geração.

            As várias etapas da história musical de Chico Buarque assumiram, para o público, faces bem diferenciadas: o bom moço de olhos verdes nos anos 60 (e que fazia a platéia feminina suspirar ao refrão de 'Olê, olá'); o porta-voz da consciência crítica nacional, que inaugura a década de 70 ao som de 'Apesar de você' (quase um hino à resistência); o cantor da malandragem, entrando nos anos 80 sob o estigma de uma peculiar e elegante marginalidade... Caracterizado como "um artesão da linguagem" por alguns, ou um "alquimista verbal" por outros, a verdade é apenas uma: compositor, dramaturgo e ficcionista se encontram derrubando barreiras de gêneros e formas, sob o signo do poeta.